Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Roberto Maciel

O POVO

"A casa do sem jeito", copyright O Povo, 16/11/03

"A imprensa tem imensa dificuldade para tratar de assuntos do Poder Judiciário. A constatação não é só minha. O ombudsman do O Povo, o jornalista Lira Neto fez observação semelhante, em coluna no dia 9 de fevereiro de 1998. Veja parte do que registrou Lira naquela segunda-feira: ?Jornais e jornalistas preferem não meter o bedelho em relação a denúncias de irregularidades contra representantes do mundo jurídico. Fazem de conta que não é com eles. Fogem de togas e da corte como o diabo foge da cruz. Às vésperas do Terceiro Milênio, somos ainda um país de bacharéis, uma terra onde ainda prevalece a cultura do ?sim senhor, meretíssimo (sic). Uns por precaução, outros por rabo preso, jornais e jornalistas se pelam de medo do Judiciário. Daí que as críticas a representantes daquele Poder só ganham as páginas dos jornais quando a coisa já deu muito na vista?.

Pois bem, já no Terceiro Milênio temos nova chance de confirmar isso. Não me refiro à Operação Anaconda, que apura ações escusas atribuídas a juízes e policiais federais ? esta já na casa do ?quando a coisa já deu muito na vista? ?, mas à pesquisa encomendada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que aponta o Judiciário como a segunda instituição menos confiável do País, só perdendo para o sempre desgastado Congresso Nacional. Terça-feira, O Povo noticiou a pesquisa ? o Diário do Nordeste nem a citou ?, mas não fez o menor gesto para trazer o debate para a cena local. Advogados, em plena campanha eleitoral para a seção cearense da OAB, não foram chamados a opinar. O Ministério Público não foi ouvido. O Tribunal de Justiça do Estado, recentemente obrigado pelo Superior Tribunal de Justiça a reintegrar os desembargadores Ernani Barreira e Edmilson Cruz e o juiz Antonio Carlos Sá da Silveira, antes afastados sob suspeita de irregularidades, foi brindado com silêncio.

Difícil justificar omissões assim. Afinal, tanto descrédito é de deixar apreensivos os cidadãos cientes de que nos tribunais se deve fazer a aplicação e a defesa das leis. Depois, porque existem ações como o Observatório do Judiciário, criado no Ceará por entidades não-governamentais, que indicam a disposição da sociedade de aprimorar as instâncias da Justiça por intermédio da fiscalização e da cobrança. Por fim, porque cresce o clamor social por uma reforma do Judiciário. Das bases à cúpula. Deve-se, contudo, ter como exceção o artigo ?Espelho arranhado?, do jornalista Luís Henrique Campos, publicado quinta-feira. Nele, uma rara manifestação crítica ? mas ainda pequena diante da dimensão do que pesquisas como aquela tendem a causar.

Passos adiante

A imprensa tem entre suas missões uma que é vital para a democracia: estimular e servir de fórum para a sociedade debater questões que a tocam profundamente. Sobre essa tarefa sustentam-se o princípio e o fim de conceitos relativos aos direitos civis. Afinal, alinhando e comparando idéias e análises sobre diversos temas, torna possível que se faça valer o interesse coletivo. Quarta-feira, como se numa contramão do comportamento que teve em relação ao Judiciário, O Povo mostrou como esse papel deve ser desempenhado, tratando com equilíbrio aspectos referentes à aprovação pela Assembléia Legislativa do aumento da alíquota do ICMS para vários itens, entre os quais gasolina, energia elétrica e telecomunicações. E, como instituição, assumiu uma posição firme sobre o assunto, com o Editorial ?Do ICMS ao direito pluralista?.

Sobre a decisão dos deputados, que acataram proposta do Governo Estadual, vale reproduzir trecho do Editorial: ?A escolha foi bem clara: depositou-se nas costas da sociedade o ônus do aumento da carga tributária sob a alegação de que se está extraindo dos ricos para se dar aos pobres (…). Só que vai gerar efeitos exatamente opostos: fragilizar ainda mais as fontes geradoras de emprego para a mão-de-obra ociosa e de receitas para os cofres públicos. Ou seja: haverá menos postos de trabalho e menos dinheiro para investimento social, levando de quebra a fragilização das empresas?.

Outra passagem também merece destaque. Remete-nos à necessidade de o cidadão fortalecer meios de pressão sobre o poder público ? qualquer que seja a instância administrativa a exercê-lo. ?Como canal de expressão e de elevação da consciência crítica do cidadão, cumprimos com (sic) o nosso dever. Estamos, por isso, de alma limpa. Resta torcer agora para que a sociedade não se deixe abater por esse revés e possa pouco a pouco aprimorar os mecanismos de sua representação. A melhor forma de se obter isso, como temos tantas vezes insistido, é desenvolver meios institucionais de participação do cidadão na gestão da coisa pública, ampliando os canais de expressão e de participação da sociedade organizada na esfera deliberativa, complementando o papel do Executivo e do Legislativo (…)?. Fica o exemplo. Até mesmo para o próprio O Povo.

No seio do exagero

Um bustiê ? componente do vestuário feminino ? feito de ouro e pedrarias por uma joalheria suíça, e que custaria US$ 10 milhões, foi objeto de uma overdose de notas e fotos no O Povo. A peça, literalmente cinematográfica ? foi adereço do filme ?Femme Fatale? ?, gerou notas nos dias 1? de fevereiro, na coluna De Olho no Dinheiro, assinada pelo jornalista Narazeno Albuquerque, e 2 e 6 deste mês, na coluna Sonia Pinheiro e no caderno Buchicho, respectivamente. Fotografias deram o ar da graça em 30 e 31 de outubro, no Buchicho e na coluna do Vida & Arte, com simpáticas legendas. Outras fotos se alternaram nos mesmos espaços em 5, 9 e 11 últimos. Importante observar: a empresa que apresentou o bustiê no Brasil, a Collection Jóias, anuncia no Buchicho e, habitualmente, junto a colunas sociais. E não raro ocupa outras seções, como a coluna Vertical S.A., na qual foi citada na semana passada."