Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ricardo Valladares

DATANEXUS FRACASSA

"Guerra de números", copyright Veja, 4/06/03

"Há trinta anos o Ibope é o único instituto de aferição de audiência da televisão brasileira. Essa situação esteve prestes a mudar na semana passada. Fruto de uma parceria entre a emissora SBT, de Silvio Santos, e a empresa Geopolitics, do cientista político Carlos Novaes, o Instituto Datanexus anunciou na terça-feira que inauguraria, no dia seguinte, um novo serviço de medição. Até aí, tudo bem. O mercado já esperava a notícia. Incômodos mesmo foram os números previamente divulgados pelo Datanexus, resultantes de uma medição experimental realizada nos primeiros vinte dias de maio. Em alguns horários, eles mostravam disparidades consideráveis com os números do Ibope. No dia 20 de maio, por exemplo, enquanto a novela Kubanacan, da Rede Globo, anotava 40 pontos de audiência na Grande São Paulo no Ibope, ela registrava apenas 32 pontos no Datanexus (veja quadro acima). Outro fato importante: segundo a pesquisa do Datanexus, o universo de telespectadores era muito menor do que o registrado pelo concorrente. Durante o período estudado, as variações foram de até 20% para baixo (veja quadro). Indagado a respeito dessas disparidades, o diretor do Ibope, Flávio Ferrari, jogou a peteca para o outro lado. ?Nosso serviço é antigo e passa por auditoria. São eles que precisam explicar seus dados?, disse. Antes que qualquer explicação fosse dada, uma reviravolta ocorreu: a inauguração do Datanexus foi abortada.

A idéia de criar o Datanexus nasceu de uma antiga desconfiança do SBT com relação aos números do Ibope. Silvio Santos resolveu desembolsar 4 milhões de reais para financiar um instituto independente. No acordo inicial com a empresa de Carlos Novaes, a marca pertenceria a este último, que seria também o único responsável pelos dados aferidos. Mas tudo mudou na véspera da inauguração do instituto. ?Silvio Santos queria ser dono da marca. Se isso acontecesse, creio que nossa pesquisa perderia credibilidade. Os números deixariam de ser do instituto Datanexus e passariam a ser do SBT. Seria difícil vendê-los no mercado?, diz Novaes. Dentro do SBT o cancelamento também causou insatisfação. Na quinta-feira, o superintendente de tecnologia da emissora, Alfonso Aurin, ameaçava pedir demissão. Sua permanência no canal de Silvio Santos estava indefinida até o fim daquele dia. Aurin foi quem desenvolveu o equipamento que seria usado para as medições do Datanexus.

O imbróglio Datanexus versus Ibope provocou nervosismo generalizado. A idéia de que o número de televisores ligados diariamente no país pode ser menor do que se pensa tem potencial para mexer profundamente com o mercado de publicidade. É claro que saber que o apresentador X é mais popular do que o apresentador Y tem sua graça para o espectador. Mas esse é um papel secundário das cifras de audiência. Sua principal utilidade é orientar quem anuncia produtos na TV e permitir que os veículos de comunicação estabeleçam suas tabelas de preços de comercial de acordo com a extensão de seu público. Quanto mais gente uma emissora atinge, mais caro ela pode cobrar pelos comerciais que exibe. Se o total de pessoas que assistem à televisão diminui, os preços da publicidade tendem a cair para todos os canais. Carlos Novaes defende a exatidão dos números produzidos pelo Datanexus em sua breve existência. Flávio Ferrari, do Ibope, afirma que não dá para comparar os dados dos dois institutos, porque as metodologias empregadas por ambos são completamente diferentes. As dúvidas levantadas pelo fugaz Datanexus serão insolúveis enquanto existir apenas um medidor de audiência."

"Ibope do SBT coloca em xeque audiência da Globo", copyright Folha de S. Paulo, 28/05/03

"Financiado pelo SBT, o Datanexus, novo instituto de pesquisa de audiência de televisão será lançado hoje apresentando números que colocam em xeque as altas audiências da TV Globo apontadas pelo Ibope -até então única empresa do ramo no país.

Os dados do Datanexus confirmam a Globo na liderança da audiência na Grande São Paulo, o SBT em segundo, a Record em terceiro, a Band em quarto, a Rede TV! em quinto, a Cultura em sexto e a Gazeta em sétimo -como diz o Ibope há anos.

As audiências da Record e da Band não diferem muito nos números do Ibope e do Datanexus. Já o SBT tem ligeira vantagem no Datanexus (média de um ponto a mais, à tarde e à noite).

A grande diferença mesmo está nos números de audiência domiciliar da Globo e de televisores ligados. São muito maiores no Ibope do que no Datanexus. Nos dois institutos, apesar das diferenças de amostra e de tecnologia, um ponto na Grande São Paulo equivale a quase a mesma coisa: 48,5 mil domicílios no Ibope e 49 mil no Datanexus.

Discórdia

A Folha obteve com exclusividade o relatório do Datanexus com a média de cada emissora na Grande São Paulo na primeira quinzena de maio.

No Datanexus, a média da Globo entre 18h e 24h, o horário nobre, é de 27,9 pontos domiciliares. No Ibope, é de 33,8 pontos. Ou seja, a diferença é de quase 6 pontos, o que daria mais do que a audiência da Record, a terceira rede (que tem 5,1 pontos nessa faixa de horário no Datanexus). Pelo Datanexus, a audiência da Globo é 17,5% menor do que a apresentada pelo Ibope.

Segundo o cientista político Carlos Novaes, presidente do Datanexus, essa diferença se explica basicamente porque o número de televisores ligados é muito menor no Datanexus do que no Ibope. No entanto, Novaes não exibiu o total de televisores ligados detectados pelo seu instituto. ?Essa é a grande explosão. As pessoas não vêem tanta televisão assim?, diz Novaes, também consultor da TV Cultura, onde trabalha com números do Ibope.

Participação

A soma das audiências de Globo, SBT, Record, Band, Rede TV!, Cultura e Gazeta do relatório do Datanexus dá 53,6 pontos. No Ibope, essa conta (que é de fato o total de ligados) é de 61,9 pontos. Logo, o número de TVs ligadas nessas emissoras (o que, no caso do Datanexus, não é o total de ligados, pois há outras TVs menores, videocassete, DVD, videogame e TV a cabo) é 13,4% menor.

A soma da audiência das emissoras permite também calcular a suposta participação de cada uma delas no bolo da audiência. Assim, a diferença de 5,9 pontos domiciliares a favor da Globo no Ibope praticamente desaparece. No Datanexus, a Globo tem 52% de participação no total da audiência das redes no horário nobre. No Ibope, tem 54,5%. Em outras palavras: a audiência da Globo é menor no Datanexus, mas é relativamente a mesma em termos de participação.

Para o SBT essa comparação faz diferença. A emissora tem 19% de participação no Ibope no horário nobre, contra 24% no Datanexus.

A Folha obteve também do Datanexus comparativos de audiência minuto a minuto das emissoras de TV nos dias 3 e 20 de maio. Nesse caso, as diferenças são ainda maiores entre os dois institutos. Chegam a quase nove pontos. Foi o que ocorreu, por exemplo no último dia 20. Às 20h daquele dia, a novela ?Kubanacan?, da Globo, marcava 31,6 pontos no Datanexus. No Ibope, dava 40,4. A diferença, de 426,8 mil domicílios, é pouco menor do que marcava a emissora em segundo lugar no Ibope (o SBT, com 10,2 pontos).

?Nossos números têm margem de erro menor do que 1%. A confiabilidade é altíssima, a mostra é um espelho da Grande São Paulo em termos sócio-demográficos?, diz Novaes, do Datanexus. ?Eles mostram que a competitividade entre as TVs em alguns horários é maior do que se supunha. Há dias em que o ?Programa Raul Gil? (Record) lidera nas tardes de sábado. De manhã, SBT e Globo competem de maneira mais dura do que se sabia, mas é inegável a liderança da Globo à noite. Aos domingos, a competitividade é grande entre Globo e SBT, que se alternam na liderança à tarde.?"

***

"SBT já investiu R$ 4 milhões em projeto", copyright Folha de S. Paulo, 28/05/03

"A criação de um instituto de medição de audiência é projeto antigo de Silvio Santos, dono do SBT, que sempre questionou o desempenho de sua rede (e o da rival Globo) nos relatórios do Ibope.

Na década de 90, Silvio Santos chegou a formar parceria com a Nielsen, que mede audiência de TV nos Estados Unidos. A emissora injetou dinheiro no instituto, mas o negócio não avançou. A Nielsen acabou se associando ao Ibope, em 98. A Folha apurou que a associação incluiu um acordo de não-agressão. A Nielsen não tenta entrar no mercado do Ibope na América Latina. O Ibope não entra nos EUA.

O Datanexus começou a nascer no final dos anos 90, após o fracasso do acordo com a Nielsen. Foi viabilizado por Alfonso Aurin, superintendente de tecnologia do SBT. Aurin desenvolveu a tecnologia de medição de audiência usada pelo instituto, um aparelho que substitui o controle remoto e envia informações para uma central de processamento via telefonia celular.

Inicialmente, o aparelho (informalmente chamado de alfonsímetro) ganhou o nome oficial de Adviser.

No segundo semestre do ano passado, na tentativa de dar credibilidade à medição, o SBT contratou a empresa Geopolitics, do cientista social Carlos Novaes. Transferiu à empresa a tecnologia e recursos suficientes para a implantação do serviço. O SBT já investiu cerca de R$ 4 milhões no negócio.

Em outubro, Novaes passou a implantar o medidor partindo de 10 mil entrevistas, das quais foram selecionados os 232 domicílios que compõem a mostra."


***

"?SBT é que tem de explicar diferença?", copyright Folha de S. Paulo, 28/05/03

"Diretor do Ibope Mídia, Flávio Ferrari diz ser ?difícil avaliar [os números do Datanexus] sem ter detalhes da tecnologia e metodologia usadas?. Afirma que ?é até precoce qualquer análise? sobre dados de um período de apenas 15 dias. ?Mais para a frente dá para ver isso com mais tranquilidade?, diz.

Ferrari afirma não se incomodar com as diferenças de audiência para a TV Globo nos dois institutos -maior no Ibope do que no Datanexus. ?Nosso serviço tem 30 anos, é reconhecido internacionalmente e auditado. Estou convicto de que temos qualidade e que nossos números representam a realidade. O SBT é quem tem de explicar a diferença. O Ibope todo mundo já sabe como funciona. O Datanexus, não?, afirma.

O Ibope, segundo Ferrari, mede a audiência a partir de cerca de 1.500 aparelhos instalados em 750 domicílios na Grande São Paulo. Estes identificam os telespectadores da casa e o canal identificado e enviam a informação, por radiofrequência, para uma central de processamento de dados.

No Datanexus -que ainda não é auditado-, segundo Carlos Novaes, seu presidente, a audiência é coletada em 250 aparelhos instalados em 232 domicílios. O aparelho funciona como um controle remoto. Envia as informações (quem é o telespectador e qual o canal para uma central via telefonia celular).

Para Ferrari, do Ibope, a amostra de 250 aparelhos é significativa e confiável para a coleta de audiência por pontos domiciliares por emissora, mas ineficaz para o estudo de comportamentos de determinados públicos (por sexo e faixa etária por exemplo).

O diretor do Ibope contesta a informação de que o Datanexus teria margem de erro de apenas 1%. ?O cálculo da margem de erro é complicado, seja para 250 ou 750 domicílios. Varia de programa, horário e composição da audiência. Tem de ser feito caso a caso?, afirma.

Procurada pela reportagem da Folha, a Central Globo de Comunicação se disse impossibilitada de comentar os dados do Datanexus ?por desconhecer os métodos, procedimentos e amostras utilizadas na pesquisa? do instituto financiado pelo SBT."


***

"Impasse cancela novo medidor de audiência", copyright Folha de S. Paulo, 28/05/03

"Um impasse nas negociações entre o empresário Silvio Santos e o cientista político Carlos Novaes implodiu o lançamento, hoje, do Datanexus, que seria o novo serviço de medição de audiência de televisão, financiado pelo SBT, que já investiu cerca de R$ 4 milhões no negócio.

A Folha apurou que, na tarde de segunda-feira, Silvio Santos tentou mudar a minuta de contrato que seria assinado amanhã entre seu grupo empresarial e Novaes. O empresário passou a exigir o controle do Datanexus. Acabou cedendo, mas exigiu que o Datanexus fosse um serviço interno do SBT. Novaes rejeitou, e Silvio Santos voltou atrás. Ontem à tarde, Silvio Santos pediu a mudança da marca. Uma nova marca a substituiria a Datanexus em três meses. Houve acordo. Mas, às 18h, Silvio Santos exigiu que a nova marca fosse sua propriedade caso o novo instituto fracassasse. Novaes não aceitou, e a parceria foi cancelada.

?Me senti oprimido e não aceitei a opressão?, afirmou Novaes.

A tecnologia que seria usada pela Datanexus pertence ao Grupo Silvio Santos. Consiste em um aparelho que substitui o controle remoto e que identifica o telespectador e o canal sintonizado, enviando as informações a uma central de processamento de dados. Já estava instalado em 232 domicílios da Grande São Paulo.

A metodologia do Datanexus foi desenvolvida por Novaes, que foi contratado em 2002 pelo SBT. Uma cláusula desse contrato previa que o SBT não teria acesso às informações sobre os telespectadores e os endereços dos domicílios pesquisados. Controlando o Datanexus, Silvio Santos teria acesso a esse sigilo.

Hoje, às 12h, seria assinado o contrato em que o SBT se tornaria cliente do Datanexus, viabilizando sua operação, e que cederia em comodato a tecnologia de medição para o Datanexus.

Os primeiros relatórios de audiência seriam divulgados hoje à tarde à imprensa, em hotel de São Paulo. Não serão mais. As informações obtidas pela Folha e publicadas na Ilustrada de hoje (cuja edição foi concluída antes do cancelamento do Datanexus), no entanto, continuam válidas.

?Vou devolver os aparelhos, os relatórios e a pesquisa de sócio-demográfica ao SBT?, disse Novaes. Alfonso Aurin, superintendente de tecnologia do SBT, confirmou, por meio da assessoria da emissora, o cancelamento do Datanexus."

***

"Total de TVs ligadas cai 4,2% no Datanexus", copyright Folha de S. Paulo, 29/05/03

Dados inéditos obtidos ontem pela Folha mostram que a participação (?share?) da Globo na audiência da Grande SP é de 47% no Datanexus, instituto de pesquisa que seria lançado ontem, mas que foi cancelado devido a divergências entre seu presidente, o cientista político Carlos Novaes, e o empresário Silvio Santos, financiador do negócio, no qual já investiu cerca de R$ 4 milhões.

No Ibope, a Globo tem 54,6% de ?share?, uma diferença expressiva. Os números se referem à primeira quinzena de maio, no horário nobre (18h/24h). A diferença de ?share? da Globo nos dois institutos reside na divergência dos números da emissora líder, do total de televisores ligados e, entre esses, da soma das audiências das principais redes abertas.

No Ibope, a Globo aparece com média de 33,9 pontos no horário nobre (cada ponto equivale a 48,5 mil domicílios). No Datanexus, tem 27,9 pontos (cada ponto equivale a 49 mil domicílios).

O total de TVs ligadas no Ibope é de 61,9 pontos. No Datanexus, de 59,3, ou seja, menos 4,2%. No Ibope, a soma das audiências das TVs abertas (sem contar Gazeta, MTV, Canal 21 e canais UHF inexpressivos) é de 58,5 pontos. No Datanexus, essa soma é de 53,6 pontos (menos 8,4%).

Ou seja: há mais televisores (279,3 mil domicílios) sintonizados em DVDs, videogames e TV paga no Datanexus do que no Ibope (164,9 mil domicílios)."