Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Roberto Pompeu de Toledo


“Moralista! Eis ofensa pior do que xingar a mãe. Desde 1968, ser classificado de moralista, em especial em assuntos sexuais, é ser atingido pela ignomínia. O sexo virou tabu – não porque não se possa falar nele, nem porque não se possa praticá-lo nas modalidades que fogem às mais ortodoxas, mas, ao contrário, porque é imprescindível falar nele, alardeá-lo o mais possível, escancará-lo no cinema, nas letras de música, nas revistas e na TV, e incentivar a sua prática seja em que modalidade for, homo ou hetero, por cima ou por baixo, sozinho ou acompanhado – é tudo normal, normalíssimo, reza a cartilha do nosso tempo. Sexo virou tabu ao contrário. É proibido proibir. Tentar conter seus sagrados impulsos é coisa de velho, atrasado, ‘careta’. É repressão. Censura.

É bem possível que tal atitude, presente mais ou menos no mundo todo, mas talvez em parte alguma como no Brasil, terra inzoneira, de sol tropical e Carnaval, onde à ardência da carne corresponde uma festiva filosofia do deixa estar, deixa fazer, tenha relação com certos atributos muito típicos do presente panorama brasileiro. Somos um dos campeões mundiais de prostituição infantil. Transformamo-nos numa das mecas do turismo sexual. Somos um dos maiores, talvez o maior, exportadores mundiais de travestis. Ocupamos lugar de destaque nas estatísticas de incidência da Aids. Enfim, apresentamos números de embasbacar em matéria de gravidez na adolescência. Setecentas mil meninas entre 10 e 19 anos deram à luz no ano passado em hospitais do SUS, segundo o Ministério da Saúde. Dessas, 32.mil tinham entre 10 e 14 anos. Não entram nesses totais as que recorreram a hospitais particulares ou clínicas clandestinas.

A gravidez na adolescência é o tema de uma campanha de prevenção lançada na semana passada pelo Ministério da Saúde. Na ocasião, o ministro José Serra causou rebuliço ao sugerir que o exemplo da apresentadora Xuxa, orgulhosa protagonista de uma ‘produção independente’, como se diz – a opção de criar filhos sozinha, sem marido -, pode ter exercido influência nociva sobre as meninas. Xuxa respondeu que ninguém tem nada com sua vida, que não lhe faltam recursos para criar a filha, que mau exemplo dão os políticos etc., mas a referência à apresentadora, tenha-a feito o ministro de caso pensado ou não, foi providencial. Tudo tem de passar pelo show no Brasil. Sem a polêmica com a famosa loura da TV, a campanha contra a gravidez precoce teria passado despercebida.

A referência a Xuxa, além de providencial, é pertinente. Ela é pioneira nesse fenômeno tão característico do Brasil de hoje que é a erotização das crianças. Faz anos que, consciente ou inconscientemente, lhes dá aulas de sedução. Outras a seguiram na TV, entre louras que a imitam e reboladoras profissionais, mas Xuxa detém a palma do pioneirismo. Merece ser considerada um símbolo da permissividade da televisão brasileira. Junte-se a essa qualidade a da sacerdotisa do consumo que sempre foi, com a especialidade de dirigir sua pregação às crianças, e chega-se à conclusão de que as campanhas contra os efeitos perniciosos da TV, ao centrar fogo contra Ratinho, como têm feito ultimamente, talvez estejam incorrendo numa injustiça. Afinal, Ratinho não se dirige ao público infantil.

Ressalve-se em favor de Xuxa que ela só existe em função de um contexto. O contexto é uma televisão sem freios, só comércio e busca de audiência, mais voltada para a formação de consumidores que de seres humanos. Ressalve-se igualmente que a TV – e a mídia em geral – não é a causa profunda de tragédias brasileiras como a prostituição infantil e a gravidez precoce. A causa profunda é a pobreza e a ignorância. O que a mídia faz – e não é pouco – é ampliá-las, ao propagar comportamentos e valores para os quais crianças e jovens não estão amadurecidos e tratá-los não só como naturais mas mitificá-los como próprios de uma vida solta, prazerosa e ‘moderna’.

É aí que entram a gravidez e a maternidade de Xuxa. Grávida e, depois, jovem mãe, ela virou a grávida e a jovem mãe mais celebrada do país, por efeito do conluio de interesses entre uma mídia tão sequiosa dela quanto ela da mídia. Quando Xuxa diz que ninguém tem nada a ver com suas opções pessoais tem razão. Ninguém tem nada a ver com uma produção independente quando a produtora é pessoa adulta e capaz de sustentar o produto. O problema é expor essa opção na vitrina e revesti-la de glamour.

O contraste entre a vitrina e a vida real, neste país onde não se vê nada de mais em ensinar às crianças a dança da garrafa, é imenso. Com Xuxa, assim como nas novelas, outra área da televisão onde o sexo é livre como o vento, natural como o ar que se respira, tudo é bonito e acaba bem. Na vida real as mães adolescentes têm a saúde debilitada, abandonam a escola, geram bebês malformados, trazem um encargo a mais à família – quando há família – e agravam a própria pobreza. O contrastre entre a vitrina e a vida real torna o Brasil ainda mais miserável.”

“Glamour e miséria no país onde tudo pode”, copyright Veja, 15/8/99

 

The New York Times

“Nova York – As crianças com menos de 2 anos não devem assistir à televisão, as mais velhas não devem ter um aparelho de TV no quarto e os pediatras deveriam fazer os pais preencherem um ‘histórico de mídia’ com os dados sobre a saúde de seus filhos quando visitam o consultório. Essas dicas são da Academia Americana de Pediatria, que acaba de divulgar, pela primeira vez, sugestões para pais e pediatras relacionadas à TV.

Afirmando que o hábito de assistir à televisão pode afetar a saúde mental, social e física das crianças, a academia traçou um plano, segundo o qual pediatras e pais poderão lidar com a TV. ‘Como pediatras, estamos considerando todas as preocupações e tentando aprimorar os cuidados, com sugestões para a melhor criação possível dos filhos’, declarou a médica Marjorie Hogan, principal autora do relatório, publicado no último número da revista Pediatrics.

Não foi feita nenhuma pesquisa conclusiva sobre como o hábito de assistir à TV afeta crianças com menos de 2 anos, segundo afirmou Hogan. Mas a academia baseou suas recomendações no conhecimento sobre o que as crianças necessitam para que seu cérebro se desenvolva de forma adequada – sobretudo a interação com pessoas mais velhas. Também se inspirou na noção de que, se estiverem assistindo à TV, não estarão recebendo outros estímulos essenciais.

A violência vista nos filmes e na TV tem sido associada ao comportamento violento dos jovens em estudos realizados pela Associação Médica Americana, Associação Psicológica Americana, Academia Americana de Psiquiatria Infantil e de Adolescentes e Instituto Nacional de Saúde Mental.

Por isso, os autores do estudo afirmam que a influência da mídia de massa é motivo de grande preocupação de saúde pública. ‘Uma bala no corpo é uma questão de saúde física. Crianças que passam muito tempo na frente da TV tendem a engordar: isso também é uma questão de saúde física’, afirma Miriam Bar-on, presidente da Comissão de Educação Pública da Academia, que escreveu as recomendações. A academia está distribuindo a seus membros uma lista de checagem do ‘histórico de mídia’. E inclui perguntas sobre cinema, vídeo, jogos de computador, Internet, rádio e livros.

(…) Para incentivar esses debates, sugere-se que os aparelhos de TV e computadores não fiquem no quarto das crianças, mas em salas comuns, onde os pais possam acompanhar e controlar o uso desses equipamentos. (…)”

“Pediatras garantem que TV prejudica criança”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/8/99