Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Regina Ribeiro

O POVO

"Pesquisa e imprensa", copyright O Povo, 20/10/02

"Na semana que sucedeu as eleições em primeiro turno, O Povo se viu às voltas com um questionamento em torno da pesquisa de intenções de votos para o Senado, no Ceará, em que saíram vitoriosos o ex-governador Tasso Jereissati (PSDB) e a deputada estadual Patrícia Gomes (PPS). A maior dúvida dizia respeito aos percentuais apresentados nas pesquisas e o resultado final do processo eleitoral. Na última pesquisa do O Povo/EM Data publicada no dia 5, véspera da votação, os candidatos apareciam com os seguintes índices de preferência do eleitorado: Tasso Jereissati: 62%; Patrícia Gomes: 58%; Mário Mamede (PT): 14%; Paulo Lustosa (PMDB) 11%; e, Eudoro Santana (PSB): 9%.

No dia da votação, o resultado garantiu 31,52% de votos para o ex-governador Tasso e 30,76% de votos para a Patrícia Gomes. O candidato do PT ficou com 14,8%, e o do PSB teve 12,6% da votação para o senado. A dúvida apareceu diante dos resultados apresentados pelo Tribunal Regional Eleitoral, comparados aos índices das pesquisas.

O debate já teve seus lances públicos. O ex-deputado e ex-candidato Mário Mamede foi um dos que reclamou da enorme diferença entre as pesquisas e o resultado das urnas. No dia 9 passado, a Coluna Política rebateu um questionamento feito por Mamede, que cobrou uma ?séria investigação? nos institutos de pesquisa. O texto da Coluna explicou que o universo pesquisado era de 200% porque cada eleitor tinha ?direito a dois votos para o Senado. Portanto, os 31,5% obtidos por Tasso equivaliam 63%, somados os percentuais obtidos pelo tucano na primeira e segunda opção do eleitor. Os 30,7% de Patrícia valem 61,4%. Assim como os 14,9% obtidos por Mário equivaliam a 29,8%?.

Depois dessa explicação, pela resposta do ex-candidato, a situação ficou ainda mais complexa quando foi pedido que a Coluna Política apresentasse onde estavam esses quase 30% de participação de Mamede no cálculo geral dos votos.

Um dos leitores que acompanhou a discussão em torno das pesquisas enviou um e-mail em que demonstrou sua insatisfação quando leu na Coluna Política que o problema era de um ?erro infantil de leitura de números?. Pergunta o leitor a respeito dos dados publicados comparados aos divulgados pelo TRE: ?isso é erro infantil? Ou usar dois pesos e duas medidas para tecer comparações entre os candidatos??.

Após reler os textos, examiná-los, ponderar as questões em torno das dúvidas dos leitores e voltar às matérias que divulgaram as pesquisas O Povo/EM Data para o Senado, além de ouvir o coordenador das pesquisas do instituto mineiro, Adriano Cerqueira e um professor da UECE, especialista no assunto, Raimundo Nonato Cavalcante, devo dizer aos leitores:

A explicação dada pela Coluna Política está correta e os institutos de pesquisa utilizaram a mesma metodologia com os candidatos ao Senado. Como havia duas vagas, os pesquisadores faziam, aos entrevistados, duas perguntas: I. Qual sua 1? opção para ocupar uma vaga no Senado? II. Qual sua 2? opção? Depois somava a primeira opção com a segunda e apareciam aqueles índices de mais de 50% para cada um dos que estavam à frente na preferência pelos votos. E aí entrou em cena esse universo pouco familiar nas pesquisas que é o de 200%. O leitor deveria ter dividido por dois o resultado das pesquisas expostas no O Povo para ter uma idéia mais real da participação de cada candidato no cenário de votos.

É, no entanto, exatamente aqui onde mora o problema. O Povo não pode achar que todos têm conhecimento desses métodos estatísticos e que todos estavam compreendendo esses percentuais com a maior clareza; ou ainda que acompanhavam as letrinhas miúdas que apareciam dentro dos quadros informando que ?a conta fica superior a 100% porque soma duas totalizações percentuais?. Nos textos também informavam que o resultado era a soma das opções. Mesmo sem fazer uma pesquisa para verificar como os leitores costumam ler essas matérias, pelo que tenho ouvido da grande maioria deles, são os percentuais que chamam a atenção e quase nada mais.

Um ótimo exemplo disso foi o que aconteceu no sábado, dia 5, quando O Povo publicou um quadro com uma pesquisa do O Povo/EM Data em que apareciam os candidatos ao Senado e logo a seguir a preferência de votos, no Ceará, entre os presidenciáveis. A leitura que muita gente fez foi a de que O O Povo estava agindo de ?má fé? para confundir os leitores. Na edição de domingo, 6, O Povo deu uma explicação na 1? página do jornal chamando a atenção para o ?equívoco na leitura?, por parte dos leitores, e confirmando que a pesquisa estava restrita ao Ceará.

O que falta nesses casos é clareza. Já cheguei a dizer para muitos leitores que boa parte do que eles apontam como ?manipulação?, ?má fé?, ?defesa de interesses? quase sempre complicados, não é nada disso. É a falta de explicações mais detalhadas para o leitor, é ausência de clareza jornalística.

Por exemplo, se tivesse ficado claro desde o início para o leitores que as somas das pesquisas precisavam ser divididas por dois para se chegar a um percentual mais real, não teria sido mais claro? Com certeza sim e o raciocínio é muito simples. Quando o eleitor entrava na cabine para votar, ele escolhia dois candidatos ao Senado. Então, 50% do voto ia para um candidato e outros 50% para o outro. Daí porque o TRE dividiu o total de votos por dois.

O estranhamento do leitor sobre a divulgação de índices tão altos para os dois primeiros candidatos e quase inexpressivos para os demais é razoável. De acordo com o especialista Raimundo Cavalcante, para um grande parte de eleitores, as pesquisas passavam a idéia de vitória assegurada, o que na usa avaliação, ?terminou por influenciar de forma negativa parte do eleitorado em relação aos outros candidatos?. Essa questão da recepção das pesquisas é algo complexo. No caso do ex-candidato Mário Mamede que aparecia com 14% dos votos num universo de 200% – o que representa 7% num universo de 100%, pode-se verificar que ele alcançou cerca de 15% da votação geral, ou seja, quase o dobro. De acordo com Adriano Cerqueira, do EM Data, essa questão fica explicada com o efeito Lula que surpreendeu em todos Estados e que ?seria impossível prever pelas pesquisas?.

Se as pesquisas ocupam tanto espaço na mídia exatamente para oferecer aos partidos e eleitores uma tendência, uma previsão de votos, então está claro que elas precisam de reforma, de avançar para conseguir explicar ?certas surpresas?, que são entendidas pelo leitor como erro ou combinação de interesses entre a mídia e os institutos de pesquisa. Isso prova que temos ainda muito o que aprender nessa relação entre pesquisas, imprensa e (e)leitores."