Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Retrato em branco e preto

MONITOR DA IMPRENSA

REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS

X Conferência Iberoamericana – Panamá – 17 e 18 de Novembro de 2000 (Comunicado à imprensa)

Em 3 dos 21 Estados que participam na X Conferência Iberoamericana, a liberdade de imprensa tem sido regularmente violada durante os últimos doze meses: Colômbia, Cuba e Peru. Neste último país, no entanto, a hora é de mudanças. Em outros seis países, Chile, Espanha, Guatemala, México, Panamá e Paraguai, essa liberdade tem enfrentado sérias ameaças: violência terrorista, legislações liberticidas, repressão política. Desde a Conferência de Havana, em Novembro de 1999, o balanço é eloqüente: cinco jornalistas foram mortos, oito detidos, quarenta e dois interrogados, vinte e sete exilados, cento e vinte e seis agredidos ou ameaçados e cento e quarenta casos de pressões ou entraves à circulação da informação foram apurados por Repórteres sem Fronteiras (RSF). Se, nesses dez países, os ataques contra a liberdade de imprensa nem sempre têm a mesma gravidade, esses Estados têm em comum o fato de não respeitarem ou fazerem com que se respeite o seu ‘compromisso de respeitar os direitos humanos e liberdades fundamentais’, proclamado a cada ano na declaração final da Conferência.

Colômbia : a informação vira refém

Atualmente, a ameaça contra a imprensa já não vem tanto dos traficantes de drogas quanto dos grupos armados, quer se trate de Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC – Paramilitares) ou grupos de guerrilha, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) ou, ainda, do Exército de Libertação Nacional (ELN). Para eles, os jornalistas não são testemunhas neutras do conflito: suspeitos de apoiarem ‘o campo adversário’, tornaram-se ‘objetivos militares’. Esses grupos seriam os responsáveis pelas mortes de Luis Alberto Rincón, Alberto Sánchez Tovar e Pablo Emilio Medina, assassinados entre 28 de Novembro e 3 de Dezembro de 1999.

Para obrigarem os jornalistas à autocensura, esses grupos armados não recorrem unicamente ao assassinato. No dia 25 de Maio de 2000, Jineth Bedoya, do diário El Espectador, foi seqüestrado pelas AUC, depois de ter posto em causa o papel de vários dos seus membros no assassinato de detentos de uma prisão de Bogotá. Amordaçado e amarrado, depois drogado e espancado, o jornalista foi deixado inconsciente dez horas mais tarde, a cerca de cem quilômetros de Bogotá. Segundo os seus seqüestradores, tratava-se de ‘dar uma boa lição’ aos jornalistas que criticam as suas operações. Trinta e oito jornalistas foram seqüestrados desde 1998, as mais das vezes pela guerrilha que, desse modo, deseja obrigar as suas redações a difundirem comunicados de imprensa ou a denunciarem exações cometidas pelo exército e pelos paramilitares.

Ameaças e agressões também são freqüentes: segundo uma investigação da Universidade de la Sabana, publicada em Fevereiro de 2000, 42,5 % dos jornalistas interrogados afirmam terem sido ameaçados durante a sua carreira. E a situação continua a deteriorar-se: oito deles optaram pelo caminho do exílio durante os últimos doze meses. Dentre eles, Francisco Santos, o célebre chefe de redação do diário El Tiempo, deixou Bogotá dia 11 de Março de 2000, após ter sido informado de que existia um plano das FARC para assassiná-lo. Estas estariam exasperadas pelo compromisso do jornalista contra os seqüestros na Colômbia (avaliados em cerca de 3000 em 1999).

Cuba: o único Estado em que jornalistas estão na prisão

Atualmente, três jornalistas estão na prisão em Cuba: Bernardo Arévalo Padrón, fundador da agência de imprensa independente Línea Sur Press, condenado a seis anos de detenção em Novembro de 1997 por ‘ultraje’ ao chefe de Estado; Manuel Antonio González Castellanos, membro da agência de imprensa independente Cuba Press, preso em 1° de Outubro de 1998 e condenado a dois anos e sete meses de prisão por ‘ultraje’ ao presidente Fidel Castro; Jesús Joel Díaz Hernández, membro da Cooperativa Ávileña de Periodistas Independientes, condenado a quatro anos de prisão em Janeiro de 1999, já que a sua atividade jornalística foi considerada ‘socialmente perigosa’.

Em Cuba, cuja Constituição estabelece que a liberdade de imprensa deve estar ‘em conformidade com os objetivos da sociedade socialista’, só é permitida a imprensa oficial. Esse controle também respeita à Internet, cujo acesso é reservado a alguns privilegiados após severa triagem. Nesse contexto, os jornalistas independentes – cerca de uma centena, reagrupados numa vintena de agências de imprensa não reconhecidas pelo Estado – continuam a sofrer pressões que têm por objetivo obrigá-los a abandonarem as suas atividades. Desde a última Conferência, vinte e seis sofreram ameaças de perseguição por via judicial, seis foram agredidos ou ameaçados de agressão, trinta e sete interpelações foram constatadas, isso sem contar as pressões que também sofrem os membros das suas famílias (expulsão de domicílio, ameaça de despedimento, importunações por telefone, etc). Desde o mês de Julho, Luis Alberto Rivera Leyva, diretor da agência APLO, foi ameaçado, interrogado ou posto em prisão domiciliar por oito vezes. Exasperados, dezenove jornalistas tomaram o caminho do exílio desde 1° de Janeiro de 2000, fazendo com que chegue a quarenta o número de jornalistas obrigados a fugir de Cuba desde 1995. No plano legal, se a lei 88, adotada em Março de 1999, não tem sido utilizada, continua a ameaçar qualquer pessoa que ‘venha a colaborar (_) com mass media estrangeiros’ ou ‘fornecer informações’ que possam, de alguma maneira, servir a política americana. Esse texto prevê até a vinte anos de prisão para os infratores.

Apesar da repressão, as fileiras de jornalistas independentes aumentam: pouco numerosos no início dos anos 90, hoje chegam a mais de uma centena, graças à multiplicação dos sites Internet, que divulgam os seus artigos no estrangeiro e ao reconhecimento de que foram objeto durante a Conferência Ibero-americana de Havana.

Peru: mudanças por confirmar.

No Peru, o afastamento de Vladimiro Montesinos, chefe do Servicio de Inteligencia Nacional (serviços de informações – SIN) abriu caminho para mudanças. As negociações iniciadas entre o governo e a oposição, sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA), já tornaram possíveis avanços significativos: a reforma do sistema judiciário, o desmantelamento dos serviços de informações e a restituição da nacionalidade ao acionista majoritário do canal de televisão Frecuencia Latina. Os RSF consideram tais decisões ‘um primeiro passo na direção certa’, mas a nossa organização permanecerá atenta à sua tradução em fatos concretos.

No dia 3 de Novembro, o Congresso peruano aprovou a supressão das Comissões executivas do poder judiciário, que permitiam ao poder político intervir no funcionamento da engrenagem judiciária através de um sistema de ‘juízes provisórios’. Nestes últimos anos, a justiça tinha-se tornado um instrumento de controlo da informação ou de sanções contra os mass media ‘incômodos’. Mas nem por isso foi posto em questão o mandato dos juízes provisórios, que representam 70 % da totalidade dos juízes, embora pairem dúvidas sobre a independência de vários deles. Em Maio de 1999, dois juízes que tinham acabado de tomar uma decisão favorável a sete jornalistas, famosos pelas suas investigações sobre o SIN, foram imediatamente substituídos por dois juízes provisórios, que logo cancelaram a decisão dos seus antecessores.

O Congresso também votou, no final de Setembro, o desmantelamento do SIN. Dirigido durante dez anos por Vladimiro Montesinos, esse serviço encontra-se envolvido em numerosos casos relativos a redações e jornalistas que ousaram criticar o governo, o exército ou o SIN: escutas telefônicas, ameaças de morte ou de perseguições por via judicial, agressões, campanhas de difamação na imprensa popular, etc. Dentre eles, Cecilia Valenzuela, diretora da agência on line imediaperu.com, foi agredida e seguida durante vários dias no início de Setembro, após ter publicado uma série de artigos que punham em causa o papel do SIN num caso de tráfico de armas e drogas. O serviço de informações militares (Servicio de Inteligencia del Ejército – SIE), igualmente posto em causa em várias exações, não foi desmantelado. Os RSF deploram o fato de que não se tenha feito investigação alguma no sentido de apurar as responsabilidades do SIN e do SIE nas agressões de que a imprensa foi vítima.

Por fim, no dia 8 de Novembro de 2000, foi cancelado o decreto que retirava a nacionalidade de Baruch Ivcher, homem de negócios de origem israelita, acionista majoritário do canal de televisão Frecuencia Latina. Esse decreto tinha sido assinado em Julho de 1997, no dia seguinte ao da difusão, pela Frecuencia Latina, de uma reportagem que punha em causa o papel do SIN num caso de escuta telefônica. Ao mesmo tempo, Baruch Ivcher tinha perdido o controlo de Frecuencia Latina, em virtude da legislação peruana, a qual proíbe que um estrangeiro detenha um meio de comunicação social. Por enquanto, Baruch Ivcher ainda não voltou ao comando do seu canal de televisão. Entretanto, neste caso, como no de Genaro Delgado Parker, diretor do canal de televisão Red Global, de quem se retirou o controlo do canal após ter afirmado que a chantagem com a publicidade permitia ao governo ditar o conteúdo dos jornais televisivos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já tinha reclamado a devolução dos canais aos dois homens.

Chile, Panamá e Paraguai : a imprensa frente ao Estado

No Panamá, país anfitrião da Conferência, no Chile e no Paraguai, é o próprio Estado que continua a ameaçar a imprensa. Nos dois primeiros países, textos herdados da ditadura continuam a prever penas de prisão para os delitos de imprensa. No terceiro, a imprensa suporta o fardo da instabilidade política.

No Panamá, Carlos Singares, diretor do diário panamenho El Siglo, foi detido durante oito dias, no final do mês de Julho, por ordem do Procurador Geral da Nação, que considerou que um artigo publicado pelo jornal ‘ofendia a [sua] dignidade, a [sua] honra e o [seu] estatuto’. No Panamá, o artigo 33 da Constituição, os artigos 173A, 175, 307 e 308 do Código Penal e os artigos 202 e 386 do Código Judicial ainda prevêem penas de prisão para casos de imprensa. Cerca de quarenta jornalistas são perseguidos atualmente. A prisão de Carlos Singares abala a esperança nascida, ao final de Novembro de 1999, com a ab-rogação das leis 11 e 68, chamadas ‘leis-mordaças’, que previam fechamento dos jornais e penas de altas multas.

No Chile, a lei de segurança de Estado ainda faz estragos : desde 1990, dezessete jornalistas foram presos e acusados em virtude desse texto. Um deles ainda está no exílio. Adotada em 1958, essa lei prevê penas de até a cinco anos de prisão por ‘injúria ou calúnia’ contra altos dignitários do Estado. No dia 15 de Fevereiro de 2000, José Ale foi condenado a ser posto ‘sob controlo judiciário’ durante dezoito meses por ter ‘injuriado’ Servando Jordan, antigo presidente da Corte Suprema, antes de ser agraciado por Ricardo Lagos, no dia 6 de Julho.

No Paraguai, as tensões políticas põem em questão a liberdade de imprensa. No dia seguinte ao de uma tentativa de golpe de Estado, ocorrida em 18 de Maio de 2000, foi decretado o estado de urgência por quinze dias, durante os quais três jornalistas foram detidos, um quarto ameaçado de prisão e duas rádios fechadas. Três meses depois, quando da eleição do vice-presidente, as redações das emissoras Ñanduti e Radio Primero de Marzo receberam ameaças ou foram objeto de agressão pela cobertura das eleições que tinham feito.

Espanha, Guatemala e México: a imprensa vítima de violência.

Em Espanha, a situação da liberdade de imprensa deteriorou-se sensivelmente em virtude do problema basco. O assassinato, em 7 de Maio de 2000, de José Luis López de Lacalle, cronista e membro do conselho de redação da edição regional do diário El Mundo no País Basco, ocorreu após um longo período de ameaças, advertências, publicações de listas negras e inscreve-se numa série de atentados contra meios de comunicação social e jornalistas. Estes têm sido freqüentemente atribuídos ao grupo independentista Euskadi ta Askatasuna (ETA) que, num comunicado publicado em Fevereiro de 1999, chamava de ‘cães inimigos’ os jornalistas que informam ou se pronunciam contra ‘a construção da Euskal Herria (a terra basca)’. Hoje, a violência continua: quatro redações de jornais foram alvo de atentados desde o mês de Maio e dois jornalistas escaparam a novas tentativas de assassinato. Uma centena de jornalistas conta atualmente com proteção oficial ou privada. Para denunciar tal situação, os RSF entregaram este ano o prêmio da sua associação a Carmen Gurruchaga, do diário El Mundo, várias vezes vítima da violência terrorista.

Na Guatemala, multiplicam-se os atos de intimidação e ameaças contra defensores dos direitos humanos e jornalistas desde que a Frente Republicana Guatemalteca (FRG) retomou o poder, no final de 99. Pelo menos seis jornalistas foram ameaçados quando faziam investigações sobre militares. Para além disso, no dia 27 de Abril, Roberto Martínez, fotógrafo do diário Prensa Libre, foi morto quando fazia a cobertura de motins na Cidade da Guatemala. O jornalista foi mortalmente ferido por tiros do vigia de um centro comercial que manifestantes estavam a pilhar.

No México, a violência e as pressões são principalmente políticas. Cinco jornalistas foram ameaçados ou agredidos. Dentre eles, Jaime Avilés, colaborador do diário La Jornada, recebeu, dia 21 de Outubro, mensagem de ameaça por correio electrônico, após ter posto em causa o governador do Estado de Tabasco, Roberto Madrazo, numa questão relativa a corrupção. Além disso, dois jornalistas foram mortos nos Estados que têm fronteiras com os Estados Unidos, zona tradicional de tráfico de todos os tipos. Não se sabe se esses crimes têm ligação com as suas atividades jornalísticas.

Recomendações

RSF pede aos governos da Colômbia e Espanha que dêem continuidade aos seus esforços no sentido de identificarem os autores dos assassinatos de profissionais da informação e garantirem a segurança dos jornalistas.

RSF pede às autoridades cubanas a liberação imediata dos três jornalistas atualmente detidos, o reconhecimento da liberdade irrestrita de imprensa, o reconhecimento das agências de imprensa independentes e o fim das importunações e tentativas de intimidação contra os jornalistas independentes. A nossa organização pede também às autoridades cubanas que ratifiquem o Pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos (PIDCP).

RSF pede às autoridades peruanas que façam investigações no sentido de apurar a responsabilidade do SIN e do SIE nas pressões de que foram vítimas vários jornalistas e meios de comunicação social nestes últimos anos. A nossa organização pede também que se restitua a Baruch Ivcher e Genaro Delgado Parker o controlo dos seus respectivos canais de televisão, de acordo com as resoluções da CIDH.

RSF pede às autoridades panamenhas e chilenas a supressão das penas de prisão para delitos de imprensa, bem como para delitos de ‘injúria’ ou ‘ultraje à honra’. A nossa organização lembra-lhes que, num documento em data de 18 de Janeiro de 2000, o relator especial das Nações Unidas sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão, afirma que ‘a prisão enquanto condenação da expressão pacífica de uma opinião constitui uma violação grave aos direitos humanos’. Além disso, na sua Declaração de princípios sobre a liberdade de expressão, adotada em Outubro de 2000, a CIDH considera que as leis sobre o ‘ultraje aos funcionários’ constituem ‘infração à liberdade de imprensa’.

RSF pede aos governos da Guatemala, México e Paraguai que procedam a investigações sobre casos de agressão ou ameaças a jornalistas e tomem medidas que garantam a segurança destes últimos. Pedem também às autoridades do Paraguai que respeitem a liberdade de imprensa em todas e quaisquer circunstâncias.

Para informações complementares, entre em contato com RSF, pelo telefone (00 33 1) 44 83 84 84 o consulte o sitio Internet de RSF: www.rsf.fr

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