Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Regina Ribeiro

O POVO

"Jornalismo e eficácia", copyright O Povo, 1/9/02

"Recentemente ouvi a seguinte história de uma presidente de Associação de Moradores de um bairro da Grande Fortaleza, uma senhora simples envolvida na campanha eleitoral que se segue: ?não acredito em nada que sai no jornal sobre esses políticos. Trabalho para o candidato ?X?. Ele me paga R$ 200 por semana para eu fazer panfletagem e arranjar menina para segurar pirulito (aquelas bandeirolas com o nome dos candidatos que invadem ruas e sinais da Cidade), mas meu voto vai para outro candidato, porque eu tenho ?compromisso? é com a esquerda. A coordenadora da campanha chamou presidentes de associações de vários bairros e disse que compra voto por até R$ 100, se o outro candidato oferecer R$ 50. Vejo o programa eleitoral só para ver esses homens todos mentindo. Gosto de ver eles prometendo coisas que não vão cumprir. Até já gravei programa defendendo candidato em quem nunca vou votar. Fiz só pelo dinheiro. Todos estão mentindo no jornal e na TV.?

Esse relato me fez pensar qual a eficácia da informação política para a grande maioria das pessoas. Será que os veículos de informação estão conseguindo se fazer entender pelo seu povo? Ou a mensagem está sendo entendida apenas por uma mínima fatia escolarizada, com capacidade de fazer uma avaliação mais crítica do lê e ouve sem cair na indiferença ou total descrença? Qual o real poder mobilizador que tem hoje os veículos de informação quando o tema não é o puro entretenimento ou resvala para o emocionalismo? Qual a contribuição desses veículos para formar pessoas com uma capacidade maior de análise e crítica?

No último dia 23 participei de um evento realizado pelo Unicef que está desenvolvendo um trabalho de consciência política entre os jovens. O POVO a TV Jangadeiro estão apoiando o Unicef na campanha que tem como slogan ?Saia do Muro?. A campanha tem metas claras: mobilizar os jovens para votar e oferecer informações de qualidade que possam orientar esses jovens na escolha dos novos representantes. Participavam do evento cerca de 450 estudantes de várias regiões do Estado.

Depois de uma rápida conversa pude perceber, pelos depoimentos, a descrença que alguns deles têm da mídia. Defendi que, terminado o processo eleitoral e concluída a campanha Saia do Muro é a vez da liderança jovem tentar se manter visível no jornal, sugerindo pautas e discussões que estejam diretamente ligadas às políticas públicas destinadas aos jovens. Foi o que precisava para gerar a polêmica. O grau de descrença e desinformação veio à tona: ?Como pautar o jornal se não temos dinheiro para comprar espaço como têm os políticos?? ?A imprensa é dos poderosos que não estão nem um pouco preocupados com os jovens?. ?Esse negócio de votar não leva a nada, nem transforma nada porque quem é eleito é quem tem dinheiro?. ?Como saber o que é verdade o que tem na mídia se a mídia vive de dinheiro e só publica o que interessa a quem tem dinheiro??

Em seguida a esse ?debate? esquentado, um senhor que deveria estar acompanhando um grupo de garotos perguntou: ?A senhora falou dessa campanha Saia do Muro, como é que eu sei mais informações sobre essa campanha?? Ele desconhecia minimamente o trabalho que está sendo desenvolvido.

Saia da frente

Minha maior perturbação depois daquele encontro era com a imagem que aqueles 450 jovens escolhidos em todo o Ceará, pela liderança que já exercem ou que estão formando nas escolas públicas, tinham da informação jornalística. É claro que eles não pensavam todos a mesma coisa. É claro também que, alguns estão num ambiente mais propício a reconhecer a informação como um valor da atual sociedade e valor que pode ser agregado às demais experiências do aprendizado enquanto cidadão, estudante, futuro profissional.

Mas não deixo de manter a preocupação pelo fato de ter consciência de que existe uma necessidade de trabalhar para mudar essa imagem deturpada e generalista de uma imprensa elitista que só fala a língua dos poderosos; inacessível às causas jovens ou populares e que só existe para atender aos interesses políticos e econômicos; que merece a descrença ou a indiferença de jovens e adultos.

Quem é leitor deste jornal tem acompanhado a boa qualidade das matérias jornalísticas que têm sido publicadas sobre o jovem e sua inserção política; sobre as políticas públicas ou a ausência delas para a faixa etária jovem; os principais problemas que eles enfrentam em várias áreas da educação e do mercado de trabalho. Sou levada a perceber no entanto, que essa noção de jornalismo feito com finalidade social alcança a uma parcela estreita de leitores e não chega ao grupo que é a causa dessa campanha: aqueles que estão inseridos numa realidade que dispõe de menos oportunidades em praticamente todos os campos.

Tanto para a líder comunitária quanto para os jovens em questão é inegável perceber que há um processo histórico no qual essas representações políticas e de mídia foram se formando a partir de suas experiências sociais e culturais. No entanto, é visível o abismo do entendimento da informação como uma aliada à transformação social e política.

Volto à reflexão inicial sobre a eficácia do jornalismo. É um fato que a campanha Saia do Muro teve um impacto positivo no processo de cadastro eleitoral. Fortaleza está com um dos melhores índices de participação de jovens que adquiriram o título de eleitor e se candidataram a enfrentar as urnas, mas isso é pouco.

A informação precisa ter a eficácia mobilizadora no campo das idéias, não apenas na ação imediata. Precisa incomodar as pessoas, levar a pensar, ter identificação com os processos cotidianos da comunidade. Estar presente.

Cultura e negligência

Na última terça-feira, 27, recebi um telefonema de um leitor que queria saber quais os critérios utilizados pelo jornal para cobertura de eventos. A razão da pergunta estava na seguinte constatação: havia sido aberta, na segunda-feira, no Centro de Convenção, uma feira cultural e de artesanato com a participação de vários municípios cearenses. ?Foi uma festa, gente de todo o Ceará, a cultura do cearense estava presente naquele lugar na vida daquelas pessoas tão simples. Abri o meu jornal hoje de manhã e não vejo um única linha sobre o que aconteceu lá. Mas vi uma página para um evento que mobiliza menos de 5% da população do Estado, que é a Casa Cor?, afirmou o leitor.

O leitor, que é um médico, certamente consumidor de classe privilegiada não criticou a cobertura dada à Casa Cor. No entanto, considerou uma ?negligência? do O POVO ?não dar uma linha da abertura do evento que traduz melhor a realidade cearense?, segundo sua avaliação."