Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ricardo Miranda

ASPAS

FITAS & ROLOS

"Com a mão em ACM", copyright IstoÉ, ed. 1642, 21/03/01

"No faroeste caboclo da política nacional, o ?xerife? do Ministério Público Luiz Francisco de Souza entrou desarmado no saloon do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado. Ora encolhido na cadeira, ora abrindo os braços sobre o plenário lotado, o procurador da República contou mais uma vez tudo o que viu e ouviu. Confirmou todo o teor da conversa que ele e seus colegas Guilherme Schelb e Eliana Torelly tiveram com o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e seu assessor, Fernando César Mesquita, na sede da Procuradoria da República no DF, no início da tarde do dia 19 de fevereiro. Respondeu pacientemente a uma saraivada de quase cinco horas de perguntas, confirmando todo o teor da conversa divulgada por ISTOÉ, inclusive o trecho em que ACM assegura ter uma ?lista? com os nomes dos senadores que votaram contra e a favor da cassação de Luiz Estevão, na sessão secreta que levou à perda do mandato do senador. Luiz Francisco descreveu como ACM se divertia ao ridicularizar a senadora Heloísa Helena (PT-AL), que, segundo o senador baiano, teria votado contra a cassação de Estevão. Antes do procurador, os repórteres de ISTOÉ Andrei Meireles, Mino Pedrosa e Mário Simas Filho, autores da reportagem, confirmaram o inteiro teor das conversas divulgadas pela revista. A disposição para contar a verdade parou por aí. Testemunhas, como Luiz Francisco, de uma das maiores armações políticas dos últimos tempos – a tentativa do cacique baiano de usar o MP para espalhar seu arsenal de denúncias e bravatas -, Schelb e Torelly entraram mudos e saíram quase calados. Brandiram o direito ético de não falar uma palavra sobre o conteúdo da fita. Quando abriram a boca, gastaram toda a munição para, a despeito de sua ética pessoal, falar mal do colega.

Com a confirmação de Luiz Francisco, e o silêncio dos outros procuradores, ACM pode ser submetido a um processo de cassação por falta de decoro parlamentar se ficar provado que teve acesso a informações sobre votações sigilosas. Peritos da Universidade de Campinas (Unicamp) estão periciando o painel eletrônico do Senado. Independentemente do que vier a dar essa perícia, ACM pode ser empurrado para a forca da quebra de decoro por causa de outro trecho da fita. Não há nenhuma dúvida de que seu assessor Fernando César Mesquita confidenciou ter vazado para a imprensa o sigilo bancário e fiscal de Luiz Estevão. ?Ele só pode ter dado essas informações sigilosas com o conhecimento de ACM?, afirmou o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Luiz Francisco também confirmou o que os jornalistas de ISTOÉ reafirmaram: ACM contou aos procuradores que, pegando o ex- secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira, o Ministério Público chegaria ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma autêntica facada nas costas. A gravação da conversa também foi explicada por Luiz Francisco e pelos jornalistas de ISTOÉ. Um dos dois gravadores usados por Luiz Francisco, deixado em seu gabinete, foi emprestado por ISTOÉ – aquele cuja fita, inicialmente inaudível, foi melhorada mais tarde pelo perito Ricardo Molina, a pedido de ISTOÉ. Outro gravador ficou no bolso de Luiz Francisco – cujas fitas, de boa qualidade, foram ouvidas dois dias depois pelos jornalistas Andrei Meireles e Mino Pedrosa. ?Eu gravei o senador por resguardo, para minha defesa?, lembrou Luiz Francisco, que, ao contrário de Schelb, estava preocupado em não ser usado no tiroteio político entre ACM e o PMDB do presidente do Senado, Jader Barbalho. Schelb chegou a dizer que foi ele quem convidou ACM para a conversa, diferentemente do que disse a seu colega. Afilhada de casamento de ACM, que foi correligionário político de seu sogro, Eliana Torelly insistiu que entrou de ?gaiata? na história e que apenas cedeu o gabinete para a conversa.

Depondo juntos – uma liberalidade da Comissão de Ética -, Schelb e Torelly reconheceram que Luiz Francisco falou em gravar a conversa, mas negaram que tivessem conhecimento de que a conversa seria mesmo gravada. Na terça-feira 6, no entanto, Schelb encaminhou mensagens a diversos procuradores, por uma rede interna de computadores, admitindo que sabia que o encontro com ACM seria gravado e que não via problema nisso. Os dois também negaram ter consentido com a divulgação do teor das fitas. O problema é que pelo menos uma testemunha, o procurador regional da República José Roberto Santoro, que deve ser ouvido pela Comissão de Ética, viu Schelb falar com ISTOÉ sobre as fitas horas depois da conversa com ACM – antes, portanto, da publicação da reportagem. ?Se comentei com o jornalista, não me recordo?, despistou Schelb. Diante do lapso de memória, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) recomendou ao procurador que tomasse um remédio para a memória. ?Os senhores, que parecem muito mais fortes que o doutor Luiz Francisco, têm memória muito mais curta.?

A outra escorregada ficou por conta do sumiço das duas fitas com gravação de melhor qualidade. A última vez que foi vista, estava na sala de Eliana Torelly, na quarta-feira 21, depois de uma discussão com os colegas, Luiz Francisco pisou nas fitas, que tiveram o invólucro rachado, e deixou a sala. Eliana disse que levou as fitas para casa, onde foram queimadas com o resto do lixo. ?Era um lixo, era um material imprestável?, justificou a procuradora. ?O normal seria guardá-las num cofre. Vocês não sabiam o que era. Vocês queimaram provas?, esbravejou Pedro Simon. O silêncio dos procuradores irritou os senadores. Renan Calheiros (PMDB-AL) lembrou que em outros momentos, como o caso Eduardo Jorge, eles ?falaram e falaram muito?. Pedro Simon ameaçou recorrer ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. ?Isso seria inédito?, desdenhou Eliana Torelly. ?Inédito é o comportamento de Vossa Excelência?, devolveu Simon.

O desempenho de Luiz Francisco foi elogiado até pelo presidente Fernando Henrique, que acompanhou todos os depoimentos de seu gabinete, pela TV Senado. ?Está ficando muito mal para o Antônio Carlos?, disse o presidente. Reduzida ao senador Waldeck Ornélas (PFL-BA), demitido por FHC do cargo de ministro da Previdência depois que as fitas foram divulgadas, a tropa de choque de ACM era um autêntico trombone desafinado. Falando todo o tempo pelo celular, e instruído por ACM, Waldeck insultou os jornalistas e tentou intimidar Luiz Francisco. Sem sucesso. ?ACM já teve tropas melhores. Escalaram um sujeito que não tem cacoete para isso e, além de tudo, tem voz fina?, opinou um senador do PFL."

"Cala-te boca", copyright IstoÉ, ed. 1642, 21/03/01

"A automordaça dos procuradores Guilherme Schelb e Eliana Torelly foi desatada pelos próprios colegas. Carlos Frederico Santos, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, diz que é ?juridicamente equivocada? a desculpa de Schelb, que brandiu o artigo 236, item II, da Lei Complementar 75/93, a Lei Orgânica do Ministério Público, para ficar mudo na Comissão de Ética do Senado. Ele e Eliana Torelly se negaram a comentar o conteúdo das fitas que revelaram ao País a conversa dos procuradores com ACM. O artigo citado diz que o MP deve guardar ?segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo?. ?Sigilo é bancário, telefônico e fiscal, e questões de família?, diz a procuradora Valquíria Oliveira Nunes, colega de Luiz Francisco, Guilherme Schelb e Eliana Torelly. Sem querer falar sobre a fita, os dois procuradores guardaram o fôlego para criticar Luiz Francisco, com quem estão rompidos desde a divulgação das conversas por ISTOÉ. Disseram que ele os atraiu para uma armadilha. Afirmaram ser contra a gravação da conversa com ACM e condenaram a divulgação do que fora falado no encontro.

TORELLY E SCHELB MENTIRAM

?Qual a conduta mais adequada: a do procurador que contou tudo ou dos dois que ficaram em silêncio? Cada um deve fazer seu julgamento?, ponderou o presidente da Comissãatilde;o de Ética, Ramez Tebet (PMDB-MS). Schelb e Eliana Torelly passaram todo o tempo se colocando como os defensores da ética do Ministério Público. ?Não aceito que o MP se torne um instrumento político ou jornalístico?, discursou Schelb, irritando o senador Roberto Freire (PPS-PE). ?Vocês têm a obrigação funcional de apurar com a gente?, disse. ?O MP tem que defender o interesse coletivo. Vocês não podem vir aqui defender interesses de Antônio Carlos Magalhães.? Schelb e Torelly não convenceram ninguém. Serão, agora, ouvidos em sessão secreta em que prometem, finalmente, abrir a boca."

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"Depoimentos esclareceram tudo", copyright IstoÉ, ed. 1642, 21/03/01

"Para o senador José Eduardo Dutra (PT-SE), ACM afirmou aos procuradores o que foi publicado pela revista e, se a violação do painel for comprovada, não escapará de um processo de cassação.

ISTOÉ – O sr. disse que a fita apresentada por Molina era ?uma montanha que pariu um rato? e que a ISTOÉ fez uma ?emenda aglutinativa? na transcrição. O sr. mantém as declarações?

José Eduardo Dutra – Quando disse que a montanha pariu um rato, falava da expectativa do governo em torno da apresentação da fita. Os depoimentos esclareceram tudo.

ISTOÉ – O PT vem sendo acusado de fazer uma aliança espúria com ACM. O sr. é apontado como um dos membros do ?carlopetismo?.

Dutra – Quem me acusa de carlista não tem coragem de enfrentá-lo.

ISTOÉ – O presidente FHC disse estranhar essa aliança.

Dutra – É cinismo descarado. FHC é que fez essa aliança e usou ACM para abafar investigações."

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"Os petistas estão constrangidos", copyright IstoÉ, ed. 1642, 21/03/01

"A senadora Heloísa Helena (PT-AL), acusada por ACM de ter votado contra a cassação de Luiz Estevão, defende a apuração, pelo Senado, dos crimes que o senador baiano teria confessado na conversa com procuradores da República.

ISTOÉ – A sra. votou a favor do Luiz Estevão?

Heloísa Helena – Não. Isso é canalhice do senador.

ISTOÉ – Como avalia as versões que ACM vem dando para a conversa com os procuradores?

Heloísa – A cada retratação fica mais evidente o seu caráter pusilânime. Temos que investigar desde a fraude no painel até prevaricação e obstrução dos trabalhos de investigação no Congresso.

ISTOÉ – A sra. não se sentiu constrangida com os petistas fazendo loas a ACM?

Heloísa – Eu e muita gente, como os militantes do PT da Bahia, ficamos constrangidos."

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