Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Silvio Ferraz

‘Frases impactantes são curtas. ‘Toda unanimidade é burra’ é uma delas, mas Nelson Rodrigues só pôde escrevê-la sem medo de errar porque não conhecia Octávio Florisbal. Com 22 anos de Globo, Octávio, como o chamam seus colaboradores, é a exceção da unanimidade burra. Todos, todos mesmo, o têm como simpático, inteligente, maneiroso, controlado e brilhante. Sorriem ao falar dele e com ele. Os Marinho, então, nem se fale. Pudera, tirado do limbo da interinidade de um ano e meio, onde substituía a toda-poderosa Marluce Dias, e nomeado diretor-geral da Rede há trinta dias, Octávio Florisbal é capaz de exibir já na grande reta de chegada resultados emocionantes para os acionistas, anunciantes e publicitários que torcem na tribuna nobre: a Rede Globo de Televisão cresceu 20% o seu faturamento, em relação ao ano passado, abocanhou sem cerimônia 75% do total da verba de publicidade dirigida à mídia televisão, e detém a preferência em 28 programas dos 30 principais exibidos pela televisão brasileira. Dito pelos espectadores.

Como se não bastasse, o melhor índice de audiência da última década foi atingido: 24 pontos – média de sete da manhã à meia-noite. O faturamento e o lucro, cifras que Octávio não manda ao ar, também atingem os píncaros. E mais: em meados de outubro as demais empresas da família Marinho que passam por dificuldades financeiras assinarão com seus credores a prorrogação do prazo de pagamento de suas gordas dívidas. Embora não esteja metida em nenhum imbróglio financeiro, a Rede Globo de Televisão respirará mais aliviada nas arquibancadas, já que é avalista destas operações.

Os que por lá andam garantem que nas salas e corredores da Globo respira-se de alguns tempos para cá oxigênio 100% puro, aquele reservado apenas às cabines de comando dos jatos. A gostosa fofoca, esporte nacional, seguramente continua existindo, mas teria perdido a peçonha, afirmam os mesmos pedestres. Para eles, isso se deve ao estilo Octávio de comandar. ‘Antes das reuniões onde, com certeza, raios e trovões cruzarão os ares, Octávio chama à sua sala, no Rio ou em São Paulo, em particular, os possíveis contendores. Ouve lamentos, anota queixas em uma inseparável agenda, conversa, observa, pondera e desarma as bombas potenciais. Só depois disso é que manda abrir o salão de reuniões. Este é o estilo de Octávio’, depõe Jorge Adib, amigo de décadas e companheiro de outros tempos da Globo. ‘ Ou por simpatia ao Octávio ou por rejeição ao estilo Marluce de liderar, o fato é que os mares estão tranqüilos’, diz ele. E os ventos continuam soprando a favor.

Em sua sala na sede da Globo no Rio, com a metade da área que um diretor de estatal de segundo nível aceitaria ocupar, o próprio Octávio não se esquiva a falar dele próprio. Trajando uma calça clara, camisa de manga curta de discreto xadrez, fartos cabelos prateados emoldurando uma fisionomia jovem para seus 63 anos, mãos grandes e dedos longos que gesticulam com suavidade, com olhos que volta e meia varrem o televisor sempre ligado entre os livros da estante, o comandante global atribui seu jeito de ser aos pais. ‘Sempre estiveram ao meu lado. Avicultor na periferia de São Paulo, meu pai sempre me ensinou como as coisas acontecem no seu devido tempo, minha mãe, espiritualista, suave, sempre se interessou em manter comigo interessantes diálogos em voz baixa’.

A etapa seguinte de sua formação foi na Escola Naval. ‘Eu precisava de um curso que meus pais não tinham condição de pagar. Então escolhi a Marinha, para estudar de graça. Cresci no pós-guerra, vendo filmes e superproduções nos quais o tema predominante eram os combates do bem contra o mal, e os mais interessantes se passavam em mares revoltos. Isso acabou me levando ao desejo de ser oficial de marinha’, conta.

Este período de marcha soldado foi curto. Passando no campo de futebol no mesmo momento em que veteranos aplicavam trotes com brutalidade nos calouros, Octávio foi arrolado também entre os pitboys sem nada ter a ver com isso. Todos expulsos. Octávio voltou a criar galinhas. ‘Entre os desligados havia um filho de almirante. Era a esperança de que fossem todos anistiados’, recorda. Dito e feito: a carta da Marinha chegou com a anistia. Octávio, no entanto, tinha mudado. Jogou para o lado a comunicação e nunca mais soube dela, de continências, cornetas ou tudo que lembrasse uma disciplina coercitiva.

Pelas mãos de Renato Castelo Branco, presidente da Thompson, seu tio, publicitário famoso, deu os primeiros passos na carreira em que se tornaria mestre. Quando Castelo Branco deixou a empresa, Octávio foi para a Lintas, onde iniciou verdadeiros exercícios de paciência e tranqüilidade. Pilotando a naturalmente nervosa superintendência de marketing administrava duas das maiores contas do país: Gessy-Lever e Johnson&Johnson. ‘A Lintas era britânica de natureza. O mundo podia estar pegando fogo que o chá das quatro horas era sagrado’, lembra Octávio. Era uma boa hora sagrada. Outro exercício de calma.

‘Elegante, dono de um tratar encantador sem artificialismo qualquer, Octávio seria um diplomata perfeito’, depõe Carlos Alberto Carmo, conhecido como Carlão, ex-presidente da Lintas e seu primeiro patrão. ‘Hoje, vê-se nas telas, nos balanços, nos índices de audiência, na qualidade da programação da Globo, o belo serviço que a Marinha prestou ao país desligando Octávio’, diz Carlão com ironia. Entre almirante e diretor-geral da Globo, Octávio prefere o segundo cargo. ‘Com o maior respeito, acho que o trabalho na mídia é mais criativo e desafiante. Além do mais, continuo não acreditando que o filho de um criador de galinhas chegasse à almirante’, sorri sentado em um pequeno sofá de frente para o Corcovado, no bairro do Jardim Botânico.

Carlão, hoje morador das cercanias de Petrópolis, recorda traços da personalidade de Octávio: ‘No fim de um dia, chamei-o e disse que necessitava cortar quatro funcionários de seu setor porque, como ele sabia, estávamos passando por um momento difícil. Octávio colocou a mão no meu ombro e respondeu: ‘Carlão, eu vou embora. Meu salário cobre o buraco e eu sei que amanhã estou empregado novamente. Deixa os rapazes aí mesmo. Vão ter que ralar muito para conseguir outro emprego e, além do mais, são muito bons’. Abracei-o e tudo continuou como era antes.’ ‘Este é o jeito Octávio de ser: examina o conjunto e sempre tira a melhor solução’, frisa Carlão.

Octávio não planejou a carreira, as coisas foram acontecendo. ‘Ele não é um ser de impacto, é de conquistas’, concordam os que assistiram sua ascensão. Na Norton, outra grande agência à época, conheceu a publicitária Helena de Almeida. Amor à primeira vista. Casaram. Paulistas, ambos só interrompiam a frenética atividade da publicidade para viajar. ‘Esse era nosso grande hobby, viajar e viajar’.

Graças aos périplos mundo afora, o casal foi um dos poucos brasileiros capaz de estampar em seus currículos um naufrágio no Mediterrâneo. Depois de jantarem lautamente, degustarem belos rótulos da carta de vinhos, recolheram-se ao camarote quando o navio se encontrava nas costas de Santorini. Mal adormeceram quando as sirenes soaram com estridência. Octávio despertou e foi ver do que se tratava. Voltou do tombadilho, lutou para acordar Helena em sono profundo. ‘Helena, o comandante quer que nós todos abandonemos o navio’, disse sem pânico. Helena não acreditou. ‘Vem dormir, Octávio, isso é exercício’. ‘Não é não, Helena, o navio já está adernado’. Adernado foi a injeção de adrenalina. De um só pulo Helena subiu ao tombadilho e lutava furiosamente por seu lugar no escaler. Atrás, Octávio a acalmava: ‘Calma, Helena, dá pra todo mundo’. ‘Depois do Titanic é melhor não dar sopa’, respondeu Helena já acomodada. E, afastados do navio, assistiram a proa afundar. A narrativa é de seu grande amigo e padrinho de casamento do casal, José Roberto Filippelli, que os esperava no aeroporto em Roma junto com a mulher Eunice e as filhas empunhando faixas dando viva aos sobreviventes.

Helena faleceu há poucos meses e Octávio está reaprendendo a viver depois de trinta anos de intenso casamento. Hoje divide o tempo entre o Rio e São Paulo. Às segundas e sextas opera em seu gabinete paulista, mais próximo do mercado, dos anunciantes e dos 1.500 funcionários paulistas. No Rio, às terças, quartas e quintas, Octávio reúne-se com o comitê executivo. Vinte e cinco profissionais, dos quais cinco diretores, das áreas mais diversas responsáveis por levar plim-plim a todo o Brasil. A TV Globo detém a terceira maior audiência do mundo – só perdendo para a China e Índia. Além das reuniões ‘globais’, Octávio reúne-se em separado com as equipes de marketing à produção, de criação à planejamento. É muito, mas ele diz que consegue dar conta do recado de nove às oito.

‘Quando as coisas mudam com tranqüilidade e segurança, pode ter certeza que o jeito Florisbal de ser andou por ali’, depõe Filippelli. Quando Florisbal foi convidado para a Globo, em 1982, ouviu dos amigos estímulos e alertas. ‘É Butantã puro’, diziam uns. ‘Ofidário’, sussurravam outros. ‘Mas, você vai vencer, faziam coro.’ ‘Quem era o todo-poderoso à época era o Boni, de quem me tornei amigo e recebi grandes aulas’, lembra Octávio. E tratou de incluir seu próprio estilo nas atividades comerciais da emissora. Uma das primeiras preocupações: injetar ética em doses maciças e aspergir correção no meio publicitário. ‘Naquela época, as agências compravam 30 segundos de espaço e entregavam filmes com 32 e mesmo 33 segundos. Octávio acabou com a chicana. Trinta segundos com Octávio eram 29,5 e ponto final’, rememora Filippelli, à época ativo ponta-de-lança da Globo na Europa.

A tensão em televisão existe e sempre existiu. Impossível não haver. ‘A televisão é um mundo de decisões imediatas, o sucesso de ontem é passado remoto’, pondera Octávio. Para não ver sucumbir sua alegria de viver, ele sempre ouve jazz e música popular brasileira. Esporte praticou quase todos. Do ciclismo ao basquete. Hoje anda diariamente, no Clube Pinheiros, seu vizinho, no coração chique de São Paulo, e já começa a dar as primeiras caminhadas em Ipanema, onde mora no Rio. A leitura sempre foi profissional. ‘Na nossa biblioteca o meu canto era todo técnico. Fui obrigado a optar devido à falta de tempo. Agora vou mergulhar aos poucos em literatura, pelo prazer da leitura.’

Seu estilo low profile tem um testemunho nos funcionários da Globo em Londres. Sempre se hospedava em um hotel bom sem suntuosidade. Ia para o escritório discretamente no ônibus 274 e, não raro, não saía para almoçar, pedia uma quentinha de comida japonesa. Como bom paulista, hoje não dispensa a pizza aos domingos, uma de suas paixões.

Octávio dribla o anúncio de grandes metas. ‘A Globo completa 40 anos no próximo ano. Nosso objetivo é a consolidação da construção e mirar na abertura para novos tempos. Na primeira fase, na década de 70, a meta era criar a rede, onde quem estava aqui assistiu uma gestão muito centralizadora. Na segunda, entre 80 e 90, com os deveres de casa feitos, partiu-se para a montagem de uma rede com 120 emissoras repetidoras, abrir o mercado internacional e, internamente, montar uma estrutura de gestão através de um comitê presidido por Roberto Irineu e co-presidido por Boni. Na terceira, viveu-se a descentralização, autonomia, responsabilidade e cobrança com a chegada de Marluce’, rememora.

Nem tudo foram flores, recordam outros protagonistas do ato mais recente. Se Marluce agitou, criou comitês, no ninho de Octávio passou ao largo. Não havia porque nem como mergulhar o dedo. Tudo dava certo. Provam os números que Octávio Florisbal pode exibir hoje. Não foram construídos durante seus 22 meses de interinidade. Sem exagero, pode-se afirmar que Octávio deu o primeiro passo em direção ao êxito ao colocar o pé na soleira da Globo. ‘Devagar ele sempre chegou onde queria’, garante Carlão.

‘Nossa meta é adaptar nosso negócio às novas mídias, à Internet, à TV interativa, por exemplo. Temos que nos acostumar com o novo momento econômico e nos abrirmos para os projetos sociais. No mais, é tocar com tenacidade para frente o que está dando certo.’ Para ele, uma das melhores coisas ocorridas no cenário nacional foi a sensibilidade de Lula em seguir a política econômica do governo anterior, afastando temores de rompimentos com o Fundo Monetário Internacional, drible na banca internacional e outros calotes. ‘O boom da televisão aconteceu no ano 2000, época das privatizações, injeção de capitais externos. Agora, estamos superando as marcas conseguidas naquele campeonato. O crescimento econômico já está irrigando a publicidade e já se reflete na melhoria da publicidade.

A crise vivida pela imprensa de forma geral já encontra uma perspectiva favorável de negócios. ‘No grupo Globo conseguiu-se alongar prazos para a amortização das dívidas. A este processo assistimos com satisfação. A Rede Globo de Televisão não padece de endividamentos, ao contrário, é avalista em várias operações de outras empresas do grupo. Nessa condição, com alívio, ouviremos o anúncio de um acerto geral com nossos credores dentro de 30 dias’, anuncia.

Para esses dias de paz, Octávio Florisbal já tem seu projeto: fundar uma associação beneficente com o nome de sua mulher, Helena, para amparar crianças deficientes e idosos, e continuar participando ativamente na Associação de Assistência à Crianças Deficientes e ao Lar André Luiz com mil crianças deficientes sendo amparadas. Esse é Octávio Florisbal, uma unanimidade.’



Daniel Castro

‘Globo seleciona nova safra de programas’, copyright Folha de S. Paulo, 23/09/04

‘Diretor artístico da Globo, Mario Lucio Vaz apresentou anteontem ao ‘comitê operacional’ (que reúne os principais executivos da emissora e toma as decisões finais da programação) os quatro projetos aprovados por ele e que devem ser testados como especiais de fim de ano, com chances de se tornarem ‘fixos’ em 2005.

Os projetos são: uma comédia romântica proposta por Claudio Paiva (‘Sai de Baixo’); uma comédia de situações escrita por Carlos Lombardi, com Adriana Esteves e Marcos Pasquim revivendo casal de ‘Kubanacan’; um seriado sobre relacionamentos de mulheres modernas idealizado por Euclydes Marinho; e uma série, de Guel Arraes, na linha bastidores, ‘sobre a arte teatral’.

Os quatro projetos foram inicialmente propostos por seus autores em encontro de criação realizado em Angra dos Reis no início do mês. Serão agora submetidos ao comitê, que irá analisar aspectos de produção (custos) e de viabilidade comercial, entre outros. A decisão final sairá até o início de novembro.

Os programas-testes serão exibidos em dezembro. Os melhores avaliados e bem-sucedidos no Ibope podem voltar em 2005, no formato de temporadas. A Globo deve abrir novas vagas aos domingos (na faixa que exibe ‘Sob Nova Direção’, que pode continuar) e às sextas (em rodízio com ‘Carga Pesada’ e ‘Os Aspones’, que estréia em novembro).

OUTRO CANAL

Realismo 1

O SBT realiza entre 4 e 7 de outubro testes para definir o elenco de ‘Esmeralda’, sua próxima novela. Alguns participantes já eliminados de ‘Casa dos Artistas Apresenta Protagonistas de Novela’ serão convidados para provas por papéis secundários.

Realismo 2

A propósito, o elenco do ‘reality show’ já sabe que o ‘protagonistas’ do título não é para valer. Em um flash ao vivo, um participante se referiu ao grupo como ‘coadjuvantes de novela’.

Meta

A Record está trabalhando números bem mais modestos de expectativa de audiência de ‘A Escrava Isaura’ do que propalava no início do ano pela malfadada ‘Metamorphoses’ (que, esperava-se, daria 20 pontos). De ‘Isaura’, espera de sete a nove pontos no Ibope.

Margem

A esperança da Record é que ‘Isaura’, que estréia dia 18, às 18h50, dê a mesma audiência do ‘Cidade Alerta’. Para evitar riscos, o jornalístico será mantido como alavanca para a novela durante duas semanas. Seu fim está marcado, agora, para 30 de outubro.

Briguinha

A Rede TV! está festejando uma ‘virada’ sobre a Band nos últimos dias. Na semana passada, venceu a concorrente por dois pontos a 1,8 na média diária (das 7h à 1h). A Band reconhece, mas lembra que leva vantagem na média acumulada desde o início do ano, em que vence por 2,2 pontos a 1,6.’



TV & CINEMA
Jayme Monjardim

‘Televisão x cinema’, copyright O Globo, 24/09/04

‘Mais uma vez, reacende-se o desgastante debate sobre ‘linguagem de televisão’ e ‘linguagem de cinema’. Um debate medíocre (comum) e ignorante, além de peremptório, que revela desconhecimento e um rancor típico de quem se percebe aquém da empreitada de realizar.

É preciso deixar claro aos que alimentam este debate de poucas luzes, como o fez brilhantemente o cineasta Jorge Furtado (‘Zero Hora’, 23/8/2003, ‘Como se faz não é como se vê’), que não existe linguagem de televisão e linguagem de cinema. Por definição da Língua Portuguesa, linguagem é ‘todo sistema de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos’.

Os signos e elementos utilizados nas obras para televisão ou cinema são os mesmos e compõem a linguagem visual. Não há duas linguagens, mas dois meios. Dois veículos distintos especialmente pelo comportamento que impingem ao espectador. No cinema, a pessoa paga e se arma de paciência para assistir (até o fim, quem sabe) a um filme numa grande sala escura. Na televisão, o sujeito recorre ao controle remoto e tem poder sobre a exibição.

Dois meios, dois comportamentos. Uma única linguagem, que comporta, é claro, milhares de estilos e liberdades artísticas, mas esse debate não chega a empolgar alguns críticos, que acham mais produtivo estabelecer o que pode ou não pode ser feito em duas coisas que simplesmente não existem, a linguagem de televisão e a linguagem de cinema.

Para piorar e acentuar a ignorância do debate, estão em voga, além dos argumentos falaciosos, que tentam associar filmes à fictícia linguagem de televisão ou à fictícia linguagem de cinema, os argumentos prepotentes e que escondem um profundo rancor com o público. Não é à toa que, usualmente, filmes que batem recordes de público são rejeitados por alguns críticos. Há, neste desencontro de interesse e percepção, a premissa de que o que é feito ‘para uma audiência massiva’ é necessariamente ruim.

No mesmo país em que pagar ingresso ainda é luxo para milhões de pessoas, alguns críticos utilizam o termo ‘televisivo’ para depreciar uma obra. E ‘cinematográfico’ para enaltecê-la. Como se houvesse, de fato, diferentes linguagens. Para piorar definitivamente a ignorância do debate, percebe-se um perigoso tom ditatorial no discurso. Afirmações enfáticas sobre o que ‘se pode’ ou ‘não se pode’ fazer num filme.

Como se houvesse um tribunal (militar?) a julgar as liberdades, as escolhas e as visões artísticas de cada realizador – seja ele cineasta, diretor, produtor, roteirista, ator, enfim. Como se houvesse um juiz onipotente (a crítica, esse pequeno e seleto e alheio grupo de pessoas que têm o conhecimento?) a permitir ou não que se sinta uma história da maneira que se pretende senti-la.

Aliás, a irrelevância do debate é tamanha que exclui dele o sentir.

Todos os sentidos ficam de fora da análise ignorante, tipicamente política, que divorcia a técnica da percepção sensorial. E é exatamente aí que reside o único interesse de um realizador: o momento do encontro do espectador com a obra. JAYME MONJARDIM é cineasta e diretor de novelas na televisão.’