Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Revista Imprensa

ENTREVISTA / PAULO HENRIQUE AMORIN

"Entrevista", copyright Revista Imprensa, 5/02

"Paulo Henrique Amorim não admite, mas é um garoto anarquista. Foi pioneiro em quase todos os projetos em que esteve à frente: primeiro correspondente da Veja em Nova York; abriu o escritório da Globo, na Big Apple; iniciou as coberturas em tempo real para webTV, no antigo Zaz, e comanda a televisão na internet com maior audiência no país, a UOL News, além do Conversa Afiada programa de jornalismo econômico na TV Cultura, de São Paulo.

Sua primeira cobertura foi do levante gaúcho, em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou e o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, mobilizou soldados e jornalistas para garantir a posse do vice, João Goulart. Amorim, da redação do jornal A Noite, por telefone, entrevistava um diretor-comercial que coincidentemente estava ilhado no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho.

Amorim pode se confessar, confortavelmente, como parte do cenário jornalístico brasileiro, embora tenha passado boa parte de sua carreira como correspondente internacional nos Estados Unidos. E foi na América onde construiu toda noção de jornalismo em que acredita: informação, sim. Opinião, jamais. Embora seja categórico, ?há muita opinião no jornalismo brasileiro?, Amorim não hesitou em destilar as suas – muitas vezes um tanto quanto ácidas – nesta entrevista que concedeu a Sinval de Itacarambi Leão, Pedro Paulo Venceslau e Rodrigo Manzano, entre um boletim e outro, ao vivo, que transmitia pelo UOL, em dia de queda de dólar, baixa do petróleo e de um desafio: ?Dê-me dinheiro, Caco Barcellos e o horário das oito que bato o Jornal Nacional?.

IMPRENSA – Você já trabalhou na Globo, hoje trabalha na TV Cultura e no UOL. Qual a diferença de trabalhar em uma empresa comercial e em uma pública?

Paulo Henrique Amorim – Até hoje, só recebi um pedido do Palácio dos Bandeirantes para fazer uma reportagem. O Osvaldinho, assessor de imprensa do Covas, pediu que fizesse uma matéria sobre a guerra de incentivos fiscais entre São Paulo e Paraná. Eu deveria entrevistar o secretário da Fazenda, o Dall?Acqua. Liguei para o secretário, dizendo que gostaria de ouvi-lo sobre esse assunto, mas depois recebi a resposta do assessor dele: ?Não está na hora de falar com a imprensa? (risos). Na Globo, do ponto de vista político, eu não tinha liberdade nenhuma! Tinha a autonomia de vôo de uma barata. Era editor de economia da Globo mas não podia dizer o nome do Ministro da Fazenda, o Maílson da Nóbrega, porque o doutor Roberto tinha uma divergência, digamos, filosófica com ele.

IMPRENSA – Quais são as diferenças em ser correspondente internacional na sua época e hoje, em função do crescimento das agências?

Amorim – É uma grande tragédia para o jornalismo, para os jornalistas e para o público. É indispensável que exista um brasileiro, onde quer que seja para transmitir as informações sob a perspectiva do brasileiro, com a linguagem e o sotaque do brasileiro. E quanto mais você fala sobre os assuntos internacionais, mais forma, no público, opinião sobre aquele assunto. Vai dando os ingredientes básicos para que as pessoas possam entender aquele problema. Do ponto de vista do telespectador, ainda, a cobertura internacional disprovincianiza e mostra que o Brasil não é uma ilha. E do ponto de vista do jornalista, o escritório no exterior é um insubstituível campo de treinamento.

IMPRENSA – Isso aconteceu com você?

Amorim – Aconteceu comigo, em 68, quando fui ser correspondente da Veja em Nova York. Mudou a minha vida, minha maneira de ver o mundo, de ver a profissão. Isso foi, para um cara de 25 anos, uma experiência que marcou, uma pós-graduação em jornalismo muito importante. A experiência no exterior é uma maneira de amadurecer o repórter, testá-lo em cobertura de guerra, de eventos complexos. Um problema de densidade coloca a prova tudo o que o jornalista deve ter: a isenção, a perspicácia, a coragem – física muitas vezes. Como repórter da Globo em Nova York, vou levar coberturas inesquecíveis. Naquele momento, a Globo tinha muito dinheiro, ainda era um período iniciado pelo Armando Nogueira em que a cobertura internacional era uma forma de compensar algumas deficiências na cobertura doméstica, e era feita com todos os recursos que a gente precisava. É uma lástima que a imprensa brasileira não tenha hoje o dinheiro e o apetite para fazer este tipo de cobertura.

IMPRENSA – É só falta de dinheiro ou as emissoras pensam que as agências internacionais já estão cobrindo e dando conta do recado?

Amorim – É uma combinação de falta de dinheiro com falta de percepção. Quantos repórteres brasileiros conhecem a política da Argentina? Quantos são capazes de escrever trinta linhas sobre as divergências dentro do peronismo que está no poder? Quantos são capazes de escrever qual é a posição do Brasil em relação a ALCA? Quantos podem escrever sobre o Oriente Médio?

IMPRENSA – Quais são os três melhores telejornais que você conhece, no exterior?

Amorim – Fui criado na escola do Boni. Dizia-se que as matérias tinham que ser feitas com o relógio do Boni, em que um minuto tem trinta segundos. Gosto de um programa na televisão americana, o Nightline, feito pelo Ted Koppel, cuja fórmula é mostrar, no primeiro bloco, uma reportagem de atualização do assunto principal do dia e depois, dois blocos de debate, com uma pessoa adotando uma posição a favor e outra contra. Koppel diz que quando um telespectador desconfia que ele tomou uma posição, a batalha foi perdida.

IMPRENSA – Esse formato do Jornal Nacional é imbatível?

Amorim – Me dê dinheiro e me dê as oito horas da noite e nós vamos conversar daqui a cinco anos.

IMPRENSA – Você bateria o Jornal Nacional?

Amorim – Eu faria o concorrente do Jornal Nacional. Dê-me dinheiro, o Caco Barcellos e o horário das oito.

IMPRENSA – Quais são as diferenças do jornalismo impresso onde você atuou e o que você lê, hoje?

Amorim – A imprensa escrita brasileira é pouco analítica e profunda em relação aos assuntos do dia. Como leitor, acho que os jornais têm que se aprofundar, ser mais analíticos. Quando digo analíticos, estou dizendo tudo, menos opinião. Em vez de se dar tanta opinião, deveria haver mais correlação entre os fatos para que o leitor pudesse juntar as bolas e fazer uma ligação entre um assunto e outro. Nunca me esqueço de uma história que o Élio Gaspari conta. Se chegasse um telex na redação da Veja dizendo ?subiu um foguete da Base de Alcântara? e se, meia hora depois, chegasse um outro telex, ?caiu um foguete no centro de Recife, na rua da União?, havia uma pessoa na redação que pedia ao Mino espaço para duas matérias: uma sobre o foguete que subiu e outra sobre o que caiu. Precisamos de uma imprensa que junte o foguete que subiu e o foguete que caiu.

IMPRENSA – A internet é o futuro ou já é o presente?

Amorim – Já é o presente. O UOLNews tem dois anos, é uma experiência muito bem sucedida, nós somos um dos espaços mais freqüentados do portal UOL. Estamos fazendo algumas coisas que são efetivamente pioneiras. Temos câmeras na rua, repórteres, temos uma mini-estação de televisão que tem oferecido coberturas bastante bem feitas.

IMPRENSA – Foi o primeiro a entrevistar um sobrevivente brasileiro do atentado de 11 de setembro, não foi?

Amorim – Foi sim. Fizemos coisas muito importantes e estamos aprendendo a utilizar a tecnologia, a sintaxe, a linguagem da comunicação via internet, que pressupõe a interatividade. Estamos montando uma grade de programação, com várias atrações, vários shows, e um deles, uma das nossas principais atrações no capítulo dos shows, é o Monkey News, com meu amigo José Simão, sem nenhuma dúvida, o melhor analista político do Brasil.

IMPRENSA – Vocês fizeram uma paródia da Casa dos Artistas, não?

Amorim – Fizemos uma paródia da Casa e fazemos o Monkey News em que o Simão reescreve as manchetes do jornais. Ele tem essa vocação para refazer o que os jornais dizem.

IMPRENSA – Assistir a um tele-jornal pela web depende, antes de tudo, de uma banda larga realmente funcional. Vocês têm um número de espectadores fiéis, ou somente a impressão de que fazem um jornal para meia dúzia, em relação às enormes audiências da televisão convencional?

Amorim – Só é possível comparar o trabalho de televisão na internet com o trabalho de TV propriamente dita quando houver um casamento entre uma empresa de internet e uma empresa de televisão, como nos Estados Unidos, onde a Microsoft a NBC se associaram e a América Online comprou a CNN.

IMPRENSA – E por que a Globo.com não se resolve, então?

Amorim – A Globo tem que resolver é se ela vai ser provedora de acesso, ou não. Ela está dizendo que no momento em que resolver o problema da banda larga, acaba sendo provedora também. Ainda bem que ela chega no mercado quando ele já é consolidado, bem sucedido e o UOL é um desses exemplos. E a Globo vai ter que correr atrás, que suar.

IMPRENSA – A digitalização da TV americana, que até 2006 deve atingir mais da metade dos domicílios, vai diminuir o poder das grandes redes em função da internet?

Amorim – A digitalização vai servir para você fazer um arquivo de vídeo, para trabalhar on demand. As pessoas não vão querer interferir muito no que elas estarão vendo naquele momento, porque o telespectador é, por definição, passivo. Ele está ali para se entreter, não quer ter trabalho. Quem quer trabalho é quem vai para frente do micro. Eu quero sentar no sofá, encostar e deixar rolar. Essa idéia de intervir, trocar de posição, não se transporta para a TV. Eu posso estar completamente errado. E se estiver, saberemos disso com a queda das ações da Microsoft.

IMPRENSA – Como os jornalistas enfrentaram a baixa das empresas da nova economia, com a crise da Nasdaq?

Amorim – Os jornalistas enfrentaram cortes terríveis. Muita gente fechou. Os menores foram absorvidos. Mas é bom prestar atenção ao seguinte: o negócio da internet e da banda larga é bem sucedido, crescente e de grande potencial. O que estourou foi a bolha da operação financeira que sustentava uma expansão irrealista da internet. Então, resolvido os problemas das dívidas – que muitos não conseguem -, você vai ver um negócio crescendo a passos significativos. Inclusive no Brasil.

IMPRENSA – E nem existia tecnologia de banda larga no Brasil…

Amorim – Foi um ato de calculada e bem-sucedida irresponsabilidade.

IMPRENSA – O que a internet trouxe como aprendizado para você?

Amorim – Em primeiro lugar, me ajudou a conviver com a aceleração e proliferação dos meus cabelos brancos. Ainda não tenho condições de conversar com as pessoas que trabalham aqui no UOL News sobre um bom número de assuntos. Não sei do que estão tratando, mas tenho idade para ser pai de todos e estou conseguindo conviver com eles. Isso me dá um rejuvenescimento profissional estimulante. A internet é o seguinte: pegamos um avião, estamos em pleno ar, e não sabemos se tem aeroporto para pousar. Enquanto estamos no ar, estão construindo um aeroporto. Para quem gosta de perigo, esta é uma experiência fascinante.

IMPRENSA – A sua estética em jornalismo se alterou, com a web?

Amorim – A internet é meio anárquica. Outro dia eu fui entrevistar o presidente da WPP, que é uma das maiores agências de publicidade do mundo. Ele me perguntou: ?o que você faz??. Eu disse: ?faço um programa de televisão e dirijo uma emissora de TV na internet?. Aí ele disse: ?Você deve ser um perigoso anarquista, porque esse negócio é coisa de garoto anarquista!?. Eu não sou garoto, nem anarquista…

IMPRENSA – Como você avalia a cobertura dos reality shows pelo jornalismo e a ida do Pedro Bial para o Big Brother?

Amorim – O Bial foi um dos melhores jornalistas internacionais que o Brasil já teve…

IMPRENSA – Teve? Por que o verbo no passado?

Amorim – Convivi com o Bial. Eu estava em Nova York, e ele estava em Londres. O Bial fez algumas das reportagens memoráveis do jornalismo internacional da Globo, e acho que ele tem tudo para voltar a ser isso. Espero que a Globo permita que ele volte a ser tudo isso. Essa é uma confusão passageira. Essa mistura entre jornalismo e reality show é condenável. Tenho certeza que o Pedro Bial vai voltar a fazer reportagens memoráveis, como aquela que ele fez na queda do Muro de Berlim, que todo brasileiro se lembra.

IMPRENSA – Você já foi professor?

Amorim – Nunca! (enfático)

IMPRENSA – Por quê?

Amorim – Porque eu não tenho paciência. Acho que essa lei que obriga a existirem faculdades de jornalismo é, como diria o Mino Carta, um desastre ferroviário. Desses que provocam centenas de vítimas. A qualidade do jornalista brasileiro caiu significativamente. Ele não sabe mais escrever. É um prazer conviver com a língua portuguesa, que tem Camões, que tem Machado, que tem Eça, que tem João Cabral, que tem Manuel Bandeira, que é meu poeta. Esta língua não é mais cultivada. Desafio a qualquer um de nós e a nossos leitores: qual foi o último texto que leu na imprensa brasileira e que se lembra, como sendo um texto de qualidade? Qual foi o último lead bom, com boa metáfora?

IMPRENSA – Mas existe aí uma influência do jornalismo norte-americano, não?

Amorim – Não senhor, o jornalismo norte-americano é muito bem escrito. O jornalismo esportivo americano só perde para o da Itália. Estou falando de reportagem, de texto. O jornalista brasileiro deveria jogar fora qualquer livro de teoria de imprensa, isso tudo não presta. Tudo o que você precisa para ser jornalista você aprende em três meses. Deveriam ler Manuel Bandeira.

IMPRENSA – Como você avalia a incidência de talk shows e de jornais populares, do tipo Datena? Isso é bom para o jornalismo ou é uma solução barata?

Amorim – A proliferaç&atatilde;o de talk shows é um indício de que as empresas não querem gastar muito dinheiro fazendo jornalismo. Não há nada mais barato do que fazer talk show. O Datena faz um jornalismo respeitável, com reportagens importantes. Evidentemente você pode condenar o exagero, o sensacionalismo, a apelação. Mas a cobertura policial é indispensável para a cobertura de cidades, ainda mais em São Paulo.

IMPRENSA – Mas o Datena emite opinião, sempre tem um comentário, uma crítica…

Amorim – Nós somos de religiões diferentes. Eu sou de outra religião. Respeito todas, mas acho que o âncora não deve dar opinião.

IMPRENSA – Nem o Boris Casoy?

Amorim – O Boris Casoy é idem com batatas. Ele preserva um espaço de jornalismo de qualidade muito importante e é lamentável que o SBT não tenha preservado esse espaço. Mas o Boris seria melhor do que é se parasse de dar opinião. Não concordo com muita opinião dele, prefiro as minhas. O Boris Casoy pode dizer o que bem entender, mas algumas opiniões minhas são pétreas.

IMPRENSA – Como fazer a editoria de economia ficar compreensível para o cidadão?

Amorim – O Delfim Neto jamais admitirá que disse isso, mas ele disse que o jornalismo de economia não é uma coisa nem outra. Não é jornalismo, nem economia. Não pode ser economia porque jornalista não entende nem de jornalismo muito menos de economia. É outra coisa. Eu não sou economista e não quero ser. Quero que meus conhecimentos se limitem aos do meu avó, que era dono de uma padaria na Tijuca, no Rio de Janeiro. O que o jornalista de economia tem que ser é repórter. É mais importante entender de Código Penal do que de derivativo e de política cambial. No Brasil, a economia tem andando mais perto do Código Penal do que do derivativo. Aliás, os derivativos na economia são de outra natureza.

IMPRENSA – Mas isso não é assim nos Estados Unidos?

Amorim – Já foi. Quando eu fui estagiar na Newsweek, pela Veja, cheguei lá para o editor de economia e queria mostrar que era um garoto sabido em economia. Perguntei: ?o senhor segue mais o Galbraith ou o Friedman??. Ele falou: ?Nem um, nem outro. Nenhum dos dois me interessa!?. Eu pensei ?puxa vida, eu não faço outra coisa a não ser ler Friedman e Galbraith. Estou aqui me entupindo dessas leituras e ele diz que não tem a menor importância?.

IMPRENSA – Isso significa que um bom repórter de qualquer editoria pode ser um bom repórter de economia e vice-versa?

Amorim – É evidente. Todo repórter tem que saber cobrir incêndio.

IMPRENSA – A função de repórter está desvalorizada, hoje?

Amorim – Muito. Se paga mal. Para o tamanho da economia brasileira, o salário do jornalista é ridículo. Há uma concentração na mídia brasileira. Quanto menos os órgãos de imprensa, piores os salários. É um equívoco pensar ao contrário. E não somos respeitados pela sociedade. Não nos levam a sério.

IMPRENSA – Foi a filosofia das empresas que levou à desvalorização do repórter?

Amorim – Sim, muito. E este ano, como todos os anos de eleição, é crítico. Se a imprensa brasileira tem defeitos, em ano de eleição eles se tornam maiores. A imprensa brasileira costuma ir para o brejo.

IMPRENSA – Eleições: 1989, 1994 e 1998. Onde você estava e como você vê a diferença na cobertura que vamos ter este ano das outras três?

Amorim – Nenhuma. Acho que a imprensa brasileira, especialmente a Globo, vai escolher – se é que já não escolheu – o seu candidato. E tudo o que este candidato fizer ou disser é bom e tudo o que o adversário fizer é ruim.

IMPRENSA – E as outras empresas jornalísticas?

Amorim – As outras empresas acabarão se encaminhando para uma posição parecida. É possível que haja exceções, como a Folha. A imprensa brasileira escolhe o eleito – às vezes o errado. O Roberto Marinho, durante muito tempo, apoiou o Quércia e depois teve que sair correndo atrás do Collor.

IMPRENSA – A proposta do Lula e do Brizola, de colocar estudantes de jornalismo ou observadores internacionais para acompanhas as eleições é viável, então?

Amorim – Eu acho isso tudo muito positivo. Põe o Jimmy Carter ao lado do ministro Nelson Jobim. Porque o ministro Jobim, mal ou bem, tem um problema: ele acabou de casar e o padrinho de casamento dele foi o José Serra. Então, para tirar qualquer suspeita – e eu acredito que ele esteja acima de qualquer suspeita – traz o Jimmy Carter, que é ex-presidente dos Estados Unidos e dedica sua vida a acompanhar eleições pelo mundo afora, em países onde possa, eventualmente, haver problemas no processo eleitoral. O presidente Fernando Henrique tem um precedente perigoso: foi o único presidente latino-americano que apoiou a terceira eleição do Fujimori. Essa eleição francamente roubada foi apoiada pelo governo brasileiro. E como se sabe, o Fujimori criou uma contribuição da América Latina à cultura universal que foi renunciar por fax.

IMPRENSA – As pesquisas de opinião são confiáveis hoje?

Amorim – O DataFolha é, porque não vende pesquisa para candidato. O Ibope e o Vox Populi vendem, e por isso não estão acima de qualquer suspeita, para mim. E o Ibope tem a singularidade de vender para o candidato e publicar no Jornal Nacional.

IMPRENSA – Qual a matéria que mais lhe deu prazer e satisfação em fazer?

Amorim – Costumo dizer que a melhor matéria que eu fiz vai ser a de amanhã. Mas devo admitir que a reportagem mais importante que eu fiz na minha na minha vida foi um Globo Repórter Especial sobre a Guerra Civil em Ruanda, um dos episódios mais trágicos do século passado. O Ben Bradlee, editor-chefe do Washington Post, que derrubou o Nixon, diz que dois episódios mudaram a cabeça dos repórteres: Vietnã e Ruanda. Fiquei irremediavelmente marcado pela experiência de assistir àquela tragédia, de conviver com tanta barbaridade e tanta violência. Fomos eu, o produtor David Presas e o cinegrafista Paulo Zero. Espero que essa reportagem tenha transmitido a densidade do nosso choque.

IMPRENSA – Qual é a sua relação com as fontes e como você vê a questão do off?

Amorim – Tem uma história muito boa sobre essa história do off: a Catherine Graham, que era dona do Washington Post, convidava as principais figuras do mundo político e social dos Estados Unidos para festas na casa dela. E também um ou dois repórteres ou editores do seu jornal. Então dizia: ?tudo o que você vai ouvir na minha casa é para não publicar. É tudo off?. E daí um dia ela deu um almoço no domingo e apareceu lá um juiz da Suprema Corte, que contou uma história, em uma roda em que estava um repórter e ela também. No dia seguinte, ela ligou para o repórter e perguntou se ele iria atrás daquela história, mas o repórter falou ?Mrs. Graham, a senhora estabeleceu a regra. Tudo o que se ouve na sua casa é em off?. Ela respondeu: ?Não, não é isso! Se não presta é em off, agora, se é bom não é em off não, rapaz, vai atrás!? (risos). Não tem off. Uma vez eu perguntei para o Tancredo Neves se era em off e ele respondeu: ?Eu falo sempre em on, meu filho! Pode publicar!?. Evidentemente que ele não vai me contar o que não possa falar…"