Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Regina Ribeiro

O POVO

"Contextualização e eleição", copyright O Povo, 30/6/02

"?É no jornal que o povo encontra o seu pão espiritual de cada dia. O jornal descortina-lhe o mundo, vencendo distâncias?. Demócrito Rocha, no primeiro editorial do O Povo em 7 de janeiro de 1928

No meio da semana um leitor ligou para reclamar do que ele chamou de contradição das informações com relação ao comportamento do mercado e a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República, pela quarta vez consecutiva. Segundo o leitor – eleitor de Lula, que fique logo tudo muito bem explicado – os jornais brasileiros têm feito um esforço medonho para vincular a candidatura petista ao mau humor financeiro numa tentativa de fazer o candidato do governo, José Serra (PSDB), conseguir mais e melhores resultados nas pesquisas de opinião, de forma que o povo brasileiro seja contagiado pelo medo de uma vitória de Lula.

A dúvida desse leitor era por que o dólar e as bolsas foram sacudidas na última quarta-feira quando foi descoberta uma fraude nos balanços da empresa de telecomunicações norte-americana WorldCom – que envolvia prejuízos da ordem de quase US$ 4 bilhões – quando a questão dos mercados estava tão intimamente ligada ao Lula? ?Não foi o Lula dessa vez e ninguém explicou o porquê dessa alteração nos mercados?, afirmou o leitor.

Isso só pode ser coisa das cabeças ?avermelhadas? dos eleitores do Lula, poderiam dizer os apoiadores de outras candidaturas. O outro leitor criticou a forma como O Povo publicou as informações em torno da fraude da WorldCom, controladora da Embratel no Brasil, empresa de telefonia que opera com longa distância. O ponto central da crítica, nos dois casos, foi a falta de contextualização da informação publicada. Ou seja, não havia informações complementares que fizessem as ligações – ou desligamentos – dos fatos de forma que as informações se mostrassem mais claras para os leitores.

Leitura e sentido

O sentimento dos leitores é o do não entendimento dos motivos pelos quais determinadas informações são publicadas sem as explicações que eles acham que deveriam estar agregadas ao texto. Os leitores estão cobertos de razão e devem exigir com muito mais pertinência e presteza que o jornal que eles lêem por serem assinantes ou não dêem informação com qualidade.

No último dia 25, depois de divulgada a pesquisa da CNT/Sensus dando conta da queda do Lula de 40,1% para 36,1% nas intenções de voto, e da alta de 13,3% para 20,9% para o candidato José Serra, vários jornais nacionais (Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo, Valor Econômico e Correio Braziliense) deram o tema como manchete, sendo que pelo menos um deles fez ligação direta entre Serra e o mercado: ?Efeito Serra derruba risco país e dólar? (O Estado de S.Paulo); o Correio Braziliense (de Brasília) deu a seguinte manchete: ?Dólar e risco-país caem (até a próxima pesquisa). O Povo e o DN deram como manchete o aumento dos servidores públicos estaduais. O risco-país foi grafado diferente porque os jornais escreveram de forma diferente em suas manchetes.

Não foi preciso a próxima pesquisa como sugeriu o Correio. No dia 26, lá estava nova confusão no mercado financeiro. O dólar atinge novo recorde, as bolsas oscilam para baixo. O candidato do PT não tem nada a ver a história, mas o importante foi a vitória do Brasil com a Turquia e a decisão pela taça de campeão mundial pela 5? vez. Manchete sobre o efeito WordCom, entre os nacionais, só na Folha de S. Paulo. O Povo optou pela Copa. O DN, pela alta do dólar. Compreensível que o apelo da Copa tome o lugar mais importante da primeira página dos jornais brasileiros.

O que não é compreensível e, a partir de agora, a crítica está voltada para O Povo, é a falta de contextualização devida em algumas informações. O jornalismo impresso tem como proposta a informação didática, a explicação dos fatos, a ampliação do debate em torno dos temas que estão rondando, entre segundos e minutos, os veículos eletrônicos. O leitor quer do jornal impresso o aprofundamento das questões, com informação analítica. E não adianta achar que o leitor está vendo chifre em cabeça de cavalo. Ele vai ver qualquer coisa na cabeça do cavalo, quando ela não estiver muito clara em seus contornos.

Não custa muito explicar, em alguns momentos de maior turbulência, o procedimento manada dos mercados; mostrar como funciona o jogo dos investidores, que na média, tomam decisões baseadas em perspectivas futuras; que a tecnologia da informação permite que bilhões e bilhões de dólares circulem pelo mundo todo a cada dia, em busca de lugares seguros para aplicar dinheiro, muitas vezes virtual. Que a globalização tem o lado ótimo que permite comprar os produtos que se usa no mundo inteiro, mas os prejuízos de todo o mundo também costumam atingir a quem a não tem nada a ver com isso: nem o leitor, nem Lula, sem Serra, nem Ciro, nem o Garotinho. É importante lembrar que apenas o ex-governador cearense Ciro Gomes, que foi ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, teve participação no início da modelagem do atual modelo econômico brasileiro, que tem seus pilares na abertura de mercado, estabilidade fiscal (equilíbrio entre receitas e despesas) e estabilidade de preços (controle da inflação).

Informação agregada

Torna-se irrelevante lembrar que o jornalismo impresso hoje tem um papel muito mais amplo do que oferecer informação. É preciso explicar, analisar, antecipar-se. Jornal não é bola de cristal, é verdade. Mas quantas e quantas vezes, O Povo vai aos seus arquivos comprovar, com matérias, uma realidade que foi antecipada? Só para citar dois casos: 1. As áreas de risco de Fortaleza e a proximidade do inverno; 2. A morte de um paciente no corredor de um hospital público. Tudo coisa recente, ocorrida esse ano mesmo. Jornalismo bem feito pode desagradar, incomodar, frustrar maus administradores públicos, mas vai acertar em cheio na expectativa que os leitores têm do jornalismo impresso."