Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Rupert Murdoch e Norberto Bobbio

Artigo na edição passada deste OBSERVATÓRIO tratava de Rupert Murdoch e remetia a Norberto Bobbio. Assomado pelo poder de síntese, fiz referência a um capítulo de um livro de Bobbio, que julgo fundamental para uma reflexão sobre o jornalismo. Errei. O capítulo A grande dicotomia: o público e o privado, não está no livro a que me referi, mas em Estado, Governo, Sociedade, e o capítulo A democracia e o poder invisível, outro texto fundamental, este sim, está em O Futuro da Democracia. Ambos da Editora Paz e Terra.

Muito sinteticamente, as teses de Bobbio destes dois artigos podem ser resumidas no seguinte esquema:

– Democracia pode ser definida, também, como "o governo do poder público em público".
– Parece uma contradição, mas não é. O termo público pode ter dois sentidos: oposto a privado e oposto a secreto.
– A idéia moderna de privacidade surge com a democracia moderna. Na democracia representativa, as pessoas podem votar e ser votadas. Uma ou outra opção significa uma escolha pela prioridade pela coisa pública ou pela coisa privada.
– Quem vota, opta prioritariamente pela vida privada. Preserva sua privacidade posto que se abstém de cuidar da coisa pública. Delega este poder a outrem.
– Quem é votado opta prioritariamente pela vida pública, opta por exercer o poder. Abre mão parcialmente de sua privacidade pelo direito de cuidar da coisa pública em nome de todos.

No entanto, as esferas públicas e privadas se interpenetram. O exemplo mais evidente é o seguinte: se um governante usa recursos públicos em sua vida privada, a imprensa tem o direito – e o dever – de, a despeito do direito à privacidade, dar publicidade ao fato.

Este é, com enorme probabilidade de imprecisão, um esquema das idéias centrais de Norberto Bobbio sobre a questão. Não substitui uma leitura atenta e cuidadosa dos textos.

Acrescentaria o seguinte:

Artistas, atletas e outros profissionais que de alguma maneira optam por dar visibilidade pública à sua atividade também em certa medida abrem mão de parcela de sua privacidade.

Não estou aqui para defender os paparazzi; tampouco oferecer argumentos àqueles que, desconhecendo todos os padrões da ética, invadem e dão publicidade às vidas alheias.

Este texto tem o único objetivo de esclarecer as possibilidades de debate propiciadas pelo desafio proposto por Rupert Murdoch. Ele é autoritário, prepotente e invasivo. Isto não significa que também devemos sê-lo ao aceitar a legitimidade de seus argumentos.

Mesmo que não concordemos.

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