Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Roberto Cordeiro

INTERESSE P?BLICO

"Ministro prorroga prazo para sugestões", copyright O Estado de S. Paulo, 20/7/01

"O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, prorrogou por mais 30 dias o prazo da consulta pública do anteprojeto de Lei de Radiodifusão. A portaria sobre o adiamento será publicada hoje no Diário Oficial da União. A decisão levou os grupos empresariais a reverem as sugestões que enviariam ao ministério.

Em nota oficial, o ministro informou que o fato de o anteprojeto ter recebido, até ontem, cerca de 180 sugestões, levou-o a decidir pela ampliação do prazo. ?É o alto grau de participação do cliente final do sistema de radiodifusão, o cidadão comum.?

A prorrogação do prazo para consulta pública levou os consultores das principais redes de televisão e emissoras de rádio a refazerem as análises dos documentos que seriam enviados ao ministério a título de contribuições.

A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) explicou que, por causa da ampliação no prazo, os advogados da entidade iriam dar continuidade aos estudos do anteprojeto.

O consultor de empresas de radiodifusão Luiz Eduardo Borgerth, que avalia o anteprojeto para um grupo formado pelo SBT, Record, Rede TV!, Bandeirantes, CNT e Cultura, explicou que a proposta submetida à consulta possui pontos que são conflitantes com a Constituição. Um deles é o artigo que trata da exibição de porcentual mínimo de dramaturgia a ser fixado pelo Ministério das Comunicações.

Borgerth acha que não há respaldo legal que obrigue as emissoras de televisão de levarem ao ar novelas, minisséries, peças teatrais ou filmes.

Segundo ele, se isso for aprovado pelo Congresso, as emissoras irão recorrer ao Poder Judiciário. O consultor também questiona o ?direito de antena? – horário que os partidos políticos têm para inserirem os programas político-partidários – e a fixação de porcentuais para publicidade. No primeiro caso, Borgerth sugere a criação de uma emissora de televisão pública para atender os interesses dos partidos. Ele acredita também que uma interferência na receita do setor de radiodifusão fere os princípios constitucionais. ?Esse projeto não serve. É malfeito tecnicamente?, disse.

?Ele nem sequer define o que é radiodifusão; deveriam pegar a Constituição e prepararem um texto coerente.?"

 

"Estilo ACM de volta à Radiofusão, copyright O Estado de S. Paulo, 22/7/01

"Em qualquer país civilizado, uma boa lei de radiodifusão deve alcançar dois objetivos essenciais. O primeiro deles é assegurar a democratização dos meios de comunicações, garantindo a todos os cidadãos o acesso à informação, ao entretenimento e à educação, como prevê a Constituição. O segundo é buscar a modernização da comunicação eletrônica de masssa, não apenas do ponto de vista tecnológico mas também político-administrativo. Tudo o mais é conseqüência desses dois alvos.

O anteprojeto ora em consulta pública no Ministério das Comunicações ignora, solenemente, ambos os objetivos. Com mudanças superficiais, perfunctórias, sobre a legislação vigente, a proposta foi concebida para agradar a maioria dos beneficiários do modelo anterior, cujas concessões foram obtidas, em sua maioria, por mera influência político-partidária.


O velho regime – Durante quase 40 anos, prevaleceu esse regime, em que competia ao ministro das Comunicações e ao presidente da República a outorga de concessões de rádio e TV aos amigos do poder, por critérios puramente politicos. Esses beneficiários têm sido, historicamente, representados pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que jamais condenou publicamente a ação entre amigos da distribuição de outorgas. Pelo contrário, sempre lutou e continua lutando para mantê-la.

Durante sua gestão como ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães usou essa prerrogativa à exaustão, distribuindo algumas centenas de concessões entre políticos e parlamentares, para assegurar, acima de tudo, a aprovação da emenda constitucional que ampliou de quatro para cinco anos o mandato de Sarney. Aliás, ainda hoje, quando indagado sobre o tema, ACM diz que apenas usou o poder que a lei lhe facultava, o que é absolutamente verdadeiro. Acrescenta, no entanto, que se consideraria incompetente como ministro se não utilizasse ao máximo essas vantagens em favor do governo a que servia, o que é típico de sua filosofia.


A luta de Serjão – Foi contra essa ação entre amigos que Fernando Henrique e Sérgio Motta ergueram suas bandeiras, ainda na campanha presidencial de 1994. E asseguro ao leitor que não há nesta referência nenhum saudosismo místico de Sérgio Motta. O fato conhecido de todos era que o ex-ministro tinha estilo e coragem únicos para enfrentar os interesses de politicos fisiológicos e seus lobbies poderosos.

Que estranha mudança de rumos num mesmo governo. E quando Pimenta da Veiga se apressa em dizer que a Lei Geral de Telecomunicações excluiu a radiodifusão de suas disposições, retirando-a do controle da Anatel, como se o modelo aprovado repudiasse a idéia de um único órgão regulador, o ministro mostra que não acompanhou o processo de reforma, nem leu a exposição de motivos que acompanhou o projeto de lei em 1997. A exclusão da radiodifusão foi apenas uma estratégia momentânea, ou seja, uma questão de método, de fazer primeiro o que era mais urgente e politicamente menos complexo, deixando para uma segunda etapa a reforma da comunicação eletrônica de massa.

Há hoje em todo o mundo um esforço de despolitização, tanto das funções regulatórias quanto do poder concedente, atribuindo tais prerrogativas preferencialmente a um organismo técnico, profissional, independente e muito menos vulnerável a interferências político-partidárias. Esse, sim, foi o modelo escolhido pelo Brasil no primeiro governo FHC. Mas Pimenta da Veiga sofisma, ao dizer que não está criando nenhuma agência nova. É claro, ele está apenas tentando ressuscitar um ministério que deveria desaparecer.

Afirmar também, como faz o ministro, que cabe hoje ao Legislativo, em última instância, dar concessões é algo risível, pois os congressistas jamais discutiram o mérito de qualquer nova outorga, limitando-se a homologar as novas licenças ou renovações, exatamente como elas lhes chegam às mãos vindas do Ministério das Comunicações.

Não é por acaso que a grande tendência mundial é concentrar numa única agência tanto as funções regulatórias, quanto a ação fiscalizadora e o poder de outorga de licenças. E esse é o único destino sério para a Anatel, qual seja, transformar-se na Agência Nacional de Comunicações (Anacom).


Baixaria continua – Um último ponto relevante, totalmente negligenciado pelo anteprojeto de Pimenta da Veiga, é o papel fundamental que cabe ao governo – por intermédio de uma Agência Reguladora e de um Conselho Nacional de Comunicações – zelando pelo conteúdo e pela qualidade dos programas, coibindo os abusos e estimulando as emissoras de rádio e TV a cumprir suas finalidades essenciais, que são:

informar, divertir, educar e promover a cidadania."

 

"Argumentos pouco convincentes", copyright O Estado de S. Paulo (editorial), 22/7/01

"Em longo artigo publicado em nossa edição de quinta-feira, 19 de julho, o ministro Pimenta da Veiga faz a defesa do seu anteprojeto de uma nova Lei de Radiodifusão, que está sendo submetido à consulta pública no site do Ministério das Comunicações, por um prazo que o ministro resolveu ampliar em um mês ?para que todas as sugestões possam ser encaminhadas, sem atropelo?. As sugestões poderiam estar sendo encaminhadas desde abril de 1999, quando o ministério abriu a discussão do tema, num seminário semi-secreto, ao qual a imprensa não teve acesso.

Agora, mesmo sabendo da quase impossibilidade prática de ser aprovada, ainda neste governo, uma Lei de Radiodifusão, por um Congresso muito mais preocupado com as eleições do ano que vem, o ministro acende um debate que dificilmente será para valer. Mesmo assim, vale participar dele, porque o tema é, sem dúvida, relevante.

Na defesa do seu anteprojeto, o ministro Pimenta da Veiga queixa-se de incompreensão quanto aos seus propósitos. E diz que está sendo criticado por dogmáticos de todos os tipos, inclusive por pessoas com interesses inconfessáveis. Eis uma postura que desmente, na prática, a intenção de receber de boa-fé quaisquer sugestões de alterações e de aproveitar, de fato, a consulta pública.

Como parece óbvio que um projeto de nova Lei de Radiodifusão deveria, hoje, partir da Anatel, e não do ministério, o ministro apóia-se no fato de a Lei Geral de Telecomunicações ter excluído expressamente a radiodifusão da competência regulatória da Anatel. E observa: ?Os ideólogos do atual modelo de telecomunicações preferiram não deixar com a Anatel, quando de sua criação, os serviços de radiodifusão.? Eis aí uma interpretação estranhamente distorcida. Vale recordar para os nossos leitores que a exclusão da radiodifusão daquele texto (artigo 206) ocorreu por duas razões.

Primeiro, porque telecomunicações e radiodifusão têm sido tradicionalmente tratadas no Brasil como áreas diferenciadas. Em segundo lugar, porque – como explica o jornalista Ethevaldo Siqueira, em sua coluna, nesta edição – a exclusão foi ?uma estratégia momentânea? que permitia ?fazer primeiro o que era mais urgente e politicamente menos complexo, deixando para uma segunda etapa a reforma da comunicação eletrônica de massa?.

Ora, isso não configurava nenhuma mudança do modelo, mas apenas uma definição de etapas, já que, mais de uma vez, publicamente, inclusive em solenidade no Palácio do Planalto, diante do presidente da República, o ex-ministro Sérgio Motta explicou que, após a aprovação da futura Lei da Comunicação Eletrônica de Massa, a Anatel passaria a englobar as duas grandes áreas (telecomunicações e radiodifusão), mudando seu nome para Agência Nacional de Comunicações (Anacom). Esse era o grande projeto, agora desfigurado.

Não é segredo para ninguém o esforço do ministro para reconquistar poder político para o Ministério das Comunicações. Assim, durante a discussão do projeto de lei, criou o Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust), pleiteou nos bastidores e conseguiu que a administração dos recursos desse fundo fosse transferida da Anatel para o ministério. Neste ano, esses recursos poderão chegar a R$ 1 bilhão. A partir de 2002, talvez dobrem.

Em seu artigo, o ministro faz uma retificação a um de nossos recentes comentários sobre a influência do interesse político nas concessões na área da radiodifusão, ao afirmar que ?o Ministério das Comunicações faz licitação pública, a título oneroso, e a outorga só se confirma se aprovada pelo Congresso Nacional?. E ironiza: ?Nesse aspecto, esquecem os apressados que a regra é constitucional.? Sim, é uma regra constitucional meramente formal, igual àquela que limita os juros a 12% ao ano. A apreciação pelo Congresso tem sido ato simbólico, sem profundidade, sem debate, sem análise mais acurada, até porque a licitação pública já vem pronta do ministério. Ao final de sua autodefesa, Pimenta da Veiga diz que, ?retiradas as ofensas pessoais? de que foi alvo, poucas são as questões verdadeiramente polêmicas no anteprojeto.

Não são poucas. Citamos a omissão total da questão do conteúdo e da qualidade da programação; a pobreza conceitual do projeto no tocante aos critérios de avaliação das emissoras; a questão do número de licenças ou concessões por pessoas físicas; sem falar de outros pontos, aos quais voltaremos em outro editorial."

    
    
              

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