Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Relato de experiências em simpósio nos EUA

EXCLUSÃO DIGITAL

Antônio Brasil (*)

Foi um verdadeiro raio-X na internet do mundo inteiro. Apesar da ameaça de cancelamento na última hora devido ao clima de guerra e de terrorismo nos EUA, foi muito estimulante o Simpósio Internacional sobre Exclusão Digital, organizado pela International Communication Association (ICA) e a International Association of Media and Communication (IAMCR), que aconteceu na Universidade do Texas em Austin, na semana passada. Infelizmente, nem todos os convidados puderam estar presentes. Existe um novo clima de exclusão aérea. Viajar de avião, principalmente para os Estados Unidos, se tornou um inferno. Parece que todo mundo é terrorista até prova em contrário.

Mas, mesmo assim, quase uma centena de pesquisadores do mundo inteiro enfrentou enormes dificuldades para discutir os problemas e as soluções visando estabelecer uma sociedade de informação mais justa e democrática. Para um mero professor brasileiro que tenta produzir e não ser taxado de "coitado" pelo próprio presidente de seu país, o convite para apresentar um trabalho no painel sobre "Participação política e a exclusão digital" é, no mínimo, instigante. Na oportunidade, entre tantos trabalhos importantes, assistimos ao excelente relato sobre participação pública na disseminação digital apresentado pela professora Rousiley Maia, da UFMG.

Infelizmente, a participação brasileira e latino-americana foi pequena. Uma pena! Principalmente pela oportunidade de tomar conhecimento de tantas experiências inovadoras que estão sendo desenvolvidas em diversas partes do mundo. Quase todas eram voltadas para se evitar a discriminação de minorias e um crescimento ainda maior da divisão digital, que parece, muitas vezes, inevitável.

Professor nos EUA não é coitado

Em Austin, fomos convidados a apresentar os primeiros resultados de um projeto acadêmico de mídia alternativa que visa diminuir não só a exclusão digital, mas principalmente a exclusão do noticiário de televisão utilizando a internet. Um trabalho experimental sobre o futuro do telejornalismo online. É sempre muito importante ter o reconhecimento acadêmico e a oportunidade de relatar o andamento de um projeto de pesquisa, produto do trabalho de tantos professores e alunos.

Mas o que verdadeiramente contribui é a possibilidade de uma troca de experiências. Críticas, sugestões e comentários de pesquisadores de outros países do Terceiro Mundo, tão distantes, mas ao mesmo tempo tão próximos da nossa própria vivência digital, como a Índia ou a Costa Rica, enriquecem conteúdos e apontam novos caminhos. Além disso, criam-se oportunidades de parcerias e intercâmbios pela mesma via digital, que são fundamentais para o enriquecimento da pesquisa acadêmica e comunicacional.

Além de palestras importantes na abertura dos trabalhos sobre a universalização da internet e das telecomunicações, também foram apresentadas diversas pesquisas sobre o crescimento das tecnologias de informação. Provavelmente, as mais interessantes eram relativas às verdadeiras etnografias regionais comparativas sobre a África e a Ásia, além de estudos de casos específicos que apontam alternativas bem ou mal sucedidas para evitarmos a exclusão digital.

O diferencial do simpósio: nem tudo era reflexão teórica. Alguns projetos tratavam de soluções práticas, sempre muito criativas e extremamente bem fundamentadas por pesquisas quantitativas rigorosas. Para alguém que freqüenta regularmente os seminários brasileiros de comunicação, surpreende o rigor estatístico de quase todas as pesquisas, principalmente as apresentadas pelos americanos. Eles realmente gostam de pesquisar tudo, mas não parecem ter medo dos números. O interesse dos estudos está sempre voltado para as questões de gênero, de raça e econômicas, como parâmetros ou obstáculos para o crescimento das redes digitais. Mas tudo muito bem fundamentado por gráficos e apresentações superprofissionais. Professor nos EUA tem prestígio e é levado a sério!

Aumento das distâncias?

Na maioria dos trabalhos, são poucas as citações e as referências aos pensadores mais conhecidos no mundo acadêmico da comunicação. Por incrível que pareça, não ouvi nem uma citação do pensador francês Pierre Lévi e de suas concepções de "Inteligência coletiva", apesar da presença de muitos europeus. No entanto, Pierre Bourdieu, o autor mais citado nas ciências sociais, estava presente virtualmente, como referência teórica de um bom trabalho sobre efeitos da exclusão digital na comunidade de Austin, Texas. Esse rigor nas pesquisas quantitativas é uma clara característica dos trabalhos em ciências sociais em território americano, que contrasta muito com um certo excesso de especulações teóricas, a que já nos acostumamos. Para os americanos, são sempre dados, muitos dados e pouquíssimas reflexões ou conclusões. A matemática e a estatística parecem ter vidas autônomas, e podem explicar tudo. Bem que eles tentam!

Mas é interessante notar que uma das conclusões mais recorrentes nos painéis é uma certa falta de unanimidade sobre os benefícios imediatos e milagrosos da era digital, principalmente para os mais necessitados. Muitas pesquisas parecem comprovar que não basta dar acesso a computadores e internet para evitarmos a exclusão digital. O problema é muito mais sério. O investimento público ou privado na massificação dos meios não parece garantir os benefícios almejados pelas populações tradicionalmente discriminadas. Muitos estudos já apontam um crescimento na resistência às soluções digitais e indicam a necessidade de investimentos maiores em uma mudança estratégica na divulgação de objetivos e de um aprimoramento mais específico dos recursos humanos.

Computador e internet sozinhos não fazem milagres. Investimentos públicos e privados milionários, restritos ao acesso a equipamentos sofisticados e programas operacionais, sejam eles abertos ou fechados, americanos ou nacionais, exigem avaliação constante mais criteriosa. As pesquisas indicam que é necessário um trabalho mais intenso de conscientização social e política para a utilização das tecnologias digitais.

Estimulo à posse de equipamentos, investimento em quiosques eletrônicos, bibliotecas públicas com internet ou cibercafés não parecem evitar uma tendência natural de utilização dos recursos digitais no entretenimento ou mesmo em atividades criminosas. E ainda pior, eles podem até mesmo apresentar uma tendência a aumentar as distâncias sociais e econômicas.

Modernidade semântica

Como já era de se esperar, estudos comprovam que, assim como o inglês é mesmo a língua da internet, parece que ganhar prestígio social e dinheiro com o ciberespaço é ainda mais fácil para os homens com educação superior, de cor branca, de origem americana. Ou seja, nenhuma surpresa. Para os demais fica o potencial de mudança, mas não a garantia de sucesso. O mundo digital se assemelha muito ao mundo analógico.

Também é interessante notar como as promessas que estão sendo feitas pelos entusiastas das soluções digitais se assemelham às primeiras promessas da velha televisão. Uma janela para o mundo, acesso irrestrito e democrático à informação, além da disseminação universal da educação, também já foram promessas não cumpridas pela televisão. As pesquisas apresentadas durante o simpósio parecem confirmar o que todos nós temíamos. Meio pode não ser mensagem. Ter internet não necessariamente garante conteúdo, riqueza, educação e participação política. Muito pelo contrário. Várias pesquisas apontam que grande parte do público só consegue ver a internet como mais um instrumento de dominação, exclusão social e política.

Considerando a nossa experiência televisiva e no momento em que nos preparamos para investir, mais uma vez, tantos bilhões de dólares na disseminação da informática pelo FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação), é realmente lamentável notar a ausência de representantes de instituições brasileiras no Simpósio de Exclusão Digital. Numa constante fascinação quase doentia pelas novas tecnologias, parece que insistimos em cometer sempre os mesmos erros. Preferimos investir em computadores, que é sempre mais fácil e seguro do que investir em gente. Crescimento e acesso tecnológico, mais uma vez, se confunde com desenvolvimento.

Cada dia mais, os excluídos digitais se parecem muito como os excluídos sociais. Pura questão de modernidade semântica.

(*) Professor e pesquisador da Uerj