Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Rolha no rádio e TV só faz bem aos políticos

COBERTURA SEM OPINIÃO

Luiz Weis (*)

O âncora Boris Casoy tapou a boca, literalmente, no Jornal da Record de terça-feira da semana passada, e a colunista Dora Kramer pôs a boca no mundo, metaforicamente, no Estadão e no JB de sábado último, para protestar contra a determinação da Justiça Eleitoral, baseada em lei aprovada pelo Congresso em 1997 e em vigor desde o começo do mês, que proíbe jornalistas de exprimir suas opiniões, nos noticiários de rádio e TV, sobre os ditos e feitos dos candidatos a todo e qualquer mandato eletivo em disputa este ano.

O gesto de Boris foi seguido de uma explicação para o espectador ficar sabendo da censura prévia imposta ao jornalismo eletrônico. O texto de Dora, de seu lado, alerta o leitor para outra "excrescência", como diz ela muito bem, dessa mesma legislação: a que obriga os telejornais e rádiojornais a dar tratamento igual a candidatos gigantes e nanicos.

Essas foram as únicas manifestações públicas de inconformidade de que este jornalista tem conhecimento, com esse democratismo que faz picadinho da liberdade de manifestação de pensamento, consagrada no sempre citado artigo 5? da Constituição, que abre o capítulo da Carta que trata dos "direitos e deveres individuais e coletivos".

Demagogia e terrorismo

Desculpas antecipadas se o autor estiver errado, mas não se recorda de ter visto qualquer pronunciamento da Associação Brasileira da Imprensa ou da Federação Nacional dos Jornalistas contrários à mordaça.

E isso em um país onde o rádio e a TV são as fontes primárias ou exclusivas de informação de 9 em 10 cidadãos.

Tamanha a aceitação caprina de uma violência que golpeia principalmente um direito essencial da sociedade ? direito que obviamente não se limita ao acesso aos fatos, mas inclui o acesso à pluralidade de análises e juízos de valor sobre o que significam; tamanho o silêncio ensurdecedor da classe jornalística e das entidades que falam por ela sobre a enormidade, que até o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, duvidava que essa rolha existisse.

É o que informa Dora Kramer. "Confrontado com o assunto, o ministro inclusive custa a acreditar que a norma legal explicite mesmo essa restrição", escreveu ela. "Mas está lá, no inciso 3 do artigo 19 da instrução 57, baixada pelo TSE com base na Lei 9.504, aprovada pelo Congresso em 1997."

Salvo melhor juízo, a conivência envergonhada ou o apoio explícito dos jornalistas a essa modalidade de censura se explica essencialmente pelo fato de que, sabendo por experiência própria como se fazem as notícias e as salsichas, acreditam piamente que a mídia eletrônica, deixada leve, livre e solta durante a temporada eleitoral, tratará a pão-de-ló o(s) candidato(s) do "sistema" e a pão e água o(s) da oposição.

Essa premissa supõe, por exemplo, que Lula levaria bordoadas no ar por defender que os presidentes das empresas e bancos estatais deveriam ser eleitos pelas respectivas corporações, entre os seus membros ? o que cheira a demagogia. Mas Serra não tomaria nenhum cascudo por dizer que o PT, quando admite a possibilidade de "reestruturação da dívida", está usando um eufemismo para calote ? o que cheira a terrorismo.

Céu e inferno

Sabe-se também que existem, no rádio e na TV, figuras venais de grande audiência, que vendem a sua mercadoria ? comentários sob medida sobre a vida pública e seus personagens ? a quem melhor lhes pagar, sempre que esse comércio puder ser praticado. E venderão com tanto mais gosto e esforço de persuasão quanto maior a afinidade ideológica entre eles e os seus pagantes. Hipoteticamente falando, só para ilustrar, esses tipos prefeririam ser comprados antes por um Maluf do que por um Lula.

Jornalistas há para quem a censura eleitoral é um mal menor perto dos efeitos anti-democráticos da oligarquização da propriedade das concessões de rádio e TV em grandes e atrasadas áreas do País onde o patrimonialismo ainda dá as cartas. A lei da rolha, portanto, seria um remédio ? amargo porém necessário ? contra o chamado "coronelismo eletrônico". Porque, se os seus porta-vozes nas emissoras fossem livres para dizer, o tempo todo, o que convém ao baronato que os emprega, contribuiriam decisivamente para perpetuar o poder dos clãs regionais, os Sarneys e os ACMs da vida, por sinal mencionados por Dora Kramer.

Sim; em termos; e não, é o caso de contrapor. Sim para o jornalismo marrom no rádio e TV e sim para a deformação oligárquica da informação política. Sim, em termos, para a presumível tendência governista dos donos das grandes redes, porque, apesar disso e da monumental concentração do poder de influir no país em mãos da Globo, ela não é boba de imaginar que o eleitor de 2002 o seja.

É de duvidar que, se os apresentadores, âncoras e comentaristas do Sistema Globo pudessem opinar sobre as idéias, decisões e desempenho dos candidatos ao Planalto, eles se entregariam ao esporte de demonizar os do PT e do PPS/PDT/PTB e pôr nas nuvens o do PSDB/PMDB.

Os limites da lei

Não obstante toda a sua formidável hegemonia, a Globo sabe que hoje o nome do jogo é credibilidade. E tanto sabe que, pela primeira vez, o Jornal Nacional vai abrir o seu cobiçado espaço para todos os candidatos, que serão entrevistados, mais de uma vez e separadamente, ao longo da campanha.

E não ? a censura não é um mal menor, mas um mal maior ? porque a própria legislação ainda mais com a bem-vinda entrada em cena de um ombudsman da Justiça, fornece um instrumento eficaz para frear qualquer facciosismo travestido de jornalismo levado ao ar. O instrumento se chama direito de resposta, "proporcional ao agravo", como diz o texto constitucional.

Ou seja, se "todo candidato ofendido tem o direito de responder ao ofensor, poucas horas após a agressão", como diz o ministro Fernando Neves, relator no TSE das instruções para o pleito deste ano, esse direito poderia perfeitamente bem valer não só quando o "ofensor" é outro candidato, mas quando é um jornalista. E os jornalistas eletrônicos não deixariam de levar em conta que existe algo mais do que o direito de resposta: "indenização por dano material, moral ou à imagem", como se lê na Carta.

Abusos, é claro, seriam cometidos ainda assim e nem todos seriam reparados, porque nem sempre seria fácil separar com nitidez o que é crítica isenta e o que tem a intenção de ser crítica destrutiva. Mas aí sim se aplicaria a tese do mal menor. O mais importante ? a liberdade de expressão ? estaria preservado. Transgressões seriam inibidas pela pressão da sociedade e provavelmente neutralizadas pelo direito de resposta. E onde e quando nada disso funcionar, nos grotões eletrônicos, sempre haverá o derradeiro recurso de dar o troco no horário gratuito.

No caso desta campanha eleitoral, Inês é morta ? o que não deve impedir que radialistas e comentaristas televisivos honestos e inteligentes testem os limites da lei da rolha. Mas os jornalistas e os democratas têm a obrigação moral e política de trabalhar para que, nas próximas, os políticos percam esse bem-bom que se concederam de ficar acima da crítica.

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Salva de palmas para a Folha de S.Paulo. No dia 30/6, o jornal publicou a reportagem "Marta compra planta até 5 vezes mais cara". Quatro dias depois, não só deu uma coluna inteira, no Painel do Leitor, à íntegra da contestação apresentada pelo presidente da empresa da Prefeitura de São Paulo envolvida no caso, mas se retratou comme il faut: sob o título de página inteira "Marta não pagou mais por palmeiras" e o antetítulo "Reportagem da Folha de domingo errou ao afirmar que prefeitura gastou acima de preços do mercado", publicou matéria que desmente a anterior e ? melhor ainda ? explicou detalhadamente onde foi que errou da primeira vez. Por fim, para deixar tudo rigorosamente nos conformes estampou uma tabela explicativa, com direito ao texto "Entenda o erro de cotação". Beleza pura!

(*) Jornalista