Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Regras para não se deixar engabelar pela manipulação de pesquisas

Mauro Malin

 

E

stamos em plena campanha de denúncias, efeitos especiais e promessas malucas no horário eleitoral.

Impossível filtrar todo o veneno. O que se anuncia de baixaria por aí não está em nenhum gibi. A história de dez mil reais de Lula, completamente hipostasiada, apenas anuncia o tom.

Estamos também em temporada de manipulação de pesquisas. Nem sempre a manipulação é descarada, o que torna as coisas mais complicadas.

Veja-se o caso abaixo.

A primeira das Normas para a Cobertura das Eleições publicadas pelo Globo em 19 de julho (remissão abaixo) estabelece:

“A busca da isenção deve ser permanente na apuração, na redação e na edição da cobertura”.

Entretanto, a manchete da edição de 13 de agosto era: “Garotinho dispara no Ibope e pode vencer no 1° turno”. Subtítulo: “Marcello estaria [sic] disposto a apoiar pedetista se Luiz Paulo não decolar”.

Nesse dia, um passageiro de táxi no Rio ouviu: “É, não tem mais jogo para o César [Maia]”.

Formalmente, o que houve? O Globo noticiou com destaque pesquisa mostrando avanço do candidato Garotinho. Ponto. É seu direito – seu dever, diriam os mais afoitos.

Informalmente, sabe-se que O Globo não poria azeitona na empada de Garotinho só por fidelidade a resultado de pesquisa (encomendada pelo próprio Globo e pela TV Globo).

Nem se exporia a vaticinar vitória no primeiro turno – “se a eleição fosse hoje”, álibi que vale tanto quanto o nosso “foi sem querer” da infância – fazendo tábula rasa da margem de erro: “Garotinho venceria César Maia por 35% a 25% e seria eleito ainda no primeiro turno, já que a soma de seus adversário é 32%.”

Por mais ampla que possa ter sido a amostragem (será que foi?; não se diz quantas pessoas foram entrevistadas, nem onde, só quando: 5 a 9 de agosto de 1998, ou seja, não era “hoje” no dia em que o jornal divulgou os dados), 3% para mais ou para menos é a margem de erro de uma pesquisa. Logo, a diferença entre Garotinho e todos os seus adversários, entre 5 e 9 de agosto, estava dentro da margem de erro. Impossível dizer: “Ganha no primeiro turno”.

Mas O Globo disse.

Trata-se, claro, de um mísero exemplo, pinçado do Globo. Outros incontáveis exemplos podem ser encontrados um pouco por toda parte. Quase rotina em campanha eleitoral brasileira.

Sete regras práticas contra a manipulação

“Em 1980, a ABC deixou que os telespectadores escolhessem (por 50 centavos a chamada) quem, Jimmy Carter ou Ronald Reagan, tinha vencido o debate presidencial. As pessoas que trabalhavam tanto na campanha de Carter quanto na de Reagan começaram a ligar rapidamente. Foram tantos os adeptos de Carter a ligar da área de Atlanta, onde ficava seu comitê de campanha, que os canais telefônicos de longa distância ficaram congestionados. Os que telefonavam em favor de Reagan não tiveram problemas e comodamente venceram a ‘pesquisa’. Quando os pesquisadores da ABC fizeram sua pesquisa em bases científicas, chegaram a um resultado bem diferente. Mas os que apoiavam Reagan já tinham proclamado a vitória de seu candidato.”

A trapalhada é contada no capítulo “Falsos barômetros de opinião” do livro O fundo falso das pesquisas, de Cynthia Crossen (repórter e editora do Wall Street Journal), Rio de Janeiro, Revan, 1996, já comentado neste OBSERVATÓRIO (ver remissão abaixo).

Desse texto foram retiradas uma premissa e sete regras destinadas a dar aos leitores ferramentas para se proteger, em meio a uma chuva de pesquisas pré-eleitorais de opinião, da manipulação, deslavada ou sutil, promovida por candidatos, marqueteiros, pesquisadores e mídia em período de campanha eleitoral.

Premissa:

A opinião pública “é uma grande nuvem em evolução, impossível de capturar com poucas e rápidas medidas” (aos mais velhos a frase relembrará Magalhães Pinto…). “Enquanto as pesquisas capturam meramente um momento, as decisões tomadas pelas pessoas que se baseiam nelas podem durar décadas. Além disso, pesquisas agora fazem mais do que simplesmente registrar opiniões. Hoje elas também formam opinião: as pessoas esperam as pesquisas para decidir em que ou em quem elas devem acreditar”.

Primeira regra:

“Pesquisas rápidas, com amostragem de relance, nas quais os dados são ajustados para compensar as possibilidades desiguais de seleção, não são confiáveis.”

Segunda regra:

“O mercado de pesquisas tende a trabalhar em benefício dos produtores mais fortes e poderosos. As classes dominantes econômica e politicamente, que sabem como ‘mercadejar’ idéias, também podem dominar a ideologia de uma nação com pesquisas. ‘Como resultado disso’, escreveu Benjamin Ginsberg, um professor de política da Universidade de Cornell, ‘as classes mais baixas se tornaram com o tempo mais consumidoras do que produtoras de suas próprias opiniões, aceitando muitas das crenças veiculadas pelas classes dominantes e deixando de produzir suas próprias idéias.”

Terceira regra:

“Tais como os físicos, cujas medições danificam as partículas subatômicas que procuram entender, os pesquisadores modificam as pessoas que entrevistam. Fazem isto forçando-as a tomar uma decisão imediata.”

Quarta regra:

“Quanto menor a amostragem, maior o potencial de erro da pesquisa. Isto é particularmente verdade se os entrevistados se dividem em grupos de opinião mais ou menos equivalentes. Por exemplo, com uma amostragem de 1.000, se uma pesquisa mostra 60% contra 40%, ela provavelmente estará dentro do limite de três pontos de margem de erro, ao ser aplicada ao conjunto da população. Mas, se a amostragem for de 100, a margem de erro da proporção 60-40 será em torno de 10 pontos, o que significa que a diferença poderá ser tão larga quanto 70 a 30, ou tão estreita quanto 50 a 50. E isto tudo no âmbito de nível de confiabilidade de 95-em-100, o que significa que uma em 20 vezes o erro será provavelmente maior do que este.”

Quinta regra:

Não vale o preceito de que, se todas as pesquisas concordam, é porque elas estão certas. Às vezes, estão todas igualmente erradas.

Sexta regra:

“Avaliações tipo corrida de cavalos [as que exageram o fator “quem está na frente?”] não são apenas simplistas, são bastante sensíveis em relação à ordem das perguntas. Se a pergunta preferencial vier primeiro – Em quem você vai votar para presidente? – a pesquisa irá trazer à tona um conjunto de respostas. Mas se uma série de perguntas sobre as condições do país for feita primeiro, ocorrerá provavelmente um outro conjunto de respostas. As perguntas sobre o estado do país podem trazer à mente sentimentos positivos – ‘O país está indo muito bem!’ – e o presidente em exercício tira vantagem. Ou podem despertar sentimentos negativos – ‘O país está indo de mal a pior!’ – e aí geralmente os desafiantes ganham apoio.”

Sétima regra:

“Em sua busca pelo envolvimento do telespectador, as redes de televisão usam freqüentemente votações por telefone. Votações por telefone, gratuitas ou pagas pelo espectador, sobre qualquer assunto, são destituídas de valor. Pessoas que pegam um telefone e discam um número para registrar sua opinião não formam uma amostragem escolhida ao acaso. (….)

Conclusão:

“As pesquisas têm aparência de científicas por causa da forma como os resultados são divulgados – pontos percentuais, tabulações, margem de erro, significação estatística. Mas muito nas pesquisas – o perguntar e responder das questões – é ciência ligeira, construída nas areias mutáveis da linguagem humana e da psicologia. Na ciência propriamente dita, a pesquisa deve ser repetida e apresentar resultados idênticos. Mas, porque a opinião pública está constantemente mudando e as pesquisas jamais podem ser duplicadas, não há forma de verificar sua seriedade. Eleições e plebiscitos são o único meio de conferir as pesquisas.”

Três anedotas exemplares e um fecho grotesco

“Os pesquisadores do Wall Street Journal e da NBC News pagaram milhares de dólares para que o público desse sua opinião sobre a decisão de Hillary Clinton de adicionar Rodham a seu nome.”

“Depois do assassinato de John Kennedy, era quase impossível encontrar alguém que admitisse ter votado contra ele, mesmo que sua vitória tenha sido por um fio de cabelo. Da mesma forma, o número de pessoas que se lembravam de ter votado em Franklin Roosevelt era sempre maior do que o número de votos recebidos por ele.”

“Durante a crise de Watergate, as perguntas do Gallup sobre o impeachment foram, em grande escala, mal compreendidas. Muitas pessoas acreditavam que impeachment significava prisão e, por mais que estivessem perturbadas com o procedimento de Nixon, não queriam condená-lo à prisão. Durante muitos meses, Nixon proclamou que as pesquisas o apoiavam.”

“Os levantamentos de opinião pública vêm sendo desvalorizados também pelo excesso de golpes promocionais tolos a que se dá o nome de pesquisas. No momento em que uma estação de rádio de Emmetsburg, Iowa, diz o nome de um candidato, os ouvintes dão descarga em suas privadas, quando o nome for o de seu favorito. Na empresa de tratamento de esgotos, o nível da água é medido, para saber qual volume de descargas o nome do candidato provocou”.

 

LEIA TAMBEM

Normas para a Cobertura das Eleições no Globo

(*) Trechos do primeiro capítulo transcritos em Números para americano ver

e comentário de Emir Sader em Entre aspas

O número-notícia, Antonio Beraldo

Erro à margem da margem de erro, Geraldo Coen