Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Renato Cruz

TV DIGITAL

“Padrão brasileiro de TV enfrenta oposição”, copyright O Estado de S.Paulo, 2/2/03

“A proposta do ministro das Comunicações, Miro Teixeira, de criar um padrão brasileiro de TV digital foi recebida com oposição por alguns representantes da indústria e de radiodifusores. Na semana passada, integrantes da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (Set) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) questionaram a viabilidade do sistema, durante evento em São Paulo.

?Como tática de negociar os outros padrões, a proposta de tecnologia nacional pode ser interessante?, afirmou Ricardo Vezo, diretor da Booz Allen Hamilton. ?O País poderia ganhar tempo e margem de negociação. Se não for uma tática de negociação, a proposta é no mínimo questionável.?

Os defensores e os opositores partem do mesmo ponto, o desenvolvimento de uma tecnologia nacional, para chegarem a conclusões diametralmente opostas.

No ano passado, o presidente da Gradiente, Eugênio Staub, foi um dos primeiros entre os grandes empresários brasileiros a declarar seu apoio ao então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o executivo, um padrão brasileiro seria mais eficiente, porque mais novo, mais adaptado à realidade brasileira e, portanto, resultaria em preços menores de aparelhos.

Os fabricantes estrangeiros, porém, consideram que o sistema brasileiro resultaria em escala reduzida de produção e em barreiras de entrada no mercado local, o que levaria a preços mais altos.

O que temem os fabricantes brasileiros, por outro lado, são vantagens competitivas das multinacionais. Muitas delas participaram do desenvolvimento dos padrões estrangeiros e, por isso, pagariam menos royalties. Outra preocupação seriam as linhas de produtos já disponíveis no exterior. Os fabricantes nacionais precisariam desenvolver novos produtos para competir com aparelhos presentes há mais tempo em outros mercados.

A digitalização trará imagem e som melhores, além de interatividade, à TV.

No entanto, sua velocidade de adoção, nos Estados Unidos e na Europa, está aquém do esperado. No Japão, a operação comercial deve iniciar somente no segundo semestre. Os preços dos aparelhos ainda são altos: os televisores mais baratos custam cerca de US$ 1 mil e os conversores, que permitem recepcionar os sinais digitais nos atuais aparelhos analógicos, ainda não saem por menos de US$ 150.

Os detentores dos padrões estrangeiros, por motivos óbvios, também ficaram descontentes com a proposta de criação do padrão brasileiro. Entre 1999 e 2000, o Brasil testou as tecnologias americana ATSC, européia DVB e japonesa ISDB. Desde então, cada um dos três grupos tem visitado autoridades brasileiras para tentar convencer o País a escolher sua tecnologia. A Abert, que tem na Rede Globo seu principal associado, apóia o padrão ISDB.

?Continuamos os estudos para negociar as contrapartidas?, afirmou o advogado Paulo Brancher, do escritório Carvalho de Freitas e Ferreira, contratado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em 2002, para auxiliar o País nas discussões para obter vantagens comerciais dos detentores dos padrões internacionais de TV digital. Segundo Brancher, não houve mudança nos trabalhos após a divulgação da proposta para um padrão nacional. Ele reconhece, entretanto, que o ritmo desacelerou desde as eleições presidenciais. ?Não existe prazo para finalizar o trabalho.?”

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“?País ficaria isolado do resto do mundo?”, copyright O Estado de S.Paulo, 2/2/03

“Para o professor Max Costa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a grande oportunidade de desenvolvimento tecnológico para o Brasil está no software para TV digital, e não na criação de um novo padrão. ?Tem até uma possibilidade que acho muito auspiciosa, que seria desenvolver isso com tecnologia aberta, baseada em Linux. Daí o País não poderia cobrar royalties, mas também não teria que pagar.? Segundo Costa, os aplicativos e o chamado middleware, que faz a interface entre outros programas e os recursos da máquina, são o mais dispendioso do sistema. O professor conversou com o Estado sobre as perspectivas para a TV digital.

Estado – Como o senhor avalia a proposta de se criar um padrão brasileiro?

Max Costa – Acho que não seria interessante ter um padrão que nos isolasse do resto do mundo. É muito importante que nosso sistema de comunicações seja compatível com o de algum mercado significativo. Temos hoje três padrões que estão sendo testados e operados. A opção não deve criar um novo isolamento e uma reserva de mercado. Nós já tivemos a experiência do sistema analógico PAL-M, na década de 60.

Estado – Como foi essa experiência?

Costa – O nosso padrão de cores é único no mundo. Em função disso, houve vários problemas que resultaram num custo maior. Nós não pudemos nos beneficiar da escala de outros mercados, não pudemos importar televisores e também ficamos limitados em nossa capacidade de exportar.

Estado – O Brasil está atrasado na definição do padrão?

Costa – Eu acho que não existe uma grande pressa para tomar esta decisão.

Temos um tempo relativamente grande para tomar uma decisão com muita cautela, e inclusive permitir que as tecnologias evoluam mais em seus países de origem.

Estado – A solução seria esperar?

Costa – Não sugiro ficar de braços cruzados, olhando o que vai acontecer.

Acho que o Brasil tem que tomar uma atitude proativa, de fazer testes e ter uma participação mais próxima no que está acontecendo em outros países. Se é verdade que o ISDB entrará em operação este ano, e pudermos esperar de um ano e meio ou dois anos, já teremos informação sobre como este sistema vai evoluir em operação. Porque a operação é muito diferente do laboratório e a diferença não é trivial. Tanto que o DVB teve problemas sérios, depois que estreou na Inglaterra e na Espanha. Houve problemas de interferência e eles tiveram que reduzir a potência. Com essa potência reduzida, a qualidade do sinal digital ficou pior que a do analógico.”

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“?Televisores seriam mais baratos?”, copyright O Estado de S.Paulo, 2/2/03

“O presidente da Gradiente, Eugênio Staub, nega que seja sua a idéia de criar um padrão brasileiro. ?A proposta é do ministro Miro Teixeira. Foi uma iniciativa dele que surpreendeu a todos os segmentos da TV?, explicou. ?Eu nem conheço o ministro. Eu o conheço de fotografia.? Ele reconhece, porém, que o Instituto Genius – entidade independente de pesquisa criada pela Gradiente – já trabalhava num estudo de viabilidade para o sistema. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

Estado – Por que um padrão brasileiro?

Eugênio Staub – Por que não? Existe um padrão europeu, um padrão americano, um padrão japonês, um padrão australiano e um padrão chinês, em desenvolvimento. E porque sim, se for um bom negócio para o País. Se for algo que economize divisas. Algo que torne o aparelho mais barato para o consumidor brasileiro, porque irá economizar royalties sobre a invenção dos outros. E algo que seja potencialmente mais avançado, porque será o mais recente. Os padrões anteriores – exceto o japonês, que está começando agora – são de quase uma década atrás.

Estado – Não existe o risco de se levar uma década para criar uma tecnologia nacional?

Staub – Não. Os padrões existentes não levaram uma década para serem feitos, mas uma década para serem implantados. E ainda sem o sucesso que se esperava, o que é outra questão.

Estado – Os televisores no padrão brasileiro seriam mais baratos?

Staub – Tudo isso estamos avaliando. Eles seriam potencialmente mais baratos porque não haveria o custo do know how estrangeiro.

Estado – O uso de tecnologias já existentes de modulação, de vídeo e de som no novo padrão não geraria pagamentos de royalties?

Staub – Continua existindo royalties nos segmentos onde há tecnologia disponível. Como ninguém vai inventar a roda, vamos usar tecnologias disponíveis e de domínio público. O sistema de áudio vem num padrão Dolby.

Mas sempre tem o Dolby e o concorrente do Dolby. Se o padrão for desenhado aqui, o País pode fazer a opção e, no momento do projeto, negociar melhor do que negociaria a posteriori. Vai pagar, mas vai pagar menos.

Estado – Seria caro desenvolver um padrão brasileiro?

Staub – Na tecnologia digital, o desenvolvimento de tudo é basicamente software. Haverá um custo muito pequeno, frente à relevância do tema, que seria essencialmente salários pagos, gerando empregos de qualidade a brasileiros.”