Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Resposta à Comissão de Ética da Fenaj

MÍDIA GAÚCHA

Jair Krischke (*)

Como presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, fui censurado, pelos integrantes da Comissão de Ética e Liberdade de Expressão da Fenaj, por levantar, segundo eles, acusações "levianas e infundadas", em resposta que publicaram neste periódico, à nossa Carta Aberta. As posições que causaram tão veemente contrariedade nestes senhores dizem respeito a um dos motivos pelos quais afastamos o Sindicato dos Jornalistas do RS da promoção do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo.

Somente o motivo em questão seria suficiente para que tivéssemos decidido, em deliberação do conselho da entidade que presido, pelo afastamento da representação sindical dos jornalistas gaúchos do prêmio que promovemos, há 19 anos, juntamente com a OAB/RS e a ARFOC/RS, que também respaldam a nossa decisão. É também em nome do Conselho que reafirmo a posição da entidade, publicada pelo Observatório da Imprensa, em sua edição de 17 de julho.

Em nenhum momento da sua história de mais de 30 anos o Movimento fez acusações "levianas e infundadas" contra ninguém. A respeitabilidade que conquistamos é fruto da nossa defesa de pessoas perseguidas por ditaduras e de seus familiares, de vítimas da violência do Estado, de nosso compromisso com os direitos humanos, em qualquer lugar e em qualquer tempo. Jamais tivemos alinhamento com partidos políticos ou governos e sempre estivemos ao lado de democratas e humanistas. Para nós, vale o que está escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos demais textos da civilização que colocam a liberdade e a dignidade da pessoa humana acima de governos, partidos e interesses de quaisquer natureza.

Em nossa trajetória, estivemos juntos com jornalistas, trabalhadores, advogados, professores, profissionais de diferentes áreas, políticos liberais, de esquerda e mesmo conservadores, clérigos, funcionários públicos e estudantes. Enfim, gente digna que, em épocas distintas, sempre atuou e colaborou conosco na defesa da dignidade humana.

Lutamos, hoje, pelo que lutamos sempre. É claro que podemos ser criticados e, sempre que o somos, procuramos avaliar o peso da crítica e dela extrair lições, quando é fundamentada e não contém malícia ou preconceito. Nossos oponentes são governantes autoritários, partidos não-democráticos, racistas, fanáticos, corruptos, mentirosos, submissos e covardes, de qualquer governo ou entidade de atuação pública. Para quem quiser, nossos arquivos estão abertos para comprovar. Sabemos reconhecer, também, os acertos de muitos, de governos inclusive, quando suas ações fazem por merecer. Dão prova disso as homenagens que, ao longo destes anos, fizemos a pessoas e entidades que dignificaram os princípios da liberdade, da justiça e da solidariedade.

Em nome destes princípios é que nos afastamos da diretoria atual do Sindicato dos Jornalistas e repudiamos a posição da Comissão de Ética da Fenaj, que tentou reverter as punições recebidas por membros do governo Olívio Dutra, na Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas gaúchos. A decisão da Comissão de Ética da Fenaj não condiz com nada que a civilização construiu. Não foi necessário que Luis Milman, nosso conselheiro e ativista há mais de 20 anos, tivesse que apontar as violações evidentes à Lei e ao Código de Ética dos Jornalistas. Refiro-me a um julgamento secreto, ao desrespeito ao devido processo legal, à usurpação de competência de uma instância sindical autônoma, ao direito ao contraditório, à proteção a membros de um governo, a mentiras, à agressão aos direitos humanos elementares de opinião e livre atuação profissional. Não se trata de pouca coisa, ainda mais quando se vê que os violadores são jornalistas que deveriam lutar, por sua condição de membros de uma comissão de ética, contra tudo isto. Não basta dizerem que são democratas e respeitam direitos, quando suas ações demonstram, com muita clareza, o contrário.

Jamais nos calamos diante de tão evidentes agressões. Como pensar que calaríamos agora? Por que faríamos isto? Por que silenciaríamos quando um sindicato de jornalistas apóia uma sentença de primeiro grau contra jornalistas que criticaram ações de governo? Por que se trata do jornalista A ou B, que trabalha na empresa C ou D? Jamais fizemos discriminação ideológica, política ou de qualquer natureza. A Justiça brasileira há de revogar esta condenação. Por que não podemos repudiá-la? Por que nos omitiríamos? Estaríamos traindo nossa história e nossas convicções se o fizéssemos.

Ora, ver interesses eleitoreiros em nossas atitudes é um absurdo. A diretoria do sindicato gaúcho e a Comissão de Ética da Fenaj não são partidos políticos. Nós também não somos. O problema é que eles se tornaram extensões de um partido e, pior, de um governo, do Rio Grande no caso. E condicionam toda a discussão e a crítica que fazemos a uma interpretação partidária e governista. Não estamos insinuando isto. Estamos afirmando e basta ler o que escrevem e o que nós escrevemos para julgar. Seu recente protesto, para variar, é deste mesmo tipo. A carta da diretoria do sindicato nada responde sobre a sua postura submissa. Só insinua sobre interesses disso, interesses daquilo. Insinua, mas não afirma, o que é uma atitude baixa, convenhamos. E esta carta da Comissão de Ética da Fenaj é uma confissão da verdade de tudo o que dissemos e dizemos destes senhores.

Há quase quatro anos somos críticos do governo Olívio Dutra. Fizemos denúncias graves contra esta administração e não nos afastamos um milímetro de nossas posições. Apoiamos a CPI da Segurança Pública, assim como havíamos apoiado várias outras anteriormente. Sempre ajudamos o Parlamento a investigar atos de governos que atentam contra a probidade da administração pública e que ferem a dignidade de cidadãos.

Fundamos a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, a primeira do Brasil, quando a ditadura militar ainda infelicitava a vida dos brasileiros, censurava jornais, perseguia jornalistas, torturava, seqüestrava e matava pessoas. Apoiamos promotores de justiça, juízes e advogados quando se vivia sob o AI-5 e a Lei de Segurança Nacional. Estivemos em presídios políticos no Uruguai, no Chile, na Argentina, no Paraguai, lutando pela vida de presos de consciência; estivemos em fronteiras auxiliando perseguidos políticos a escaparem da prisão e da morte. Estivemos na ONU para obter refúgio para famílias inteiras. Estivemos nos presídios comuns, de homens, mulheres e adolescentes, lutando pela dignidade em cárceres fétidos e promíscuos. Estivemos nas praças de Montevidéu, Buenos Aires, Assunção, Santiago, Porto Alegre, São Paulo, Brasília, rodeados por soldados e carros blindados, apoiando atos públicos pela democracia.

Defendíamos então interesses eleitoreiros? Não. Defendíamos o mesmo que defendemos agora. Os jornalistas do Rio Grande e do Brasil sabem, mais do que ninguém, o que nos motiva, porque acompanham diariamente a nossa atuação. Eles sabem que não defendemos interesses, mas que lutamos por uma sociedade mais justa e por governos que respeitem minimamente a condição humana e a condução da coisa pública. Não estamos próximos disto, nem no Rio Grande, nem no país. Foi em consideração ao trabalho dos jornalistas dignos que repudiamos o comportamento da Comissão de Ética da Fenaj e da diretoria do Sindicato dos Jornalistas do RS.

Nosso passado não está sendo desqualificado por nosso presente. Sempre fomos afeitos ao combate por nossas causas, que são as mesmas, ainda que isto desagrade a alguns que, em outras épocas, diziam nos apoiar. Abandonaram o barco, mas não estamos à deriva. Continuamos no mesmo rumo.

(*) Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos