Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Se não abrir a porta, alguém arromba a janela

LEI DE RADIODIFUSÃO

Paulo José Cunha (*)

Enquanto não for definitivamente equacionado o problema da democratização dos veículos eletrônicos de comunicação a reforma agrária no Brasil não sai do papel. A frase acima bem que poderia ter sido dita por um teórico de comunicação ou algum analista de mídia, entre os quais o locutor que vos fala. Pois, boquiabra-se, leitor: ela saiu, com uma ou outra palavra diferente mas com o mesmo sentido, da boca do deputado Walter Pinheiro, líder do PT na Câmara dos Deputados, durante debate sobre o anteprojeto da nova Lei de Radiodifusão, promovido pela Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

Durante o encontro, representantes da TV Globo e da Fenaj, além do deputado petista, discutiram um leque de questões relacionadas com o anteprojeto que esteve sob consulta pública até a véspera. Ficou evidente que a seriedade e a importância da complicada questão da comunicação no Brasil ? passando pela oligolipolização do setor, a entrada do capital estrangeiro, a indefinição e o boicote às rádios comunitárias, o poder de distribuição dos canais, a inexistência de mecanismos de controle social dos conteúdos, a propriedade cruzada e diversos outros aspectos ? ainda não conseguiu empolgar a opinião pública. E, dessa forma, o tema não se impôs à própria mídia, forçando-a a colocá-lo em evidência. "Por que a Globo não faz um Globo Repórter a respeito?", provocou uma jornalista. "Porque faria desabar a audiência", ouviu como resposta. O próprio representante da Globo apontou as poucas cadeiras ocupadas no auditório por jornalistas, radialistas, professores e estudantes, apesar da importância estratégica do assunto, para justificar a ausência do tema na programação. (Não sei por que, mas na hora me lembrei da "inexplicável" ausência nos jornalões e tevezonas de notícias sobre jornalistas em greve…)

Na rédea curta da exigência de ibope, os veículos, principalmente as televisões, exibem um ostensivo pouco caso por um tema que mexe com poderosíssimos interesses. Inclusive e sobretudo os próprios. E vão passando ao largo. O debate, assim, fica restrito aos conciliábulos, aos acordos e às negociações em reuniões fechadas entre representantes do governo e das grandes corporações. A consulta sobre o anteprojeto pode até ser pública, mas o debate é fechado. A se dar crédito ao argumento da maior rede de televisão do país, a cobra fica o tempo inteiro engolindo o próprio rabo, já que a questão não chega á mídia porque não dá audiência e não dá audiência porque não está na mídia.

Enquanto isso, assuntos relevantes, como a regulamentação de funcionamento das rádios comunitárias ? cujas autorizações ocorrem atualmente segundo critérios do mais rasteiro oportunismo político ?, continuam a ser tratados pela grande mídia televisiva como se sua existência colocasse em risco não apenas a segurança do tráfego aéreo, mas a própria segurança nacional. O líder do PT sugeriu até que se estudasse a hipótese de uso das rádios comunitárias como arma de defesa antiaérea, diante do seu formidável "poder" para derrubar aviões, como têm sido acusadas pelas grandes corporações, incomodadas com o aumento de sua penetração.

Basta querer

Ainda em relação às comunitárias, o quadro permanecerá o mesmo até não se sabe quando se o poder público não se der conta que a pressão que exercem têm a mesma motivação que orienta as ações do MST: são ambos movimentos espontâneos, gerados pela ausência de legislação e ação efetiva de governo, incapaz de assegurar terra para os que querem produzir e freqüência no dial para a cidadania exercer livremente seu direito de expressão. Com dizia a letra daquela canção de Chico e Edu: "ou você abre a porta, ó bela, ou eu arrombo a janela". Que poderia ser traduzida em linguagem do MST como "Reforma agrária na lei ou na marra". Algo como: "se não deixarem a gente falar nós vamos ter que botar a boca no trombone".

O anteprojeto da radiodifusão contempla uma gama tão expressiva de questões importantes que exige, de alguma forma, que a discussão a respeito chegue ao principal interessado: o público. Discussão que já começou a "arrombar a janela" com a gritaria em torno das comunitárias.

Ao jogar para escanteio o debate aberto de um tema como o do anteprojeto, as emissoras evidenciam a grandiosidade dos (próprios) interesses ameaçados. A propósito: o argumento segundo o qual é tema árido a ponto de fazer desabar a audiência caiu por terra coincidentemente no instante em que o PIB desabou. Sim, porque, contrariando todas as teorias sobre a impossibilidade de se enfrentar temas macroeconômicos na tevê aberta, a Rede Globo produziu excelente matéria a respeito da queda do PIB no Jornal Nacional. Matéria didática, explicativa, demonstrando as conseqüências práticas da redução nos níveis do principal índice da produção interna. No dia seguinte todo mundo no Brasil estava falando de PIB com a maior naturalidade do mundo, prova de que a aula foi boa. Quer dizer: é só querer que consegue explicar, envolver e empolgar a opinião pública, por mais árido que seja o tema. Difícil é querer.

O diabo é que, se continuar não querendo, vai terminar aparecendo alguém para propor, diante da porta fechada, que se arrombe a janela.

(*) Jornalista, pesquisador, professor de telejornalismo. Dirige o Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico “Telejornalismo em Close”, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <upj@persocom.com.br>

    
    

              

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