Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sílvio Santos sacudiu

GLOBO NA SAPUCAÍ

Raphael Perret Leal (*)

Embora o coração deste signatário tenha as cores vermelha e branca do Salgueiro, não há como negar. A atração mais esperada do desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2001 era a aparição de Sílvio Santos, enredo da Tradição, na Globo, emissora que transmitiu o evento com exclusividade. O dono do SBT fez mistério, mas na hora apareceu e foi focalizado por um bom tempo pelas câmeras globais.

Acontecimento inesquecível.

A transmissão foi profissional e correta. Os repórteres entrevistaram personalidades do SBT que desfilaram, como Carla Perez, Hebe Camargo e até o Lombardi, o eterno locutor de Sílvio Santos, e só não falaram com Gugu Liberato porque este já estava no alto do carro. A principal ausência, que, se corrigida, coroaria a Globo, seria uma entrevista com a maior atração do desfile de domingo (e, por que não, dos dois dias?), mas que não ocorreu.

Para o histórico da Rede Globo, que sempre fingiu ser ela a única emissora de TV do país, houve mais acertos do que erros. Cléber Machado anunciou o nome do SBT (tanto a sigla como por extenso), ao comentar o enredo. E a transmissão mereceu elogios da Hebe: "A Globo está uma maravilha!", fazendo a repórter se derreter.

Mesmice nos camarotes

Nada, porém, é por acaso. É óbvio que a cobertura do desfile da Tradição atrairia os espectadores do SBT, principalmente depois que eles, durante semanas, assistiram a clipes com o samba-enredo da escola. Se a Globo fizesse uma transmissão decente, seria possível abocanhar a audiência que costuma ser privativa da emissora de Sílvio Santos no fim dos domingos e ficar com ela até o final dos desfiles. Sem dúvida, tratou-se de uma estratégia interesseira. Ao menos, venceu o profissionalismo. Tanto que a foto de maior destaque na edição do irmão O Globo na segunda-feira trazia o apresentador.

De barriga cheia, após ver Sílvio Santos na mesma tela em que aparece uma marca d?água com o símbolo da Globo, o que dizer da transmissão do desfile? Já tivemos carnavais melhores. Cléber Machado é o melhor narrador esportivo global, e saiu-se melhor que a companheira Glória Maria que, há anos, era uma das repórteres mais prestigiadas na cobertura do Sambódromo. Ela tentava passar uma emoção tão falsa quanto uma nota de 1 real azul, que não conseguia disfarçar que estava lendo. A soma dos dois não dá um Fernando Vannucci que, se era chato, pelo menos demonstrava mais naturalidade e ter mais conhecimento do que estava fazendo.

Os recursos tecnológicos até que eram divertidos, como a colombina e o arlequim trazendo destaques das escolas, mas eram assustadores e desnecessários quando apareciam, pasmem, em cima dos camarotes da Sapucaí ou sentados sobre a cabine azul e megalômana da Globo onde se postavam os locutores. Patético.

Por falar em camarotes, chega a ser irritante a mania de entrevistar as personalidades nos setores mais caros da avenida. As perguntas e respostas são sempre as mesmas. Ninguém vai aparecer dizendo que não estava gostando do desfile. Não seria mais interessante, por exemplo, pôr um, pelo menos um, repórter nas arquibancadas e sair à cata de algum anônimo ou turista que, certamente, tem uma história melhor pra contar, de viagem, de azaração, de hora de chegada e de saída e congêneres?

Emissora coerente

Em comparação a outros anos, um louvor: a Globo transmitiu todas as escolas. Antes, o desfile começava mais cedo, às vezes à tarde. É evidente que não seriam cortados Fantástico, Jornal Nacional e a novela das oito por causa do desfile. As escolas de samba é que sofriam os cortes. Como o evento começou às 21h (por acaso?), bastou dar uma ajustada na grade de programação e pronto: a Globo pode se gabar de ter transmitido na íntegra.

Na época em que a Manchete também fazia a transmissão, era covardia. Paulo Stein comandava uma maior gama de comentaristas, que não abusavam. Nos 20, 30 primeiros minutos iniciais do desfile de cada escola, por exemplo, eles ficavam em silêncio. Um recurso muito agradável era acompanhar o "esquenta" e o grito de guerra dos puxadores ? para quem nunca assistiu ao evento ao vivo, os intérpretes e a bateria tocam sambas antigos para "esquentar" os componentes e a platéia ?, que a Manchete mostrava muito mais que a Globo.

Num único ponto a emissora global ganhava: os repórteres eram mais ousados e competentes. Há nove anos, um dos carros da Viradouro pegou fogo na Praça da Apoteose. Não houve feridos, mas houve confusão. Enquanto ninguém na Manchete aparecia para dar as notícias direto do local ? somente as imagens eram exibidas ?, Mauricio Kubrusly ficou bem próximo ao carro e deu todas as informações do que ocorria. Porém, no geral, a TV de Adolpho Bloch tinha uma transmissão mais correta. A Manchete nunca se preocupou com horários e sempre exibiu o desfile do início ao fim.

A coerência da transmissão da maior emissora de TV do Brasil está no fato de que ela nunca foi grandes coisas. Nos últimos anos, tem contribuído para a apatia o equilíbrio entre as escolas de samba, em que é difícil apontar favoritas, que acabam sendo sempre as mesmas: Imperatriz, Beija-Flor, Mocidade e aquela em que estiver Joãozinho Trinta. O ramerrame este ano foi interrompido com a presença alegre e carismática de Sílvio Santos no abre-alas da Tradição. Tudo isso na tela da Globo.

(*) Analista de sistemas e jornalista