Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Shell e martírio

Em novembro de 1995, a junta militar que governa a Nigéria, chefiada pelo general Sani Abacha, mandou enforcar o escritor e poeta Ken Saro-Wiwa e outros oito ativistas do Movimento pela Sobrevivência do Povo Ogoni, sob acusação – sempre negada pelos réus – de terem assassinado em 1994 quatro dirigentes políticos ogonis. (A foto acima é de Ken Saro-Wiwa. O adesivo reproduzido faz parte de uma campanha de boicote contra a Shell; ver indicação de site, abaixo.)

Os ogonis são uma minoria de 500 mil pessoas que vivem numa região rica em petróleo do sul da Nigéria, o país mais populoso da África (115 milhões de habitantes) e quarto maior produtor de petróleo entre os integrantes da Opep.

Em 4/2/96, o professor Renato Janine Ribeiro enviou à Folha de S. Paulo a seguinte carta:

“Estou impressionado com a falta de repercussão, em nossa imprensa, das questões morais levantadas, especialmente na Grã-Bretanha, a respeito da possível responsabilidade da Shell na devastação ambiental da Ogonilândia e no assassinato pseudo-judicial de Ken Saro-Wiwa, crimes estes cometidos na Nigéria. O trabalhista Guardian publicou em sua capa uma charge na qual Wiwa era enforcado numa mangueira de petróleo da Shell; o Spectator, mais conservador, desenha um diabo armado com duas mangueiras da mesma companhia. Até a Royal Geographic Society decidiu, por ampla maioria, recusar dinheiro da Shell, alegando as ‘íntimas ligações’ da empresa com o ‘homicida governo da Nigéria’!

David Wheeler, da Body Shop, afirma que ‘a Shell evidentemente ignorou suas responsabilidades morais: é ridículo ela fingir que opera num vazio ético’ (The Spectator, 13/1, pág. 9). Penso que essa questão merece por parte da Folha uma cobertura que não tem havido, tanto por se tratar de um fato (a crescente indignação da opinião britânica) quanto pela questão de princípio: a responsabilidade ética das empresas na sua relação com o crime. Evidentemente nada disso prejulga a culpa da Shell; mas essa é uma questão que não pode ser ignorada.’’

Após o enforcamento, noticiado em 11/11/95, a Folha de S. Paulo – único jornal brasileiro que põe seu conteúdo integral (desde 1994) na Internet – publicou notícias da repercussão nos dias seguintes, até 16 de novembro. De lá até agora, só publicou a carta de Renato Janine, mais nada.

Nota: A pesquisa foi feita mediante a “Busca” do Universo Online usando-se duas expressões: “Saro-Wiwa” e “Shell”. Em 1996 e 1997, “Saro-Wiwa” não ocorre nenhuma vez; “Shell” ocorre 110 e 76 vezes, respectivamente. Pesquisa com as expressões “Shell” e “Nigéria” encontrou a carta de Janine em 1996 e, em 1997, a nota de meia-dúzia de linhas, tirada do Wall Street Journal, referida acima.