Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Silvana Arantes

CINEMA & LEGISLAÇÃO

"Nova lei do cinema chega à Câmara em crise", copyright Folha de S. Paulo, 02/04/02

"Quanto deve custar um filme brasileiro? E como se divide a conta entre o dinheiro público e o privado? As divergências entre cineastas, estúdios, TVs e governo para chegar às respostas a essas questões configuraram-se numa crise que envolve hoje o plenário da Câmara dos Deputados, a 6? Vara de Justiça do Rio e alguns dos mais famosos sobrenomes do cinema nacional.

Está prevista para hoje na Câmara a votação do projeto de conversão da Medida Provisória 17, que trata da cobrança da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), taxa criada para financiar a Ancine (Agência Nacional de Cinema).

O relator é o deputado Maurílio Ferreira Lima (PMDB-PE). O texto estabelece que a taxa de 11% sobre os lucros remetidos ao exterior com a exploração de produtos audiovisuais no Brasil é devida a partir de março.

No último dia 21, o estúdio Warner obteve na Justiça liminar que considera essa cobrança indevida e suspende seus efeitos. O advogado Maurício Chapinoti, do escritório Pinheiro Neto, que representa a Warner na causa, prevê para esta semana uma chuva de ações semelhantes, movidas ?por quase todos os estúdios?.

O projeto de conversão suspende até maio a cobrança da outra modalidade da Condecine (que atinge produtores, distribuidores e exibidores nacionais) e dispõe sobre aspectos do benefício da renúncia fiscal, usado na produção.

O texto expande o limite de aprovação dos valores incentivados (de R$ 3 milhões para R$ 6 milhões, por meio do uso simultâneo dos artigos 1? e 3? da Lei do Audiovisual); reduz de 20% para 5% o percentual exigido de contrapartida privada (investimento de recursos do produtor ou de incentivadores) e autoriza o uso combinado das leis do Audiovisual e Rouanet no mesmo projeto.

Nos aspectos das leis de incentivo, o projeto de Ferreira Lima atende a um pedido conjunto de 30 cineastas, mas contraria duas decisões do TCU (Tribunal de Contas da União). A decisão 266, de 97, determina a ?observação rigorosa? do limite de aprovação de R$ 3 milhões. E a decisão do projeto ?Chatô?, de dezembro passado, determinou à Secretaria do Audiovisual que ?evite conceder para um mesmo projeto incentivos fiscais vinculados às leis Rouanet e do Audiovisual?.

Desde então, o MinC suspendeu a aprovação de projetos com o uso combinado das duas leis. Na avaliação de cineastas e produtores, a medida pode inviabilizar a produção nacional.

?Recebi um texto assinado por pessoas como Walter Salles, Carla Camurati, Guel Arraes, Daniel Filho, Arnaldo Jabor, Cacá Diegues. Os nomes são por demais ilustres para que eu possa deixar de considerá-los?, diz Ferreira Lima, explicando por que incluiu a captação de recursos no projeto de conversão. Mas o tema foi motivo de dissenção entre cineastas.

Outro documento, encabeçado pelo presidente da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), Toni Venturi, foi encaminhado ao deputado, assegurando que as sugestões anteriores não eram consensuais entre a categoria.

A Apaci defende o estabelecimento de um teto de captação pelas leis.

?Sempre tem um pequenininho que está numa produção completamente independente e quer dar um jeito para ver se a lei também carrega ele. Não é que eu não tenha respeito pelas outras pessoas, mas fica difícil deixar de considerar um texto assinado pelos ícones do nosso cinema, em favor de outro com assinaturas menos ilustres?, diz o deputado.

Um terceiro interesse que o projeto procurou acomodar foi o das TVs por assinatura, cujas operações foram taxadas pela MP 2228-1. ?Esse projeto reflete o entendimento do possível entre cineastas e as TVs, segundo me disseram [o presidente da Ancine? Gustavo Dahl e [o produtor? Luiz Carlos Barreto?, afirma Ferreira Lima.

O texto desburocratiza alguns procedimentos, mas ainda deve frustrar o setor. ?Consultada, a Receita Federal respondeu que as TVs por assinatura não podem gozar do benefício do artigo 3? da Lei do Audiovisual?, diz Dahl.

Na prática, as TVs abertas -que se mantiveram imunes à taxação para o fomento do cinema nacional- ficam autorizadas ao benefício da renúncia fiscal para a produção de telefilmes e minisséries, mas o mesmo benefício é negado às TVs por assinatura."

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"Teto de captação é motivo de divergências", copyright Folha de S. Paulo, 02/04/02

"A atual polêmica sobre a captação de recursos públicos para a produção de cinema fez ressurgir a rivalidade entre cinema paulista e carioca.

De um lado, os ?paulistas? (nem todos os cineastas e produtores de São Paulo endossam a corrente, capitaneada pela Associação Paulista de Cineastas) defendem a adoção de um teto de investimento público na produção de cinema.

O grupo propõe que os parâmetros sejam estabelecidos a partir de um cálculo que leve em conta o custo médio das produções e seu retorno comercial. O resultado prático é que produções caras deveriam viabilizar-se com recursos privados.

?Não queremos ser miserabilistas, mas defender critérios para a aplicação da renúncia fiscal?, diz Roberto Moreira.

A proposta é contrária à defendida pelo grupo de 30 cineastas, quase todos em atividade no Rio de Janeiro, signatários do documento enviado ao deputado Ferreira Lima. Pela proposta, com o uso combinado das leis do Audiovisual e Rouanet, o teto desaparece.

?O que indispôs parte dos cineastas paulistas foi que as coisas tivessem sido encaminhadas antes de um debate com a classe, que um grupo tenha se dado o direito de encaminhar algo que não era consensual?, diz Assunção Hernandes, presidente do Congresso Brasileiro de Cinema.

Por internet, Gustavo Dahl enviou carta à categoria, lamentando os desentendimentos, mas ressaltou que se tratava de manifestação pessoal e não na qualidade de presidente da Ancine:

?Quando agradeci ao presidente Fernando Henrique a indicação para presidir a Ancine, avisei que vislumbrava quatro adversários: o cinema hegemônico, a televisão, o estamento burocrático e o próprio cinema brasileiro. Não deu outra?.

?A televisão aberta saltou primeiro, mandando o cinema para o devido lugar. Restringiu seu pleito ao patinho feio do setor -a televisão paga. O cinema hegemônico já entrou na Justiça Federal. A máquina burocrática não pôde evitar a não-inclusão pelo Congresso Nacional da Ancine. E o cinema brasileiro, mais uma vez, volta a oferecer ao distinto público o espetáculo penoso de seu dilaceramento.?

?Deveriam juntar-se todos para terminar ?Chatô?, acertar a contabilidade de ?O Guarani?, concluir os filmes que se arrastam há anos. (…) Limpar a área?, disse."

 

VIOLÊNCIA NA TV

"A tevê não fala nada da violência na tevê", copyright Jornal da Tarde, 06/04/02

"Para começar, acho óbvio o parentesco entre televisão violenta e sociedade violenta. Nem seria imprescindível uma pesquisa científica para se perceber isso, bastariam o raciocínio e a sensibilidade, mas uma pesquisa é útil para se argumentar contra os de má fé, funciona como um teste de DNA para demonstrar o parentesco que a tevê não quer admitir.

Os jornais impressos divulgaram as conclusões de uma pesquisa realizada pela Universidade Columbia, de Nova York, que acompanhou jovens de 707 famílias durante 17 anos. O estudo mostra que, quanto mais tempo os jovens passaram diante da televisão, mais agressivos eles se tornaram. E quanto mais jovens, pior o efeito. Com menos de uma hora diária diante da tevê, a agressividade foi pouco absorvida; com uma a três horas, o número dos que se tornaram agressivos cresceu muito; com mais de três horas, cresceu dramaticamente o número dos que mais tarde se envolveram em atos violentos, incluindo assaltos e brigas com ferimentos.

A televisão não deu uma linha a respeito. Silêncio. Viola no saco. Continua a exibir a violência de sempre. Nos filmes, nos noticiários, nas novelas, nas videocacetadas e até nos infantis, nos desenhos animados, impera a porrada.

Fui procurar mais dados sobre a pesquisa. Acha-se bastante coisa na Internet, buscando o nome do professor que conduziu o trabalho, Jeffrey Johnson, combinado com Science, a revista que o publicou no último dia 28, e com palavras como violence e television.

O professor Johnson foi até generoso com a televisão ao dizer que 60% dos programas contêm violência. A Associação Americana de Psicólogos diz que uma hora de tevê mostra de três a cinco atos violentos. Os dados divulgados na mesma semana em Washington, pelo Center for Media and Public Affairs, são bem mais dramáticos: foram 12 atos violentos por hora nas temporadas de 2000 e 2001.

Johnson tem uma interessante especialização: psiquiatra epidemiologista. Estuda distúrbios de comportamento com um enfoque de epidemia (termo que designa doença que se propaga por um grande número de pessoas, como todo brasileiro sabe, por causa da dengue). A televisão, lógico, não gosta de ser colocada como foco de propagação, um poço de larvas.

O mecanismo de assimilação, indica o professor Johnson, é clássico: ?Somos criaturas sociais e tendemos a imitar coisas que vemos outras pessoas fazendo, especialmente se observamos a pessoa ser recompensada pelo que fez ou ser apresentada a todos como herói por isso.? Ainda uma frase do professor: ?Tem sido demonstrado que assistir à violência na mídia leva a um efeito de insensibilidade. Quanto mais violência eles vêem, menos negativa e mais normal ela lhes parece.? Parece óbvio? É óbvio. Tão óbvio que a tevê não vê.

Se há gente que vê filmes pornôs para se excitar e para aprender uns truques, por que não haveria os que assistem a filmes violentos como estimulantes? Ou como estabilizantes, para reduzir alguma resistência interna que ainda exista neles contra a violência que possam liberar.

Já que as emissoras não se tocam, não assumem a parte de responsabilidade que lhes cabe em desvios de comportamento, que podem fazer os pais? Eis o que o professor Johnson aconselha:

?Pais responsáveis não devem permitir que seus filhos, pelo menos durante a primeira adolescência, vejam mais de uma hora de televisão por dia.?

É drástico. Mas pelo menos uma vigilância sobre os conteúdos do que os adolescentes vêem seria recomendável.

Tentativa de melhorar

A tentativa de melhorar o nível das conversas na ?Casa dos Artistas 2? não deu certo. O grupo recebeu da produção aqueles cartões com a logomarca do programa, determinando temas que eles deveriam discutir sentadinhos nos sofás da sala. Um dos temas foi a violência, os seqüestros e as penas judiciais. Fracasso, aquela coisa de nós ficamos presos em nossas casas e os bandidos andam soltos, tomaram conta das cidades, devia ter pena de morte, não devia porque um ser humano não tem o direito de matar, etc.

Aí entrou outro tema, a cota obrigatória de negros nas universidades públicas, o racismo… Vem o Gustavo e diz: ?Devia ter pena de morte para racismo, viu?? Não dá."