Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sem canudo, sem compromisso

DIPLOMA EM XEQUE

Agnaldo Charoy Dias (*)

Penso que a reserva de mercado do jornalismo para os formados em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, é um problema de controle dos proprietários dos meios de comunicação sobre seus trabalhadores. Nada tem a ver com a capacidade ou a especialização do profissional.

O que os empresários desejam é poder contratar quem eles quiserem sem compromisso algum com um jornalismo conceitual ético, democrático e tecnicamente equilibrado. Sem dúvida, há uma tensão dentro das redações no sentido de os profissionais ? em grande número, pelo menos ? lutarem por ideais de democracia, de ética, enquanto os donos dos veículos e seus testas-de-ferro defendem os interesses particulares de suas empresas e de sua classe social na produção jornalística.

A saber: o trabalho do jornalista é apenas organizar o debate dentro do espaço físico de jornais, TVs, rádios etc., dando lógica aos discursos correntes na sociedade e equilibrando os espaços concedidos a cada idéia, concatenando fatos e acontecimentos e permitindo ? e buscando ? o contraditório. Isto não invalida a opinião dos especialistas. Ao contrário, valoriza-as e dá-lhes lógica. Talvez um pouco mais que isso seja o trabalho do jornalista: investigar e denunciar desvios de conduta, corrupção e tudo aquilo que compromete o bem-estar da sociedade.

Claro que os empresários da comunicação não querem nada disso. Querem apenas que seus veículos sirvam de instrumento de dominação, de veículo para o discurso que justifica as políticas dominantes, de instrumento de pressão sobre a sociedade e para a defesa do modo de produção dominante, o capitalismo. Trabalhadores conscientes e comprometidos com a sociedade não têm espaço neste projeto.

Um não-formado não tem compromisso com a profissão. Aquele é apenas mais um emprego. O único compromisso passa a ser com seu patrão. Evidente que há jornalistas formados testas-de-ferro dos proprietários, pelegos, na linguagem sindical, mas a reserva de mercado é uma segurança mínima, ainda que insuficiente. Sem ela, acaba a tensão entre o jornalismo conceitual e o jornalismo de interesse econômico e o discurso do patrão passa a dominar facilmente uma redação muito mais dócil, muito menos preparada e muito mais comprometida com o empregador.

Não há, como quer a juíza, aquela, agressão ao direito de expressão. O que a reserva de mercado faz é uma tentativa de controle social sobre os meios de comunicação, na medida em que é possível responsabilizar pessoas por suas condutas dentro da profissão. Um profissional habilitado sente-se comprometido com seu trabalho e lutará para se manter íntegro e preservar sua carreira. Em média, é claro.

Também há o argumento de que "qualquer um" pode fazer um texto e dominar as técnicas de jornalismo. É verdade. Mas também é verdade que minha avó faz um chá maravilhoso para os rins, nem por isso estou defendendo o fim da reserva de mercado para o exercício da profissão médica para os formados em Medicina. A vó pode continuar fazendo seus chás milagrosos e os médicos continuarão dando assistência competente à sociedade. Do mesmo modo, o cidadão comum pode ? e deve ? escrever e falar sobre o que pensa da crise na Argentina, da guerra no Afeganistão e tantos outros assuntos, mas isto não invalida a função do jornalista como elemento organizador, tecnicamente preparado para dar lógica e espaço a estes discursos.

Controle democrático

A falta de espaço nos veículos para os cidadãos comuns não é culpa da reserva de mercado, mas do filtro ideológico imposto pelos proprietários dos meios comunicação.

Um exemplo: em 1990, logo no início do governo Collor, um delegado de Caxias do Sul (RS) concluía o inquérito que investigava agressões de supostos militantes petistas contra os simpatizantes do candidato Collor num comício que ele havia realizado naquela cidade durante a campanha. O inquérito apontava que a empresa de segurança Dobermann havia sido contratada por Collor para simular as agressões. O jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, ficou sabendo da conclusão do inquérito em primeira mão. A matéria ficou vários dias nos computadores do Pioneiro, mas a notícia só foi divulgada pelo Jornal do Brasil graças a um jornalista que, angustiado com aquela situação, resolveu passar a matéria ao jornal carioca. Será que o fim da reserva de mercado resolve este tipo de problema ou o agudiza ainda mais? Não terá sido o senso jornalístico daquele trabalhador que permitiu que a sociedade tomasse conhecimento do resultado do inquérito?

O que se faz necessário para que o jornalismo conceitual passe a ser o jornalismo na prática é o controle social sobre os meios de comunicação. É necessário que se criem mecanismos de controle da sociedade sobre os veículos. Evidentemente que isto aponta para uma sociedade mais democrática, e não para o autoritarismo do pensamento único neoliberal. Mas isso já é outro papo, que só poderemos desdobrar quando sairmos do discurso rebaixado que tentam nos impor.

(*) Jornalista; e-mail: <agnaldo.dias@al.rs.gov.br>