Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Regina Ribeiro

O POVO

"O caso do senador", copyright O Povo, 9/3/02

"?Sem credibilidade as notícias não têm nenhum valor, seja em termos de dinheiro, seja de poder? ? Manuel Castells, sociólogo espanhol

Nos primeiros dias de fevereiro tomei conhecimento de uma matéria que O Povo havia feito, baseada num relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontava irregularidades numa transação financeira entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a KLP Agroindustrial, empresa na qual o senador cearense Luiz Pontes tem 70% das ações, ou seja, tem o controle acionário. A operação envolve recursos da ordem de R$ 3,2 milhões. O dinheiro tem origem no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A operação data de junho de 2000.

Esse caso já veio à tona, por meio do O Povo, no dia 21 de outubro do ano passado, em matéria que detalhava uma denúncia feita ao Ministério Público Federal, pelo comerciante João Jacques Albuquerque, candidato derrotado à Prefeitura de Massapê, inimigo político de Pontes. Na ocasião, o senador cearense falou ao O Povo, acusando Jacques Albuquerque de crime eleitoral e rebateu, com explicações, as denúncias. O advogado do senador Pontes, Cândido Albuquerque, também foi entrevistado. No dia seguinte, 22 de outubro do ano passado, em duas páginas ? num informe publicitário ? o senador Luiz Pontes fez ampla defesa pessoal, apresentando inclusive, um fac-símile de um relatório do BNDES com informações positivas sobre as atividades desenvolvidas por sua empresas.

No início deste ano, no entanto, o TCU apresentou um relatório condenando a operação financeira entre a KLP e o BNDES. O Povo teve acesso, com exclusividade, ao documento. Por três vezes indaguei sobre a matéria e a demora da publicação. Na última semana fui informada que a matéria ?não seria publicada e que essa era uma orientação da presidência da Empresa?.

O presidente do O Povo, Demócrito Rocha Dummar, ao ser ouvido sobre a questão, afirmou que a ?matéria será publicada sim?. Disse que considera necessário ?um tempo para que haja a defesa formal do senador Luiz Pontes? e com isso, a matéria será publicada com a completude dos fatos. Chamou ainda a atenção para o cuidado que O Povo deve ter ao acatar denúncias que possam ser úteis ao ?proselitismo político? de denunciantes.

Discordância

Concordo que um veículo de comunicação é um espaço privilegiado. Também concordo inteiramente que O Povo não pode ? sob pena de pôr sua reputação e credibilidade em xeque ? se deixar usar por intrigas políticas, denúncias carentes de fundamentação ou com o único objetivo de dar acolhida a motivos e sentimentos impublicáveis por parte de denunciantes.

Discordo, no entanto, da argumentação do presidente Demócrito Dummar no caso da denúncia envolvendo o senador Luiz Pontes. Em primeiro lugar, acredito que O Povo tem competência para fazer o julgamento das fontes e dos documentos envolvidos numa informação seja de denúncia, ou não. O jornal faz isso há 74 anos. Pode errar e tem errado algumas vezes, mas tem idoneidade e é respeitado por isso.

Em segundo lugar, quem denuncia político aqui, no Ceará, em Brasília, e em qualquer lugar do mundo são os inimigos desses políticos, e aí vale o irmão, a antiética da ex-esposa, os ex-aliados, os ex-afilhados e os ex-discípulos. O grau de proximidade é diretamente proporcional à quantidade de informações disponíveis contra o denunciado. Nesse segundo ponto, confirmo que O Povo tem competência de sobra para fazer a avaliação necessária antes da publicação de toda e qualquer matéria, sem atentar contra a ética e os princípios editoriais que norteiam esta empresa jornalística.

Em terceiro lugar, a denúncia envolvendo o senador Luiz Pontes é de interesse público. O senador Pontes é um homem público. Foi eleito senador da República, em 1998, com 1.433.126 votos de cearenses. O senador tomou dinheiro emprestado num banco público, por meio de uma linha de crédito específica, que tem como origem recursos de milhares de trabalhadores, que é o Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Em resumo, o senador tem obrigação moral de dar explicações públicas sobre esse episódio e O Povo, tem igualmente, o dever de informar o fato antes de qualquer defesa que o senador possa fazer junto aos órgãos que fiscalizam os destinos dos recursos públicos. O senador foi procurado pelo O Povo diversas vezes para falar sobre o relatório do TCU e não quis dar entrevista sobre o caso.

Analisando

Nos mais de 30 dias que analisei esse fato, li diversas vezes a matéria publicada pelo O Povo, as páginas ineditoriais, publicadas no O Povo, mas de responsabilidade do senador Luiz Pontes ? ambas em outubro de 2001 ? as últimas com acusações importantes contra o denunciante Jacques Albuquerque ?, e ainda, a matéria sobre o relatório do TCU que foi publicada no jornal Folha de São Paulo, no último dia 10 de fevereiro. É importante dizer ao leitor que recebi uma única ligação do senhor Jacques Albuquerque, nos primeiros dias de fevereiro, informando sobre a existência da matéria. Preciso dizer ainda ao leitor que avaliei essas informações à luz de toda a rica documentação que alicerça e fundamenta os princípios do O Povo.

A Carta de Princípios do jornal é um desses documentos que confirmam e valorizam os padrões éticos, morais e de liberdade aos quais esta empresa, enquanto veículo de comunicação, está submetida.

E ela diz no item sobre Liberdade: ?Elemento fundamental ao exercício da Imprensa, a Liberdade representa a garantia do direito e do dever de informar, comentar, criticar e denunciar?.

Não existe, da minha parte, qualquer tentativa de açodamento ou pressa de interpretação ao tema liberdade. Acredito não haver possibilidade de liberdade sem responsabilidade, sem análise profunda dos fatos ou avaliação da realidade. E é justamente por isso que critico a ausência de publicação da matéria sobre o caso do senador Luiz Pontes."