Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ricardo Miranda

ROLO HISTÓRICO

"Oito pessoas conhecem as senhas", copyright IstoÉ, 12/03/01

"O sistema de votação do Senado é um queijo suíço eleitoral, em que o voto dos 81 senadores tem como única garantia de sigilo uma senha cheia de furos. Com uma combinação de quatro dígitos que recebe no início do mandato, o senador pode votar a partir de um dos 96 postos espalhados pelo plenário. Seria lógico esses números estarem guardados a sete chaves. Não estão. Pelo menos oito pessoas têm acesso às senhas, inclusive gente fora do serviço público. São dois representantes da Panavídeo, empresa contratada durante o mandato de ACM na presidência do Senado, às pressas e sem licitação para manter o painel. Coincidentemente, George e Gazolla, como são conhecidos, são ex-funcionários da Eliseu Kopp, empresa que teve seu contrato suspenso por má qualidade técnica. No Senado, as senhas são conhecidas por pelo menos quatro funcionários da Divisão de Suporte Operacional do Prodasen, pelo secretário-geral da Mesa, Raimundo Carrero, e até por sua secretária.

Hélio Ledur, Heitor Ferreira Lima, Nílson Silva Almeida e Mário Aguiar, do Prodasen, com suas senhas-mestras, têm acesso ao controle do sistema. ?É como se o gerente de um banco e até os caixas tivessem acesso às senhas de seus correntistas?, compara Dirceu Teixeira, presidente da comissão que apura a vulnerabilidade do painel. Uma investigação iniciada só depois que ISTOÉ revelou uma conversa entre ACM, e três procuradores, em que o senador afirma que sabia quem votara contra e a favor da cassação de Luiz Estevão. A comissão está de olho em quem mandou no Senado nos últimos anos. Enquanto aguarda um parecer de peritos da Unicamp, que procuram provas de que o painel foi fraudado, investiga dois homens de confiança de ACM: o jornalista Fernando César Mesquita e o analista de sistemas Marco Antônio Reis. Mesquita comandou todo o sistema de comunicação do Senado. Reis, que já chefiou o Prodasen e depois esteve subordinado a Mesquita, agora é chefe de gabinete do senador baiano. Ambos negam qualquer envolvimento."

"O país da pizza requentada", copyright Folha de S. Paulo, 10/03/01

"Em 1996 , em plena CPI dos Precatórios, convenço o principal suspeito -o banqueiro Fábio Nahoum- a contar o que sabia sobre o caso para o relator da CPI, senador Roberto Requião. Na ocasião, estava em andamento uma operação abafa, visando restringir o caso a meia dúzia de laranjas.

Na conversa com Requião -testemunhada por mim, pela jornalista Mônica Bergamo e pelo senador José Serra-, lá pelas tantas perguntei a Nahoum se Wagner Ramos (o técnico da Prefeitura de São Paulo que implantou a ?metodologia? dos precatórios) tratava do assunto com Celso Pitta, então secretário das Finanças. A resposta de Nahoum foi: ?Não, ele tratava com alguém acima?. ?Maluf??, perguntei. E ele concordou.

No dia seguinte, Quinta-Feira Santa, me telefonam de uma revista semanal. O editor tinha uma versão da conversa, segundo a qual Nahoum teria dito que ?o Maluf montou tudo isso e a grana ia direto para os empreiteiros?. Respondi que não tinha sido assim. Reproduzi o diálogo correto, enviei por e-mail a coluna que sairia no dia seguinte, com a versão correta, fiz-lhe ver que, mesmo sem o tal ?esquentamento?, a afirmação era suficientemente grave.

Era Semana Santa, eu estava de viagem para o litoral. No meio da viagem, Mônica me ligou preocupadíssima com a versão da revista, que a havia procurado também. Ela negou a versão, assim como Serra. Três das quatro testemunhas do encontro haviam negado a versão.

No sábado a revista sai com uma manchete tonitruante, tipo ?Nahoum explode com o esquema Maluf? ou coisa parecida. Na edição, a tal versão ?esquentada?.

Não deu outra. No mesmo sábado, Nahoum soltou uma nota desmentindo a versão da revista. Ligou-me dizendo que minha coluna havia sido fidedigna ao ocorrido, mas desmentindo a revista. Maluf pegou o mote, de Paris deu entrevistas a todos os canais de TV e jornais dizendo que Nahoum havia me desmentido e que iria me processar. Obviamente não processou, mas o ?esquentamento? da notícia levou à sua desmoralização.

O mesmo ocorre agora nesse episódio das fitas de ACM. De acordo com a degravação do perito, ACM informou que tinha a relação dos que votaram contra a cassação de Luiz Estevão. Não só tinha como a estava utilizando contra a senadora Heloísa Helena. Independentemente da maneira como obteve a relação, a afirmação era tão grave que seu próprio assessor, Francisco César Mesquita, alertou para as consequências.

Como estava subentendido que ACM tinha a relação, que tal incluir na edição que ele tinha a lista completa? Consequência desse ?esquentamento?: ontem a mídia como um todo -de simpatizantes do ?carlismo?, por razões óbvias, a críticos, para demonstrar isenção, devido ao patrulhamento que sofrem da tropa ?carlista?- desqualifica uma prova relevante.

É importante que se entenda -a partir da maneira como as provas foram desqualificadas nesse episódio e pela maneira como rumores são transformados em crises- que o que ocorre com os escândalos, hoje em dia, é uma ampla manipulação de ênfases com propósitos dos mais variados.

Como essa mistura atroz de marketing e jornalismo fez com que se deixasse de lado a apuração correta dos fatos, os procedimentos judiciosos, a processualística rigorosa, conferiu-se um tal subjetivismo às denúncias que elas se transformaram em instrumento de luta política descarada, que passou a ser utilizado por quem tem mais habilidade e influência em setores da mídia. Basta saber fazer o barulho no momento certo, ter os deflagradores de fatos em lugares-chave e contar com o efeito manada. Porque o grande fator de equilíbrio e de disciplinamento das notícias -o respeito às boas técnicas jornalísticas, o sentido de relevância e a análise objetiva dos fatos- não mais está em vigor.

Em plena era da informação, o Plano Brady e quetais continuam sendo a norma."

"Entrevista", copyright IstoÉ, 12/03/01

"O foneticista Ricardo Molina, que a pedido de ISTOÉ periciou a fita da conversa entre ACM e procuradores, explica por que muitas palavras reproduzidas nas duas últimas edições da revista não estão em seu laudo.

ISTOÉ – Na primeira fita ouvida pelos repórteres de ISTOÉ, gravada em um aparelho colocado no bolso do procurador Luiz Francisco, fica claro que ACM usa a palavra ?lista? para se referir aos senadores que votaram a favor de Luiz Estevão. Na fita analisada pelo senhor essa palavra não aparece. Por quê?

Ricardo Molina – São fitas gravadas em situações diferentes. A fita que analisei não tinha nenhuma qualidade e muitas palavras são impossíveis de serem ouvidas. Essa é a razão de tantas frases cortadas. Não tive acesso à primeira fita ouvida pela ISTOÉ, que o procurador diz ter destruído. Não posso afirmar que ACM não usou a palavra lista. Posso afirmar é que na fita analisada por mim existem palavras inaudíveis, inclusive quando ele se refere ao Luiz Estevão. O laudo explicita, com algarismos entre colchetes, o lugar e o número de palavras inaudíveis…

ISTOÉ – Por que a diferença entre as fitas?

Molina – Uma fita gravada no mesmo ambiente em que ocorre a conversa tem uma qualidade muito melhor do que uma fita gravada em outro ambiente, separado por uma divisória antiacústica. A primeira gravação certamente era muito mais audível."

"Transcrição de fita alivia situação de ACM", copyright Folha de S. Paulo, 9/03/01

"A transcrição da fita com a conversa entre o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e três procuradores da República apresentada ontem pelo perito Ricardo Molina no Senado atenuou a pressão pela cassação de ACM.

A degravação não contém, na íntegra, declarações atribuídas a ele sobre o caso Eduardo Jorge e sobre a violação do painel de votações da Casa.

Na transcrição não há a frase atribuída pela revista ?IstoÉ? a ACM de que se os sigilos do ex-secretário-geral da Presidência fossem quebrados se ?chegaria? ao presidente FHC.

Essa não é a única divergência entre o texto apresentado pela revista e o divulgado pelo perito. A degravação não trouxe menção à lista com os nomes dos senadores que votaram a favor e contra a cassação do senador Luiz Estevão.

No caso da cassação de Luiz Estevão, ?IstoÉ? atribuiu a ACM a frase ?Eu tenho a lista de todo mundo que votou a favor e contra o Luiz Estevão?. Fernando César Mesquita, assessor de ACM, teria dito em seguida: ?Mas isso não se pode falar. Tem que tomar muito cuidado. Ele pode querer anular e vai dizer que o sr. quebrou o sigilo de votação?.

A transcrição dos peritos é diferente. ACM afirma que a senadora ?Heloísa Helena votou nele (em Luiz Estevão)?. Depois de algumas palavras inaudíveis, o senador diz: ?Eu tenho todos que votaram nele?.

Somente após 12 mudanças de interlocutor na conversa, Mesquita fala em quebra de sigilo, sem citar ACM. Sua fala vem em seguida a uma frase de três ou quatro palavras não identificadas pelos peritos -que também não souberam identificar seu autor.

Apesar de enfraquecer a versão anterior, a fita não livra o senador da acusação de ter violado o sigilo da votação. A Folha apurou que o Prodasen (Serviço de Processamento de Dados do Senado Federal) quebrou o sigilo da votação. Um funcionário da repartição entregou a ACM, que presidia o Congresso na época, uma listagem com os nomes de quem votou contra e a favor da interrupção do mandato de Estevão.

O depoimento de Molina frustrou os senadores. José Eduardo Dutra (PT-SE) disse que a fita não apresentava elementos para cogitar a cassação de ACM por quebra de decoro. ?ACM acabou se beneficiando disso aqui?, disse.

?Os procuradores vão ter que confirmar ou não os diálogos?, disse Romero Jucá (PSDB-RO), presidente da comissão. Os procuradores devem ser ouvidos pela comissão na próxima semana.

Mesmo Renan Calheiros (PMDB-AL), que foi escalado para defender o governo e atacar ACM no Senado, mostrou-se reticente após a sessão. ?É o Conselho de Ética que vai dizer se houve ou não quebra de decoro?, afirmou.

Aliado de ACM e demitido do cargo de ministro da Previdência em consequência da crise política, o senador Waldeck Ornélas (PFL-BA) criticou a difusão da versão anterior da conversa reclamando que ela serviu para fabricar uma ?crise artificial?. ?Entendam bem, eu não quero nem falar aqui da minha saída do ministério?, disse provocando risos. ?Há uma fábrica de crises sendo produzida aí?, afirmou Ornélas, dizendo que há uma tática diversionista, para desviar atenção das acusações de fraudes no DNER e na Sudam.

Molina disse que a fita transcrita por ele lhe foi entregue por três repórteres da ?IstoÉ?. Antes, contudo, o perito disse ter recebido um telefonema de Luiz Francisco pedindo para que ele periciasse o material, uma fita microcassete com 58 minutos de gravação. Molina afirmou que não tinha nenhuma responsabilidade pela versão divulgada pela revista na semana passada. Disse que não houve nenhuma montagem ou edição na fita avaliada por ele. Foi possível identificar as vozes de ACM, do seu assessor e dos procuradores Luiz Francisco, Guilherme Schelb e Eliana Torelly. Molina disse que transcreveu 75% dos diálogos."

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