Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Roteiro para cobrir a Lei Pelé

O jornalista Juca Kfouri, paladino de muitas campanhas para tirar o futebol brasileiro da equação clubes falidos/cartolas milionários, está preocupado com a tramitação da Lei Pelé. Em entrevista a Alberto Dines, relembra as Diretas Já, em 1984, e sugere que a reportagem de política tenha cautela com declarações de intenção de parlamentares que podem estar constrangidos em face do politicamente correto ou ocultando ligação com o lobby da CBF, instalado em Brasília num reduto que alguns chamam de “Casa de Ali Babá”.

Observatório – Que conselho você daria aos repórteres de política que vão acompanhar a tramitação da Lei Pelé no Congresso?

Juca Kfouri – Que desconfiem mais do que sempre das declaraçõotilde;es de intenção dos deputados que se disserem a favor do projeto de Pelé. Vai ser algo parecido com as Diretas Já. Poucos tinham coragem de se dizer contra e foi o que se viu. O lobby da CBF é poderoso.

Observatório – O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, declarou na festa dos sub-17 que a Lei Pelé é estatista. Você concorda com esta visão neoliberal?

Juca Kfouri – É claro que não. Estatista é a situação de hoje, com a União subsidiando o futebol, que não paga imposto de renda, nem o que recolhe de seus funcionários e atletas, que não paga a previdência, etc. O projeto quer, ao transformar os clubes em empresas, exatamente privatizar e profissionalizar o futebol. E quer fiscalizar, coisa que a cartolagem atual teme como o diabo à cruz.

Observatório – No início dos anos 80, você estava denunciando na velha Placar a máfia da Loteca. Houve depois a cruzada contra arbitragens. E nos últimos anos você concentrou o fogo na direção da CBF. Há alguma relação ou entrelaçamento entre estes focos de denúncias?

Juca Kfouri – Tudo faz parte de um mesmo jogo de corrupção que ganhou força exatamente nos anos 80, quando a cartolagem se deu conta do tamanho do negócio do futebol. Loteria, arbitragem, justiça esportiva, bingos, desrespeito a regulamentos, estádios vazios, êxodo de craques, tudo faz parte de um mesmo círculo vicioso que redunda em clubes falidos e cartolas milionários. Só não vê quem é acumpliciado – e não são poucos, infelizmente, os casos na imprensa – e os engraçadinhos que se querem fazer passar por “malditos”.

Observatório – O que aconteceu com os bingos? Será possível legalizar o jogo em benefício da Reforma Agrária, por exemplo?

Juca Kfouri – Os bingos foram tomados pelos intermediários. Os clubes terceirizaram seus bingos, sabe Deus a que preço de comissionamentos para os cartolas. E, com raríssimas exceções, o esporte não se beneficiou nem um pouco. Acho que jogo legalizado não é solução para nada em país de Terceiro Mundo. É fonte de prostituição, drogas e lavagem de dinheiro.

Observatório Você acha que o ministro Pelé tem todo o suporte político do governo FHC , considerando o início da temporada eleitoral, que fatalmente cruzará com a da Copa do Mundo?

Juca Kfouri – Acho que será uma batalha duríssima e que a tendência é de derrota do Pelé. Mas a base do governo parece sinceramente interessada em apoiá-lo, embora seja cedo ainda para dizer quais cálculos prevalecerão.

Observatório Você poderia indicar como funciona o lobby da CBF no Congresso? Quem são os homens-chave do esquemão Havelange e também quem são os parlamentares em quem os jornalistas podem confiar.

Juca Kfouri – A CBF alugou uma mansão em Brasília que já tem até apelido, dado pelos deputados que se recusam a freqüentá-la: Casa de Ali Babá. Os parlamentares mais visíveis são o eterno Eurico Miranda, vice-presidente do Vasco, Arnaldo Faria de Sá, ex-presidente da Portuguesa, Pedro Yves, ex-presidente do São José FC, Wigberto Tartuce, Zé Rocha, aquele que contratou jogadores com dinheiro do gabinete. O invisível é o esquema do ex-presidente José Sarney, fechado com a CBF.