Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Repórteres como notícia

BIOTERRORISMO

Ao mandar um envelope contendo pó branco contaminado diretamente à mídia americana, os bioterroristas almejam espalhar o medo da forma mais veloz e eficaz possível, indo direto a quem dá as notícias. Os editores estão enfrentando um novo desafio. De acordo com David Shaw [The Los Angeles Times, 18/10/01], precisam selecionar informações muitas vezes contraditórias sobre o número crescente de ameaças por antraz. O grande problema começa quando a notícia invade a redação e o jornalista precisa noticiar com isenção o caso da contaminação de um colega, por exemplo. O redator ou o repórter, que antes era mero contador externo de casos cotidianos, passou a ser também vítima que protagoniza a reportagem.

A ameaça de antraz é agora "o artigo do dia", nas palavras de Wolf Blitzer, da CNN. A bactéria foi onipresente em todos os canais de TV a cabo noticiosos no dia 17 de outubro. Erik Sorenson, presidente da MSNBC, afirmou estar preocupado com o fato de as suítes para as reportagens sobre antraz estarem tirando do ar outras histórias importantes. "Será que estamos perdendo a linha na cobertura dos bombardeios no Afeganistão ou da política no mundo árabe?", pergunta.

ABC, CBS e NBC dedicaram mais da metade de seus noticiários de horário nobre aos casos de antraz nos dias 15 e 16 de outubro, de acordo com Andrew Tyndall, instituto que monitora e mede conteúdos noticiosos na TV. Em ambos os dias, houve 50% de tempo a mais que o dedicado às incursões americanas no território afegão.

Os jornais também exageraram. The New York Times, por exemplo, dedicou metade da primeira página a três reportagens sobre antraz e quatro páginas sem anúncios a nove artigos, em 17 de outubro. No mesmo dia, Los Angeles Times publicou dois artigos na primeira página e mais sete espalhados por cinco páginas.

"A mídia tem o megafone; então, creio que a cobertura tenha sido ligeiramente mais rápida e talvez um pouco mais alta", disse Tom Goldstein, reitor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Colúmbia.

Os casos de antraz na NBC e na ABC News levantaram questões cabeludas nas emissoras de Nova York. Além das preocupações humanas óbvias, há agora uma questão prática: onde fazer notícias se não se pode usar a redação? Em 12 de outubro, a NBC transferiu o NBC Nightly News, com Tom Brokaw, do subsolo do Rockefeller Center para o Studio 1A, onde fica o Today. A medida foi tomada após Erin O?Connor, assistente de Brokaw, ter sido contaminada pela forma cutânea de antraz depois de manusear uma carta dirigida ao âncora.

A situação foi esquisita, afirma Jason Gay [The New York Observer, 22/10/01]. Brokaw transmitia notícias sobre sua própria equipe de uma mesa normalmente ocupada pela apresentadora do Today, Ann Curry. Um porta-voz da NBC disse que o programa de Brokaw ficará no Studio 1A até a equipe poder voltar a seu estúdio.

Em 15 de outubro foi a vez da ABC News. Um porta-voz disse, respondendo a uma pergunta hipotética, que a emissora teria um antigo plano de ação montado para transferir operações de transmissão em casos de emergência. Horas mais tarde, o plano tornou-se realidade com a notícia de que uma criança de sete meses, filha de uma produtora da ABC News, contraiu a forma cutânea de antraz após passar algumas horas na redação.

Salas de edição e o estúdio do programa World News Tonight foram fechados imediatamente para análise. WNT passou a ser transmitido dos estúdios da ABC na Rua 66 Oeste. Estúdios da CNN, da CBS News e da Fox News Channel também têm um "plano B" caso as instalações precisem ser isoladas. Tanto a CBS News quanto a Fox News Channel receberam envelopes suspeitos, mas análises laboratoriais deram negativo para a bactéria letal.

Com um empregado morto e centenas deles preocupados com sua saúde, a companhia que publica os principais tablóides de supermercados americanos decidiu abandonar suas instalações em Boca Raton, Flórida, onde houve a primeira contaminação por antraz registrada desde o começo do conflito dos EUA contra terroristas.

"Muitos funcionários temem voltar ao edifício", afirma Marsha Horowitz, porta-voz da American Media. O prédio está fechado desde 7 de outubro, quando vestígios de antraz foram descobertos no teclado do computador de Bob Stevens, editor fotográfico que morreu contaminado pela bactéria no dia 5. Segundo Megan O?Matz e Kellie Patrick [Sun-Sentinel, 17/10/01], cerca de 300 empregados da AMI, quase metade do total da companhia, trabalhavam no edifício.

Com a onda de descobertas de antraz, já tachada oficialmente como bioterrorismo, repórteres, editores e executivos da AMI têm trabalhado em casa e em outros escritórios da empresa no sul da Flórida.

    
                         

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