Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Se ‘Deep ThroatÂ’ foi invenção, o picadeiro é mais antigo

A REVELAÇÃO TERIA REPERCUTIDO muito mais se naquela segunda, 21/9/98, o povo americano, como um robô, não estivesse magnetizado diante da tela da TV, participando da bacanal mediática armada pela exibição do vídeo com o depoimento do presidente Clinton sobre suas relações com Monica Lewinsky.

Mas a bomba saiu no New York Times, no caderno de Negócios, assinada por Felicity Barringer, repórter especializada, no dia da semana há muito consagrado às matérias de mídia. Ainda vai render.

A fonte secreta do caso Watergate, “Deep Throat” (Garganta Profunda), nunca existiu, foi invenção da dupla de repórteres Woodward & Bernstein para dramatizar no livro e no filme o trabalho de investigação que culminou com a renúncia do presidente Nixon. O mitológico pseudônimo, um dos ícones da cultura americana, que encarna há pelo menos duas gerações o compromisso de buscar a verdade, é uma grossa mentira.

A revelação foi feita por David Obst, agente literário dos dois repórteres, ele também jornalista e roteirista de cinema, no livro recém-lançado Too Good To Be Forgotten (Bom Demais para Ser Esquecido). Não apenas a fonte mas suas dicas eram fantasiosas, inclusive aquela onde se dizia que a vida dos dois jornalistas corria perigo. Ou a história de colocar um vaso de flores na varanda do apartamento de Woodward para avisar que a fonte precisava aparecer.

Woodward defendeu-se: “Qualquer um tem o direito de dizer qualquer coisa. Fazemos parte de uma cultura onde qualquer participante de qualquer fato torna-se um ‘insider’ (alguém que está por dentro), com uma teoria. Obst jamais foi consultado por nós, jamais leu o rascunho do livro, não sabe o que diz. Eu preferia David quando tomava ácido (lisérgico).”

O coice de Woodward no denunciante mostra que lhe faltam argumentos. Obst não é um arrivista em busca de 15 minutos de fama. Foi um dos mais diligentes defensores de outro repórter, Seymour Hersh, quando começou a desvendar o massacre de My Lai no Vietnã. Hoje é pesquisador visitante na disciplina de estudos religiosos na Universidade da California. “Se ‘Deep Throat’ não existiu, um grande desserviço foi prestado a uma geração de jovens que se tornaram jornalistas pelas razões erradas”, disse Obst, que se assume como um cético em matéria de jornalismo.

“O mais importante nesta história é a advertência de Nietzsche aos que combatem monstros – cuidado para não se converterem em monstros também”.

A ironia é que “Deep Throat”, nome da mais famosa personagem do cinema pornô (interpretada por Linda Lovelace em 1972), começou a se evaporar no exato momento em que a nação americana deliciava-se com o mais longo vídeo pornô jamais produzido.

 

LEIA TAMBEM

Página do Washington Post na Internet sobre Watergate