Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Serve para cola, não serve para a escola

Marisa Lajolo (*)

 

E

u vendo, tu compras, ele paga, reza o texto publicitário, conjugando a coisa vendida – mercadoria chamada – com valores que, associados a ela, fisgam este ou aquele mercado.

Ou seja, o freguês compra o embrulho fechado, a mercadoria apregoada + os valores nos quais se apóia o pregão dela: o fumante compra o cigarro e leva de troco a imagem de garotão saudável; a dona-de-casa compra o sabão e ganha no pacote a imagem de gata gostosona.

Escriba de mau humor, leitor amigo?

Nada disso. Dá-se que o detentor da conta da caneta uni-ball eye pisa na bola e embola o jogo: anúncios da caneta retratam uma estudante escrevendo a cola na coxa, e acoplam à imagem a frase dependendo da cola a caneta tem que ser bem macia.

O que é imperdoável.

Ao investir na cumplicidade de um consumidor por hipótese praticante da cola, a uni-ball eye torna-se cúmplice da fraude. O que é, no mínimo, deseducativo, mas que pode acabar de graça, já que a escola, seus profissionais e sua clientela são segmentos menos militantes do que outros que, com toda razão, esperneiam quando se julgam prejudicados por imagens depreciativas que a eles cola a publicidade.

Esperneio e recusa são armas ao alcance de todos, embora às vezes a gente se esqueça do poder do grito. Quem sabe com uma boa gritaria o respeitável público ensina para a publicidade nacional que ela, ao criar desejos, também educa, e que portanto precisa pautar-se sempre pelos valores maiores da ética? Se a uni-ball eye é adequada para a cola, é inadequada para a escola. Eu, por mim, leitor, começava a lição deletando a uni-ball eye de qualquer material escolar sobre cuja composição eu tivesse algum poder: dos filhos, sobrinhos, vizinhos, alunos…

(*) Docente associada ao Labjor, professora titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, integrante do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.