Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sepúlveda sepulta jornalismo de vazamentos


COMO SEMPRE, a imprensa saiu pela tangente ao noticiar o despacho do ministro do STF Sepúlveda Pertence acatando a liminar em favor do ex-presidente do Banco Central. Ao justificar a suspensão do sigilo telefônico, fiscal e bancário de Francisco Lopes, o magistrado (que nas última temporada eleitoral foi candidato a canditado das oposições) fez as seguintes considerações:

“…É fato notório que as CPIs não se têm preocupado em resguardar o segredo legalmente imposto aos dados obtidos a partir de sua intervenção nas áreas protegidas de privacidade. É cotidiana, pelo contrário, a sua divulgação pela imprensa.”

Este trecho foi publicado pelo Estado de S.Paulo (17/6/99, pág. A-4), o jornal que melhor destacou as alegações do ministro Pertence (mereceu até o subtítulo: “Despacho de ministro critica comissões por divulgar dados secretos”). Convém lembrar que o mesmo jornalão teve a ousadia de assumir em manchete de primeira página que estava servindo-se de uma vazamento irregular [veja remissão abaixo].

O resto da grande imprensa nacional (inclusive a Gazeta Mercantil) sepultou o arrazoado do magistrado. E não foi por falta de espaço. Foi pudor. Ou falta de pudor. Como a grande beneficiária do vazamento de informações sigilosas, não lhe convém aparecer como cúmplice desta clamorosa irregularidade.

Por essa razão a moçada de Brasília saiu correndo atrás dos senadores para que contestassem o despacho de Pertence apresentando-o como alavanca de uma “crise institucional”. Bobagem. Na sexta-feira (18/6/99), com despacho favorável do ministro Ilmar Galvão, o Supremo suspendeu a indisponibilidade dos bens de Salvatore Cacciola.

O STF é o zelador da Constituição, não cabe aos senadores argüir uma decisão da Suprema Corte. Crise institucional ocorre quando um dos poderes da República, a imprensa, foge às suas responsabilidades e deveres sonegando e manipulando as informações.

 

ESTARRECEDOR o episódio da troca de impropérios entre o presidente da Câmara e o presidente do Senado. Pela falta de compostura destes expoentes da República mas, sobretudo, pelo conteúdo das acusações proferidas com tanta segurança pelos desafetos.

Onde estavam a indômita imprensa e os ousados repórteres investigativos que jamais foram apurar tão escandalosos desempenhos de figuras tão importantes? Mesmo que a moçada de Brasília nada soubesse antes, a partir da enxurrada de revelações, já no dia seguinte, a mídia tinha a obrigação moral de começar a apuração das acusações.

Qual o repórter político da Capital Federal que tem a coragem de enfrentar Antônio Carlos Magalhães e Michel Temer? Para começar, perderiam as credenciais. Os aspones do Congresso se encarregariam de cassá-las. Depois, perderiam as fontes porque nenhum parlamentar – mesmo da oposição – ousaria romper o cordão do corporativismo. E, como sabemos, nosso jornalismo político depende exclusivamente do que os políticos sopram nos ouvidos de repórteres e colunistas.

Em outras palavras: depois da vilegiatura em Lisboa ficará tudo como estava. Nem as pulgas atrás das orelhas terão o direito de dar beliscadas.

 

Se a cobertura internacional é pífia, a local ainda é pior. O caso do assassinato de João, vulgo Bilinha, 16 anos, em frente a igreja da Candelária, no Rio, é exemplar. O rapaz foi assassinado com um tiro no peito por um motorista de táxi às 15h30 de segunda-feira, 14/6.

Havia tempo para investigar. O Jornal do Brasil publicou uma impressionante foto do cadáver na primeira página, com a Candelária ao fundo. O Globo deu matéria grande na página 16, de Polícia. Mas foi no Estado de S.Paulo que a história e a vítima ganharam a sua verdadeira dimensão. Bilinha era sobrevivente da Chacina da Candelária (julho de 93). Vivia com outros sobreviventes nos viadutos das cercanias. Catavam papel, com o dinheiro cheiravam cola e jogavam fliperama. Todas as testemunhas coincidem no relato: não houve tentativa de assalto, foi assassinato premeditado. Continuação de 1993.

Os dois jornais cariocas comeram mosca, contaram uma história de forma retilínea. E ignoraram o principal. A Folha nem isso. A repórter da sucursal do Estadão fez o que se espera de um bom repórter: além de ir à rua, apurou. E contou uma história dramática.

Isso não significa que a reportagem de polícia do Rio seja pior do que a de São Paulo (o inverso também poderia acontecer). É apenas uma demonstração do estado do jornalismo de campo, o jornalismo de rua, o jornalismo de verdade.

Dia seguinte, os dois jornais cariocas contaram a história como deveriam ter feito na véspera. Depois disso a morte de Bilinha evaporou-se do noticiário.

 

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