Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Roteiro para discutir o ensino de jornalismo

Victor Gentilli

 

N

a edição passada deste OBSERVATÓRIO, o professor da Umesp José Salvador Faro, presidente da Intercom e membro da Comissão de Especialistas do MEC, apresentou um panorama dos desafios concretos que estão colocados para o ensino de Comunicação – Jornalismo.

No dia 10 de novembro, no OBSERVATÓRIO NA TV, o último bloco foi dedicado ao tema da formação dos jornalistas, com ênfase na exigência do diploma.

O debate é extenso e delicado, mas fundamental.

Assim que o MEC anunciou que os cursos de Jornalismo iriam ser avaliados pelo provão, este OBSERVATÓRIO abriu o debate sobre a questão. Nele tive a oportunidade de publicar um texto [ver remissão abaixo] claro e contundente com minhas opiniões acerca do ensino de Jornalismo.

Estamos às vésperas da divulgação dos resultados do provão, aplicado pela primeira vez em julho deste ano aos estudantes de Jornalismo. A discussão certamente retomará novo fôlego. Antes do resultado, apresento aqui uma espécie de roteiro para que não nos percamos no emaranhado de questões que envolvem o debate sobre o ensino de Jornalismo.

Obrigatoriedade do diploma

Eis aí um tema que parece inesgotável. Volta e meia reaparece. Pessoalmente sou contra a obrigatoriedade do diploma não apenas para jornalistas, mas para todas as profissões que não impliquem risco de vida. O jornalista Milton Coelho da Graça, no OBSERVATÓRIO NA TV, citou o caso da obrigatoriedade do diploma para bailarina. Cito o caso do advogado: há vários encarcerados que conhecem mais o Código Penal que muitos advogados.

Vale registrar: extinguir a obrigatoriedade do diploma não significa extinguir os cursos de Jornalismo. No próprio campo do que se entende por Comunicação, a atividade de publicitário não exige diploma. No entanto, é nos cursos que os empregadores vão procurar – e encontrar – os novos talentos.

Novas fábricas de diplomas

A questão da oferta de vagas no ensino superior também necessita uma discussão serena. O acesso ao ensino superior é hoje a mais importante forma de ascensão social no país. Isso é reconhecido até mesmo pelo ministro Paulo Renato Souza. Mesmo assim, apesar dos inegáveis avanços, o país ainda não encontrou alternativas de capacitação profissional, indispensáveis no mundo contemporâneo, mas fundamentais para que o país deixe de ter profissionais de nível superior.

Há mais de uma década que o ensino superior público praticamente não cresce e, portanto, não amplia a oferta de vagas gratuitas. Ampliar vagas, assim, é ampliar a oferta de ensino superior privado. Para que não tenhamos uma inflação de fábricas de diplomas (e de dinheiro), é necessário um rigoroso controle público. As entidades estudantis precisam estar atentas (sem corporativismos), a sociedade precisa acompanhar, o MEC precisa ser rigoroso. O chamado provão pode ser um entre tantos elementos de controle público do ensino.

Estágio

O estágio é uma das atividades fundamentais em quase todas as profissões para a indispensável transição entre a vida escolar e a vida profissional. A pura e simples proibição do estágio prejudica a todos. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), responsável maior pela proibição do estágio, há anos promete rever a situação, já discutiu infinitas vezes o problema, mas tudo permanece sempre igual. É evidente que o estágio não deve ser exploração de mão-de-obra barata, mas é fundamental que o futuro jornalista possa vivenciar na prática a realidade das redações.

Currículo mínimo e máximo

Sempre que o ensino de jornalismo é posto em questão, surge a idéia “genial” de rever o currículo. Hoje, temos um currículo mínimo (que na prática é máximo) fruto da reforma curricular de 1984. Há mais de dez anos, a nova Constituição permite autonomia para revisão curricular, mas ninguém se movimenta na área.

Os estudantes de Jornalismo que pretendem cobrir política em Brasília, culinária em São Paulo e problemas ambientais na Amazônia hoje são obrigados, na prática, a cursar as mesmas disciplinas.

Por outro lado economistas, sociólogos e tantos outros profissionais são impedidos legalmente de exercer a profissão de jornalistas. Entendo que cursos de especialização ou um currículo realmente mínimo que oferecesse as noções práticas e teóricas específicas do jornalismo seriam suficientes para habilitar esses profissionais para o exercício do jornalismo. Neste caso, as disciplinas cursadas na outra formação valeriam como disciplinas optativas.

O caminho já está traçado: as diretrizes curriculares estabelecidas pela Comissão de Especialistas que estabeleceu as normas e parâmetros para o Provão de Jornalismo [ver remissão abaixo] constituem uma excelente referência para que as escolas adaptem seus projetos didáticos em jornalismo. Pena que há outros problemas, como apontou o professor Faro.

Teoria

Os atuais cursos de Comunicação, insisto no argumento, são esquizofrênicos: ensinam prática de jornalismo e teoria da “comunicação”. Ora, o jornalismo é um campo de conhecimento com especificidades e particulares hoje já maduras. É preciso uma reflexão teórica específica sobre jornalismo nos cursos. Ver nesta edição do OBSERVATÓRIO entrevista com o professor Josenildo Luís Guerra.

Prática

Eis o nó górdio do ensino de jornalismo. O que vemos na maioria dos cursos é um simulacro de uma reprodução acrítica do jornalismo que se pratica nas redações. Os professores de disciplinas práticas ou são profissionais de redação – aí a Universidade é um bico, eles não têm didática etc. – ou são inexperientes. Em nenhum dos casos, oferece-se alternativa de capacitação, treinamento, atualização. Os jornais reclamam com razão das escolas e as escolas abaixam timidamente a cabeça, abandonando ou esquecendo a sua indispensável função crítica.

O ensino da prática deve ser um ensino com base em teoria e crítico em relação ao jornalismo hoje praticado. Insistir na velha prática de produzir quatro edições semestrais de um jornal-laboratório é apenas um esforço inútil para preservar um anacronismo.

Neste aspecto, a proposta da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa [ver remissão abaixo] é uma boa alternativa.

 

Ismar de Oliveira Soares (*)

 

O Ministério da Educação acaba de divulgar o documento intitulado O novo Ensino Médio, que se faz acompanhar das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Brasileiro, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em junho. Com as novas normas legais, o tema da inter-relação Comunicação/Tecnologias da Informação/Educação acaba de ser legitimado, não podendo ser tomado de forma estanque e fragmentada, muito a gosto de certo marketing educacional mais preocupado em vender equipamentos do que em implementar reformas profundas e substanciais nos modelos e processos educativos.

Segundo as novas disposições, a aproximação entre a Comunicação e a Educação se dá, inicialmente, em suas interfaces com as Artes. É o que se define como “Estética da Sensibilidade”, uma das consignas a partir das quais deverá ser construído o novo ensino médio: “Estética da sensibilidade não é um princípio inspirador apenas do ensino de conteúdos ou das atividades expressivas, mas uma atitude diante de todas as formas de expressão que deve estar presente no desenvolvimento do currículo e na gestão escolar”.

Ao propor as “diretrizes para uma pedagogia de qualidade”, o documento do CNE recomenda, por outro lado, um currículo voltado para as “competências básicas” a serem desenvolvidas pelos educandos. Nesse sentido, o significado da educação geral no nível médio, segundo o espírito da nova LDB, nada tem a ver com o ensino enciclopedista e academicista dos currículos de ensino médio tradicionais, reféns do exame vestibular. Ao contrário, deverá continuar o processo de desenvolvimento da capacidade de aprender, com destaque para o “aperfeiçoamento do uso das linguagens” como meios de constituição dos conhecimentos, da compreensão e da formação de atitudes e valores. Comenta o documento do CNE: “A LDB neste sentido é clara: em lugar de estabelecer disciplinas ou conteúdos específicos, destaca competências de caráter geral das quais a capacidade de aprender é decisiva. O aprimoramento do educando como pessoa humana destaca a ética, a autonomia intelectual e o pensamento crítico. Em outras palavras, convoca à constituição de uma identidade autônoma”.

Ao normatizar a reorganização dos currículos, o CNE solicita a todos os sistemas de ensino e aos colégios que organizem seus procedimentos educativos e conteúdos didáticos em três áreas de “saberes” específicos: a área de Linguagens e Códigos (e suas tecnologias), a área das Ciências da Natureza e Matemática e a área das Ciências Humanas.

Na área “Linguagens e Códigos” devem ser destacadas – segundo o documento – as competências que dizem respeito à constituição de significados que serão de grande valia para a aquisição e formação dos conteúdos curriculares, para a constituição da identidade e o exercício da cidadania: “É importante destacar que o agrupamento das linguagens busca estabelecer correspondência não apenas entre as formas de comunicação – das quais as artes, as atividades físicas e a informática fazem parte inseparável – como evidenciar a importância de todas as linguagens enquanto constituintes dos conhecimentos e das identidades dos alunos, de modo a contemplar as possibilidades artísticas, lúdicas e motoras de conhecer o mundo”.

Exemplifica o documento, entrando no mérito da didática ou das práticas de ensino: “As competências da área da linguagem podem ser trabalhadas no contexto da comunicação na sala de aula, da análise da novela da televisão, dos diferentes usos da língua dependendo da situações de trabalho ou da comunicação coloquial”. Para o CNE, uma educação que não leve – através de uma leitura autônoma e contextualizada da comunicação – a uma reorganização das formas expontâneas de aprendizagem – parte delas geradas pela interação com os meios de informação – não será uma “educação que criou competências para abstrair de forma inteligente o mundo da experiência imediata”.

O documento propõe que, no que diz respeito ao aprendizado dos códigos que dão suporte às linguagens, “não seja contemplado apenas o domínio técnico, mas especialmente a competência de desempenho”. Defende o uso das linguagens em diferentes situações ou contextos, “considerando inclusive os interlocutores ou públicos”. Mais adiante, o texto oficial orienta: “Ultrapassando o ‘discurso sobre as tecnologias’, de utilidade duvidosa, é preciso identificar nas matemáticas, nas ciências naturais, nas ciências humanas, na comunicação e nas artes, os elementos de tecnologia que lhes são essenciais e desenvolvê-los como conteúdos vivos, como objetivos de educação e, ao mesmo tempo, meio para tanto”.

No que toca à reordenação das grades curriculares, o documento do Conselho Nacional da Educação informa que devem ser previstas, nos vários anos que compõem o Ensino Médio, atividades que levem os educandos a:

  • Entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação e associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhe dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar;
  • Entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes meios de comunicação, linguagens e códigos, bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias;
  • Entender o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social;
  • Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para a vida.

O dispositivo está se referindo, pois, a âmbitos específicos de ação pedagógica, como a) ao emprego das tecnologias educacionais por parte dos docentes na otimização do ensino presencial e a distância; b) à educação para a comunicação, destinada à formação dos receptores e usuários dos meios e das tecnologias, no espaço mais abrangente da educação para a cidadania e, finalmente, c) à capacitação para o uso das Tecnologias da Informação, tendo em vista a indispensável educação para o trabalho.

Indubitavelmente, fortalece-se o consenso de que uma adequada gestão da comunicação e da informação no espaço educativo, compreendendo, no mínimo os três campos descritos, deixou de ser preocupação localizada de alguns poucos tecnólogos, transformando-se, ao contrário, em objeto de estudo e prática social, que aproxima de forma estreita e definitiva os mundos da Comunicação Social e da Educação.

A formação do educomunicador

O Ministério da Educação e as próprias redes de ensino sofrerão duas ordens de problemas, na implementação dos dispositivos que prevêem a introdução das linguagens e das tecnologias da comunicação no currículo do ensino médio: a) a redução de toda linguagem tecnológica à informática; b) a ausência de especialistas que assessorem os sistemas de ensino na implementação das medidas.

Quanto ao primeiro problema, recordamos que a expectativa criada pelas novas diretrizes curriculares é a de que, no caso do estudo das “linguagens e suas tecnologias”, os alunos adquiram a necessária competência para “compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens”, devendo o aluno “entender o impacto das tecnologias na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social”. Como levar à prática os dispositivos legais, que pressupõem o estudo de todas as tecnologias da informação e de todas as linguagens da comunicação, se ao longo dos últimos anos o que se viu, no campo das tecnologias, foi uma concentração de esforços no campo específico da informática? Nesse sentido, o Plano Decenal de Educação do governo federal prevê a informatização das escolas, mas desconhece a necessidade de tornar acessível outros recursos, especialmente na área da produção audiovisual.

Quanto à segunda dificuldade, o próprio documento do MEC reconhece a inadequada formação dos professores para o ensino médio como a maior dificuldade para que se implemente a reforma anunciada. Acreditamos que a esta dificuldade deve ser somada outra: a existência, em número suficiente, de especialistas na inter-relação Comunicação/Tecnologia/Educação” dispostos a oferecer assessora ao sistema educativo.

Os conselheiros do CNE reconhecem as dificuldades que o sistema de ensino terá para compreender e aplicar as novas normas, por conta especialmente da resistência de diretores, coordenadores e professores, ainda vinculados ao projeto tradicional e academicista de educação. Desse modo, propõe ao ensino superior que se abra para as novas necessidades de formação de quadros: “Do comportamento das universidades e outras instituições de ensino superior dependerá também, em larga medida, o êxito da concretização destas diretrizes curriculares para o ensino médio, com o qual elas mantêm dois tipos de articulação importantes: como nível educacional que receberá os alunos egressos e como responsável pela formação de professores”. Trata-se, na verdade, de uma preocupação com a formação de profissionais em condições de promover e assegurar a reforma do ensino sob outras bases.

Nesta linha, apresentamos uma proposta: Que o sistema educativo nacional possa contar com serviços de formação do educomunicadores em toda Universidade que disponha de boas Faculdades de Comunicação e de Institutos ou Faculdades de Educação, através de projetos que dêem conta da complexidade e interdisciplinaridade da nova área. Por outro lado, que os comunicadores sociais vocacionados para o campo da educação se apresentem ao sistema educativo. Sua presença se faz necessária e urgente.

(*) Professor da Escola de Comunicações e Artes da ECA/USP, coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação do CCA/ECA/USP, vice-presidente do World Council for Media Education

 

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Provão para jornalistas I, II e III

Diretrizes da Comissão de Especialistas do MEC

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