Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Roberto Mangabeira Unger

JORNALISMO BRASILEIRO

"A tarefa do jornalismo brasileiro", copyright Folha de S. Paulo, 1/01/02

"Aos jornalistas, num dia em que talvez só eles leiam jornal, dedico essa reflexão sumária acerca do presente e do futuro do jornalismo brasileiro.

Nossa imprensa continua constrangida por três forças: o controle exercido por dinastias empresariais preocupadas em manter boas relações com os detentores do poder, a precariedade das empresas jornalísticas, quase sempre encalacradas e sedentas de dinheiro, e, para a imprensa escrita, a estreiteza do meio social a que se dirige, parte reduzida da população adulta do país.

Dentro dessas limitações, o jornalismo brasileiro espelha os talentos e as debilidades da nação. Nossos jornais são cheios de vida. E temos alguns jornalistas quase geniais que desvendam um pouco desse país escondido de si mesmo que é o Brasil.

Sofre, porém, o jornalismo brasileiro de três defeitos que negam ao país um meio indispensável de autoconhecimento e libertação. O primeiro defeito é o triunfo das opiniões sobre as informações. Os jornais brasileiros estão repletos das opiniões de jornalistas que têm pouco a dizer. Opiniões são baratas e, em geral, valem o que custam.

O segundo defeito, a contrapartida do primeiro, é a pobreza e a inconfiabilidade das informações. A maior parte do que se publica como informação relata ou fantasia as conversas e as conspirações dos membros vitalícios de um pequeno clube de pessoas que só morrem politicamente quando morrem fisicamente. Difícil, ao ler nossos jornais, chegar a qualquer conclusão a respeito de fatos decisivos. Por exemplo, paga o governo ao menos os juros de sua dívida ou toma cada vez mais emprestado para não pagar a maior parte, adiando, calamitosamente, o dia do acerto? Ainda mais difícil saber o que está mudando, ou deixando de mudar, na sociedade brasileira. No lugar das informações, primam as colunas de fofocas políticas, em que fatos, invenções e intrigas se confundem e o jornalista se reduz a mensageiro maledicente do clube, debochando dos outros para aliviar o apequenamento de si mesmo.

O terceiro defeito, embora comum no jornalismo mundial, é intolerável numa democracia como a nossa que precisa de uma imprensa que seja melhor do que ela. Quem, como o jornalista, observa a luta sem poder lutar, conhece os defeitos dos lutadores melhor do que seus ideais. Trata os operadores do sistema como aproveitadores e os inimigos do sistema como aventureiros. Do distanciamento irônico e passivo nascem a descrença e o fatalismo. Para combatê-los é preciso cultivar a imaginação disciplinada. Só ela nos deixa ver mais possibilidade e portanto mais realidade: só compreendemos o que existe à luz do que pode vir a ser.

Essa crítica indica o rumo de um jornalismo que sirva ao Brasil. Privilegiará a informação, representando-a de muitos ângulos diferentes e chegando, graças à multiplicação dessas perspectivas, a uma verdade mais completa. Tratará os poderosos como as figuras efêmeras que são. Revelará ao país sua variedade oculta e os fatos sociais e econômicos de que dependam seu futuro. Sacrificará o prazer de opinar ao esforço para entender. Aprofundará a compreensão do existente ampliando a visão do possível.

A leitura do jornal, escreveu Hegel, é a oração matinal do realista. Numa democracia precisa ser também uma profissão de fé no nosso poder coletivo de mudar o mundo."

 

PROPAGANDA ELEITORAL

"Lei vai restringir acesso dos partidos à televisão em 2003", copyright Folha de S. Paulo, 2/01/02

"Apenas sete partidos devem continuar a ter acesso a longos programas semestrais de TV e inserções comerciais a partir de 2003. Segundo interpretação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a lei 9.096, que regula o assunto, acaba com a figura dos partidos intermediários depois da eleição de 2002. Haverá apenas as legendas grandes e as nanicas.

Hoje, existem sete partidos grandes (PSDB, PFL, PMDB, PT, PPB, PDT e PTB) com programas de 20 minutos por semestre em rede nacional, além de 40 minutos em pequenas inserções televisivas, também em rede nacional. Tudo isso se repete a cada seis meses nas redes estaduais de TV.

Outros três partidos médios (PSB, PL e PC do B) têm direito à metade do tempo na televisão dos grandes em rede nacional: um programa semestral de 10 minutos e 20 minutos em pequenas inserções. Os comerciais são repetidos também em redes estaduais.

As outras 20 legendas com registro na Justiça Eleitoral -inclusive o PPS (Partido Popular Socialista) do presidenciável Ciro Gomes- só têm direito a um programa de dois minutos por semestre em rede nacional.

A partir de 2003, se o desempenho dos partidos na eleição para a Câmara dos Deputados em 2002 for semelhante ao de 1998, acaba a categoria intermediária. Só haverá os sete grandes com bom tempo de TV. Os outros 23 partidos ficarão na categoria de nanicos, com direito a apenas dois minutos semestrais na televisão.

5% dos votos

A lei 9.096 impõe duas condições para que as siglas tenham o tempo máximo na televisão. Os partidos que desejarem amplo acesso à TV a partir de 2003 devem ter o seguinte desempenho na eleição de 2002:

1) obter pelo menos 5% dos votos para deputados federais no país inteiro;

2) obter 2% dos votos para deputados federais em, no mínimo, nove unidades da Federação.

É necessário cumprir as duas exigências. Embora possa parecer que obter os 2% dos votos em nove Estados (ou oito Estados e no Distrito Federal) seja suficiente, esse raciocínio está errado.

Há Estados com um número muito pequeno de eleitores. Conseguir 2% dos votos para deputados em nove unidades da Federação, portanto, pode não ser suficiente para obter 5% dos votos totais do país para os representantes da Câmara dos Deputados.

A lei 9.096 é de 1995. Sua redação é ambígua e muitos partidos médios imaginavam que o TSE poderia interpretar o texto de outra maneira. ?No nosso entendimento, essa cláusula valeria apenas para a eleição de 2006?, diz o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), principal nome do seu partido na Câmara.

Uma consulta feita pelo PL, entretanto, dissipou as dúvidas. No dia 5 de outubro, o TSE respondeu que os partidos médios beneficiados pelo inciso III do artigo 57 da lei 9.096 não terão mais o privilégio de receber um tempo na TV diferente do concedido às siglas nanicas.

Fim dos partidos médios

Ou seja, com isso acaba a figura do partido intermediário, que tinha cerca de metade do tempo de televisão dos partidos grandes. A partir de 2003, a legenda que não se enquadrar, obtendo o mínimo de votos necessário para a Câmara dos Deputados, passará a ser tratada como nanica.

Ao observar o desempenho dos partidos na eleição de 1998, é possível verificar que nem todos os sete partidos grandes estão em posição confortável.

Na realidade, só existem cinco partidos nacionais aparentemente consolidados. Eles obtiveram mais de 10% dos votos para deputados federais no país em 1998. São os seguintes: o PSDB (17,54% dos votos); o PFL (17,31%); o PMDB (15,17%); o PT (13,19%) e o PPB (11,34%).

As bancadas eleitas por cada um desses partidos não corresponde exatamente às votações obtidas, porque a distribuição das vagas na Câmara não é inteiramente proporcional às populações dos Estados. O PFL elegeu o maior número de deputados (105, ou 20,5% dos 513 deputados), seguido do PSDB (99, ou 19,3%), PMDB (83, ou 16,2%), PPB (60, ou 11,7%) e PT (59, ou 11,5%).

Os dois últimos partidos da lista dos sete grandes estão em situação menos confortável, pois estão próximos da barreira dos 5%. O PDT teve 5,67% dos votos e elegeu 25 deputados. O PTB marcou 5,66% e elegeu 31 deputados. As siglas logo abaixo podem ameaçar esses partidos em 2002.

PSB, PL, PPS

O PSB, que teve 3,41% dos votos em 1998, pode ter um candidato próprio a presidente da República (o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho), o que o ajudaria a garantir um incremento na sua votação total à Câmara.

O PL e o PPS também desejam ascender, cada um com uma estratégia própria.

O PL teve apenas 2,47% dos votos para deputado federal em 1998. Elegeu 12 deputados, mas já está com 24, na base da cooptação. Além disso, o senador José Alencar (PL-MG) é comumente citado em Brasília como possível candidato a vice-presidente na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002.

O PPS deve ter novamente Ciro Gomes como candidato a presidente da República. Em 1998, Ciro obteve 11,0% dos votos na disputa pelo Palácio do Planalto, mas o desempenho da sigla para a Câmara foi ruim: a legenda obteve apenas 1,31% dos votos e elegeu apenas três deputados federais.

Em 2002, o PPS espera alcançar um desempenho melhor. A sigla inflou para 13 deputados quando a candidatura de Ciro Gomes estava em alta. A expectativa da direção partidária é que esses parlamentares se esforcem para retornar a Brasília, aumentando assim o percentual de votos da legenda."