Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Regina Ribeiro

O POVO

"Querelas, sucessão e imprensa", copyright O Povo, 24/8/02

"A dica para essa reflexão foi dada pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jorge Parente, em entrevista publicada no Diário do Nordeste, há exatos 15 dias, com menos de uma semana para a eleição, que aconteceu no dia 16 último. Indagado sobre denúncias que estavam em curso no período pré-eleitoral da instituição e os possíveis desgastes que o nome da entidade poderia estar sofrendo, Parente afirmou: ?Eles abalaram a instituição, porque pegaram uma discussão interna e uma divisão que era interna e levaram para a imprensa. A instituição só ficou resguardada porque a grande imprensa cearense não deu guarida a essa querela, que era uma querela interna da Fiec?.

?A grande imprensa não deu guarida a essa querela? remete a uma pergunta: por que a grande imprensa do Ceará se manteve a uma certa distância dos fatos?

Uma nota publicada no dia 11 de julho foi o pontapé da publicização de que o processo eleitoral na Fiec estava se dando de forma acirrada. Fala de uma prestação de contas que não poderia ter sido aprovada pela entidade, antes da apreciação de um relatório da Comissão de Ética, cuja leitura não estaria sendo cumprida, dentro dos trâmites normais, pela instituição. Uma matéria publicada no dia 12 informava que os sindicatos que apoiavam a gestão de Jorge Parente dariam uma resposta na segunda-feira seguinte. Na segunda-feira, 15, a resposta prometida chegou, com outra nota endereçada aos ?industriais cearenses e à sociedade? com o ?objetivo de restabelecer a verdade?.

Foram publicadas algumas outras notas de lado a lado. A pendenga esteve de volta em matéria jornalística no dia 9 de agosto quando o grupo que fazia oposição na Fiec decidiu divulgar o tal relatório que era o ponto chave da discussão. Na matéria fala-se das supostas denúncias apuradas e o presidente Jorge Parente questiona a autenticidade do documento.

Nos dois dias anteriores ao pleito que reelegeu o executivo Jorge Parente ao comando da Fiec, os jornais foram inundados de informações sobre a instituição que, de grosso modo, tinham o seguinte tripé: a onda de ações judiciais impetradas pela oposição (matérias jornalísticas); vários dos fatos envolvendo a disputa e o tal relatório da Comissão de Ética (material ineditorial ou publicitário); a prestação de contas da atual gestão (material ineditorial ou publicitário).

Fato jornalístico

Quando o presidente da Fiec diz que a grande imprensa não deu ?guarida às querelas internas? da instituição – de 52 anos, que congrega 34 representantes de praticamente todos os setores da indústria do Ceará e movimenta cerca de R$ 40 milhões anualmente – não é bem assim. As notas publicadas pela atual gestão e pela oposição foram divulgadas pela imprensa e todas tinham o mesmo objetivo de ?restaurar? ou ?estabelecer uma verdade?. Ou seja, o meu questionamento é contra o fato do O Povo ter deixado que as notas cumprissem um papel que seria do jornal, de investigar os fatos e noticiá-los. As notas, com certeza, estariam presentes na defesa das idéias de cada um, mas em momento algum, poderiam suprir o papel informador.

É bom deixar claro também que não estou fazendo defesa pública da espetacularização da informação, transformando em algozes homens e instituição que têm bons serviços prestados a este Estado. Já me posicionei contra a forma como, algumas vezes, pessoas são expostas pelo jornal sem a devida averigüação ou sem oferecer ao leitor informações complementares que possam ajudá-lo a formar, com mais clareza, uma opinião a respeito dos fatos. É bom lembrar ainda que O Povo tem uma histórica tradição de defesa das instituições reconhecendo essas entidades como pilares importantes do estado democrático e de desenvolvimento dos interesses sociais e de classes.

No caso em questão, no entanto, O Povo não teve interesse em aprofundar algumas informações e deixar os leitores mais bem informados sobre o emaranhado de dados que rondavam o processo sucessório na Fiec. Disputas pelo poder não são o que podemos chamar de fato novo. Têm a idade da humanidade. As ações dos homens nessa disputa é que geram fatos para observação jornalística.

Quem se deu ao trabalho de ler o relatório da Comissão de Ética que foi disponibilizado na Internet e que era o principal trunfo da oposição durante toda a briga eleitoral e judicial que caracterizou o pleito, pôde perceber alguns detalhes: 1. Os resultados da Comissão não têm o tom inquisitório, condenatório ou policialesco; 2. Várias das defesas apresentadas perante a comissão foram aceitas pelos seus membros, tendo a Comissão pedido informações complementares; 3. O Povo é parceiro da Fiec em dois projetos que contaram com a votação favorável de toda a diretoria da instituição, incluindo a parte oposicionista, tendo a Comissão solicitado informações complementares; 4. Existem algumas transações envolvendo a Fiec e prestadores de serviços que necessitam de maiores esclarecimentos por parte da presidência; 5. A Comissão sugere que o presidente tenha maior critério com os recursos da instituição; 6. A Comissão sugere também que a diretoria tenha maior controle sobre os gastos da instituição.

O que dá para perceber depois da leitura do relatório é que essas informações, analisadas de forma criteriosa, não colocam em xeque nem a honra pessoal do presidente, nem a imagem da instituição. A Fiec é uma das instituições mais divulgadas do Ceará e uma referência regional devido principalmente à forma como defende os interesses dos seus associados. Isso não quer dizer que seja perfeita ou que não esteja num processo contínuo de transformação. O próprio presidente Jorge Parente em matéria publicada no O Povo, no dia 25 de abril deste ano, afirmou que uma das suas propostas de trabalho para o novo mandato era ?democratizar a gestão delegando missões aos diretores para uma participação mais efetiva e ampla com a desconcentração do poder das mãos do presidente?.

Acredito que O Povo perdeu, sim, a chance de colocar a Fiec no centro das discussões que envolveu esse debate. Poderia, inclusive, ter contribuído com o nível da discussão que foi feita por meio de notas publicitárias. O Povo passou aos leitores a idéia de que é muito mais atuante quando é o poder público o principal personagem de ?querelas?, ao ponto de manter uma certa distância do aprofundamento dos fatos quando envolvem uma instituição privada. Acontece que este jornal está, diariamente, desenhando um novo modelo de sociedade, onde público e privado têm as mesmas responsabilidades sociais, de ética e transparência."