Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Salvando as aparências

DOUTRINA EDITORIAL

Waldemar Reis (*)

Agora em cores menos berrantes, a propaganda política norte-americana a cargo da revista Veja segue seu passo messiânico. Além da própria capa, "O erro de Bush" <http://veja.abril.com.br/190303/p_046.html>, condescende até com adjetivar com "caubóis" os assessores da Casa Branca. Impressiona no texto sobretudo a articulação primária dessas e outras leves pinceladas com o traço vigoroso da estrutura concebida com o fito de, simulando bom-senso, continuar conferindo alguma credibilidade às mais recentes atitudes da máquina governamental estadunidense e, naturalmente, granjear para si uma réstia de reputação jornalística, quase de todo perdida em vista da triste prática publicitária desse periódico.

Em linhas gerais, Veja nos promete, já de saída, "razões certas" para uma guerra dos EUA contra Saddam Hussein, ficando, como é previsível, apenas na promessa. A seguir envereda pelas "razões incertas" brandidas por aquele país, a principal das quais o "fundamentalismo ianque", passando então a um conhecido retrato do ditador iraquiano. Aliás, enquanto genocida Saddam tem currículo de principiante, diga-se de passagem: comparada à do Congo no século 19, à da Alemanha nazista e à da Rússia stalinista, a história recente do Iraque parece endossar ironicamente a afirmação dessa revista, de que as guerras não se justificam por se fazerem contra "homens maus".

Somos então introduzidos no cerne do erro bushiano, duas ou três razões, excetuado o controle do petróleo. Retoma-se assim o tema do "fundamentalismo" cristão, seguido da intenção de democratizar o Iraque e, por fim, uma razão dita "hipotética", a afirmação do poderio norte-americano no mundo, no fundo uma variação do messianismo democrático deste povo.

Legado

Uma sucinta exposição da inutilidade da ONU no traçado atual de forças das nações é o passo seguinte dessa retórica nada rara e cuja conclusão previsível é: cuidado, pois, ao fim e ao cabo, George W. Bush pode mostrar que tinha razão!

Em vista do atual estado de coisas, é pouco provável que Bush não venha a "ter razão", especialmente se forem bem-administrados os métodos cirúrgicos dos seus estrategistas de modo a apaziguar a opinião pública. Depois do sucesso, a reconstrução iraquiana ? uma outra história. Alguns dos seus lances já estão possivelmente prefigurados na recente reconstrução afegã.

Mas como o mundo é dado a revezes, registra-se de antemão a atabalhoada boa intenção dos "guerreiros de Deus". Seu engano terá sido escutarem sem reservas a sua ? a única, a verdadeira ? "fé"!

Tenho para mim que o articulista da Veja tirou de um recente argumento do nosso ministro da Fazenda o seu: faz-se o possível, mas distribuição de renda só a partir de 2028, dada a falta de empreendimento das administrações anteriores nessa direção. Em resumo, boa intenção há, embora não sejam garantidos os resultados caso os governos futuros mudem outra vez de direção: marketing puro.

Eis, enfim, a idéia de mundo sério e responsável que temos legado às sucessivas gerações.

(*) Músico, regente, compositor e pianista, professor da ESPM-Rio