“Gramática sem ódio”, copyright Correio da Cidadania <www.correiocidadania.com.br>, 4/4/00
“Napoleão Mendes de Almeida (há não muito falecido) foi talvez um dos gramáticos mais rabugentos que já tivemos no Brasil. Seus esclarecimentos e ensinamentos, por mais certeiros e justos que fossem (e eram), traziam em si um espírito de reprovação contínua. A palmatória, sempre pronta para funcionar, parecia ser sua companheira inseparável.
Graças ao movimento pendular da vida, coube à nova geração brasileira de estudantes conhecer um outro professor de português, simpático e bem-humorado, mas nem por isso menos exigente: Pasquale Cipro Neto, que recentemente lançou um livro recolhendo artigos seus sobre o nosso inculto e belo idioma.
Talvez o maior mérito de Pasquale seja reconhecer implicitamente como correta a famosa frase de Adoniran Barbosa: ‘Pra falar errado é preciso saber falar errado’. Pasquale tem sensibilidade para discernir o que é norma culta, por um lado, e o que é vitalidade lingüística, quando se trata, por exemplo, de analisar as letras de um Chico Buarque ou de um Lobão, e manifestações verbais do povão.
Claro, seu papel é separar o joio do trigo, mas não o faz de cara amarrada, xingando o joio.
Também não é do seu estilo valorizar demais a terminologia gramatical, embora nos ensine o que é o quê. A prática de professor em cursos, palestras, e depois na televisão e nas redações de jornais, lhe deu uma capacidade de falar bem sem falar empolado. Num dos capítulos desse pequeno livro, começa assim, ao falar da diferença entre xeque e cheque: ‘Eta duplinha danada!’ E em outros momentos utiliza expressões coloquiais como ‘cá entre nós’, ‘é aí que a roda pega’, ‘até aí, tudo bem’.
Além das letras da MPB, Pasquale está atento ao mundo do futebol, como um ‘lugar’ de acontecimentos lingüísticos a ser analisados. Um gramático que gosta de ouvir música popular brasileira e estar por dentro do futebol é de fato um gramático da hora… e nos liberta um pouco daquela dependência, hoje impensável, dos autores clássicos… menos ainda de Camões e Padre Antonio Vieira, embora ler esses dois gênios da língua não faça mal a ninguém.
Pasquale é fundamentalmente um profissional sensato, que reconhece não caber ‘a um gramático castrar hábitos lingüísticos diferentes dos que prega a norma’, mas ‘ressaltar que, em certos casos, o conhecimento e o emprego da norma culta são desejáveis e imprescindíveis’.
É isso. [Inculta & bela, Publifolha, 1999, 149 páginas]”
Por que os dicionários brasileiros são tão ruins? – Claudio Weber Abramo
Rendição à ignorância – Rogério Reis