Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Roberto Maciel

O POVO

"Ora, bolas", copyright O Povo, 4/5/03

"Futebol, sabe-se, é movido pela paixão do torcedor. Paixão que, não raro, subjuga a razão e dificulta o entendimento do que às vezes está absolutamente cristalino. Freqüentemente recebo manifestações de leitores-torcedores questionando a cobertura esportiva do O Povo. Eles centram críticas no noticiário sobre os times locais, mas normalmente não envolvem cobranças de eqüidistância, isenção ou outros postulados da imprensa. Tratam, na maioria, de mágoas quanto a notícias com aspectos negativos de seu time. Importante destacar: jornalismo não subentende paixões. Se há algo errado com um clube, se o fornecimento de energia elétrica é cortado, se seus jogadores são mal alimentados ou se metem em farras que comprometem a equipe em campo e geram crises administrativas, danem-se as paixões. Os fatos existem e devem ser registrados. E que sejam vistos pelas torcidas como instrumentos de pressão sobre a direção do clube contra a adversidade. Pelo menos. Mas isso nem sempre ocorre.

Há uma corrente que protesta mais. São alguns torcedores do Ceará. Um dos argumentos que têm é o de que o vice-presidente do O Povo, José Raymundo Costa, presidiu o Fortaleza e é conselheiro do clube. Isso, acham eles, indica que O Povo é tricolor. Chegou-se a protestar sobre uma página com notícias sobre o Fortaleza impressa em preto e branco (?Foi para provocar a gente?); ou a reclamar que ?um pequeno grupo dentro do jornal? ?planeja atitudes? que prejudicam o Ceará. Curioso observar que torcedores do Fortaleza também têm seus queixumes. Inclusive sobre impressão, só que no sentido inverso (?Colocaram as matérias do Fortaleza numa página em preto e branco só para provocar a gente?). A lógica recomenda cautela com esse tipo de queixa. Primeiro, por análises como a de que José Raymundo Costa interfere na cobertura esportiva, totalmente equivocadas e, por isso, desairosas à honra dele e dos profissionais que atuam na Redação. Depois, porque, como escrevi acima, a notícia existe, negativa ou positiva, e sua publicação independe do sentimento de um ou outro torcedor.

Assim como outros setores do jornal, a editoria de Esportes tem falhas. E também tem virtudes – uma é a capacidade de aprofundar temas, o olhar atento às entrelinhas do discurso oficial. O caso da evasão de renda é exemplar. Presta-se, nessa cobertura, um serviço público essencial. Tanto que nenhuma voz, entre as que tanto clamam contra o que chamam de ?notícias negativas?, se fez ouvir em uma hipotética análise de que isso poderia ser ruim porque depõe contra o futebol cearense. Nem poderia. Aceitou-se aí o que havia de mais límpido: a isenção.

Memória fraca

O Povo publicou no último dia 26, sábado, matéria sobre a recuperação da estátua do historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853-1927). No feriadão da Semana Santa, a estátua havia sido roubada da praça da Lagoinha, no Centro, e estava prestes a ser vendida como sucata pelos ladrões. No texto, foi explicado como se deu a localização, mas fez-se ironia em comparações indevidas. Foram usados termos como ?seqüestro?, para se referir ao roubo; ?guardando o cativeiro?, para definir a função de um dos acusados; e ?habitante ilustre?, em relação à condição da estátua na praça. Tudo errado. Não houve seqüestro, mas furto e vandalismo; ninguém guardava cativeiro, porque no local não estava preso ninguém; estátua não habita local nenhum.

A memória do Ceará já não é muito respeitada, por isso é louvável qualquer iniciativa, pública ou privada, que se tenha para preservá-la. Assim como são deploráveis equívocos como o do O Povo – que sempre tem se posicionado em defesa do patrimônio público e da História. A imagem de Capistrano de Abreu – que mergulhou em pesquisas etnográficas e lingüísticas e traduziu estudiosos do falar indígena, que buscou nos sertões documentos sobre a identidade nacional e que concluiu terem sido os espanhóis os primeiros europeus a chegarem ao Brasil – não merece ironia. Aliás, de ironia bastava a própria estátua. Capistrano rejeitava homenagens do gênero que compreende as estátuas. Para contrariar bajuladores, protagonizou episódios exercendo o legítimo direito de ser intransigente. Morreu, mas não foi entendido.

A notícia na UTI…

O Povo levou um furo quarta-feira passada. Deixou de informar que a Polícia Federal passaria a investigar as mortes por falta de UTI. O ?Diário do Nordeste? e ?O Estado? deram a notícia como principal manchete. Furo é uma circunstância da qual jornal nenhum está livre, admita-se. O problema é que O Povo puxou o fio dessa meada, deu a devida exposição à crise.

… E a classe médica na UTI

Ainda na quarta-feira, em entrevista a O Povo, o médico Joel Isidoro Costa, auditor da Célula de Atenção Terciária da Coordenação de Vigilância, Avaliação e Controle da Secretaria da Saúde do Estado e diretor da Sociedade Cearense de Terapia Intensiva, fez uma afirmação aterradora: ?Uma coisa que precisa ser dita é sobre o uso equivocado de leitos de UTIs. Vamos fazer um fórum para esclarecer à classe médica o que é UTI, o que é um leito de UTI e a quem se destina o leito de UTI. Porque é flagrante o desconhecimento de terapia intensiva entre a população e entre os médicos?. Se os médicos, segundo um especialista, não sabem ?o que é um leito de UTI e a quem se destina o leito de UTI?, quem haverá de saber? O Povo deveria ter buscado respostas com as entidades representativas da categoria – que, por sinal, silenciaram. Não foi.

Semana da comunicação

A convite do professor Demétrio Andrade, quarta-feira próxima participarei da Semana da Comunicação da Faculdades Integradas do Ceará (FIC), no campus Via Corpus, falando sobre a atividade de ombudsman em um painel sobre imprensa sindical. Será às 20 horas."