Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre as fraudes por e-mail

SEGURANÇA DIGITAL

Paulo Rebêlo (*)

A falta de segurança na troca de informações pela internet é sistêmica, por mais que a imprensa publique matérias e mais matérias sobre a importância da segurança digital nos dias de hoje. O traumático é constatar: nós jornalistas somos os primeiros a acreditar que nunca vamos ter problema com tentativas de fraude ou de sofrer difamações pela internet. A premissa vale para todo tipo de usuário, seja qual for sua profissão.

A maior maravilha da internet é o e-mail. Rápido, eficiente, objetivo. No entanto, tecnicamente falando, o e-mail é frágil, incerto e extremamente inseguro.

Você precisa saber sua senha para checar suas mensagens pelo programa de correio eletrônico ou pelo webmail. Só que não precisa de senha para enviar mensagens. Ninguém precisa.

Aquele nome que aparece como "remetente" (sender) é criado de acordo com o gosto do freguês. É possível escrever qualquer coisa ali. Posso criar uma conta de e-mail gratuita assim: <billgates_no_brasil@hotmail.com> e escrever "Microsoft President" no campo remetente. Então envio e-mail às redações brasileiras dizendo que sou Bill Gates em temporada de férias no Brasil e quero dar entrevista coletiva. Claro que é apenas um exemplo hipotético e irônico.

Fato é que apenas essas brechas são suficientes para que qualquer pessoa use uma conta de e-mail aleatória, escreva o nome do remetente que bem entender e envie quantas mensagens quiser. Isso pode ser feito em três minutos e não exige o mínimo conhecimento técnico.

Para checar e-mail, os programas o fazem pelo POP3 (post office protocol), um protocolo padrão e ultrapassado. Para enviar e-mail, usam o SMTP (simple mail transfer protocol), outro protocolo antigo. Ambas as tecnologias são independentes. Não é à toa que muita gente usa o POP3 de uma conta gratuita, por exemplo, e o SMTP de outra conta, geralmente a do provedor de acesso.

POP3 e SMTP existem há anos, desde o tempo em que a internet (que nem se chamava internet) abrigava pouca gente e ninguém imaginava que se tornaria o Leviatã comercial de hoje. De lá para cá, é óbvio e ululante que muita coisa mudou, embora os protocolos de e-mail continuem os mesmos. Inseguros, falhos e facilmente contornáveis.

Tapando o sol com a peneira

A maioria dos provedores de acesso, hoje, exige uma autenticação para que você envie mensagens usando o SMTP do provedor. A autenticação pode ser por meio de um login e senha, configurados no programa de correio; ou de uma configuração do próprio provedor que identifica quando você está conectado por ele ou por outra empresa provedora de acesso.

Caso se esteja conectado por outro provedor que não o seu (por exemplo, em viagem) e se deseja usar o e-mail do seu provedor, em geral os provedores só permitem o envio mediante autenticação: você precisa digitar novamente seu login e senha ou salvar essas informações no programa de correio. Destarte, o programa fará a autenticação no POP3 para baixar mensagens e uma outra autenticação via SMTP para enviar mensagens. Já é um avanço, visto que até poucos anos atrás nem isso se fazia. E ainda hoje nem todos os provedores o fazem.

A autenticação dupla serve apenas para usuários leigos ou pouco interessados em conhecer mais sobre o ambiente em que trabalham ou se divertem. Até porque, mesmo que você não use programas de correio eletrônico e adote apenas o webmail, nada impede que outra pessoa continue a enviar e-mails se passando por você.

Com a crescente demanda pelo uso do correio eletrônico ? milhares de pessoas usam a internet basicamente para enviar e receber mensagens ? cresceu também a oferta de provedores gratuitos de e-mail. A grosso modo, as contas gratuitas são criadas rapidamente, não há rigidez suficiente na confirmação de dados pessoais e é muito fácil criar uma conta fantasma, com dados forjados.

Tornou-se mais fácil ainda fraudar a partir de e-mails gratuitos como Yahoo, Hotmail, BOL, GMX, Runbox, Bigfoot etc. Um problema que ocorre com bem menos freqüência em provedores pagos, embora estes nem sempre ofereçam a estabilidade e a privacidade que alguns gostariam de ter.

Para piorar a situação, é interessante realçar que a necessidade de autenticação via SMTP para enviar mensagens não é uma constante. Existe uma infinidade de serviços gratuitos que oferecem SMTP anônimos, sem necessidade de autenticação. É um recurso amplamente utilizado por pessoas que fazem spam e, claro, por eventuais fraudadores de e-mail. Uma rápida pesquisa no Google pode lhe entregar de bandeja uma série de informações sobre SMTP anônimos e gratuitos. Muitos não são confiáveis para uso corrente, mas funcionam.

E-mail gratuito não é ruim

Então devemos desconfiar de pessoas com e-mail gratuito e procurar evitar aderir a essas belezinhas? Não é tão simples assim.

Sempre sugiro que as pessoas criem e-mails gratuitos, se possível mais de um. Por quê? Paradoxalmente, por uma questão de segurança. Percebam que e-mail gratuito é inseguro para quem recebe; mas proporciona uma certa privacidade para quem envia. Se vão usar essa privacidade para o bem ou para o mal, aí é outra história.

Sobre privacidade em e-mail gratuito e de provedor, veja ao pé deste texto links para matérias que tentam explicar melhor a situação.

Quem tem olho é rei

Adoramos instalar firulas bonitinhas no computador, baixar as últimas versões do ICQ e MSN Messenger, protetores de telas animados e reenviar correntes e piadas para os "amigos". Entretanto, é na hora de zelar pela própria segurança e privacidade que a porca torce o rabo. Os prejuízos milionários em empresas que permitem aos funcionários abrir arquivos anexos ao e-mail, sem qualquer filtragem técnica, é a maior prova de que a segurança digital parece ser um tabu. E não é só no Brasil, há de se realçar. Antivírus atualizado semanalmente e firewall ligado para todos os usuários domésticos é um sonho distante.

Se o e-mail é tão inseguro, e há tanto tempo, quer dizer que nunca fizeram nada para melhorar? Fizeram, sim. E não é novidade. Pense em criptografia.

É a mãe

Criptografia não é palavrão, nem xingamento. Muitos relacionam criptografia com FBI, CIA, Pentágono e outras instituições que lidam com informações ultraconfidenciais. Ou, simplesmente, acham que é coisa de nerd. O que talvez até tenha um fundo de verdade, quem sabe.

Depende do seu ponto de vista. Para quem acredita que um e-mail de cunho pessoal ou sigiloso escrito por você é público e que qualquer um pode ler, então esqueça a criptografia ou qualquer outro recurso de proteção. Não é o meu caso e, acredito piamente, não é o caso da maioria.

Há muitos anos existem ferramentas extremamente eficientes para proteger seu e-mail de fraudes e abelhudos. O destaque é para o internacionalmente adotado PGP <www.pgpi.org>, sigla para Pretty Good Privacy, que é inclusive usado em órgãos governamentais e instituições que lidam com informações confidenciais.

Todos nós, leigos ou não, podemos ? e devemos ? usar uma ferramenta assim. O funcionamento do PGP é simples. Há farta literatura sobre o assunto em português. É só procurar no Google. Mas, em linguagem resumida:

** Para cada pessoa que usa PGP é criada uma assinatura única e exclusiva. São criadas duas chaves: uma pública e uma privada. Então você tem a opção de "assinar" com o PGP todas suas mensagens enviadas com sua chave pública.

** O PGP só tem cabimento se o receptor também usar PGP. No Brasil, a adoção desse tipo de criptografia é incipiente. Consigo contar nos dedos conhecidos meus que usam o recurso. Tudo bem, talvez eu não conheça tantos nerds assim.

Portas sem chaves

O PGP exige que você digite uma senha, previamente criada quando instala o programa e cria sua conta pessoal, toda vez em que for enviar um e-mail. Se alguém usar seu computador e não tiver a senha, o e-mail é enviado sem a assinatura de autenticação. E sem a assinatura do PGP, o receptor já pode desconfiar de que você pode não ser exatamente você…

Ao receber o e-mail, o PGP na casa do receptor pode automaticamente conferir os dados de sua chave pública para ver se você é você mesmo, através de uma sincronia em tempo real com os servidores do PGP. Caso o e-mail não esteja assinado com sua chave, voltamos à estaca zero: qualquer pessoa pode alterar o nome do remetente e se fazer passar pelo Sílvio Santos, Bill Gates etc.

A assinatura funciona, enfim, para comprovar a veracidade do envio da mensagem, nada mais. O conteúdo do e-mail não é criptografado, apenas a assinatura específica do programa o é. É um recurso de confirmação do remetente. O conteúdo do e-mail, porém, continua bastante inseguro. Prato cheio para os abelhudos de plantão.

Então, para e-mails ainda mais importantes, sigilosos ou bem particulares, a melhor opção é criptografar todo o conteúdo da mensagem. O PGP faz isso bem rápido. O e-mail é enviado em forma de código aleatório (cifrado) e só quem pode ler é o receptor a quem você deu permissão. Os servidores vão verificar as chaves públicas e privadas dos dois para poder desembaralhar o conteúdo. Se der boi na linha, ou seja, alguém pegar o e-mail pelo meio do caminho, só consegue ler o conteúdo se souber a senha. E aí, para descobrir, só colocando o verdadeiro emissor sob tortura.

Todas as operações do PGP são rápidas e não exigem muito do computador. Diferentemente de protetores de tela e novas versões de ICQ e Messenger, o PGP foi feito para ser rápido, leve e funcional. Para assinar e criptografar e-mails em PGP é necessário que a mensagem esteja em texto puro. Traduzindo: nada de mensagens em HTML que mais parecem um website, com figurinhas, desenhos, musiquinhas e coloridinhos.

A adoção de e-mails criptografados, ou pelo menos assinados digitalmente, é de uma necessidade urgente para empresas e para profissionais que dependem da internet para trabalhar. E para o usuário doméstico, mesmo aquele leigo, é um recurso deveras interessante que vale a pena ser estudado.

As alternativas existem

O PGP não é a única solução de segurança no e-mail. Existem várias certificadoras digitais, inclusive brasileiras, que oferecem serviços de assinatura digital e criptografia. Mais uma vez, o "oráculo" (Google) tem as respostas para quem quiser saber mais. Até porque o PGP também tem lá suas falhas. Uma delas é falta de compatibilidade com todos os programas de correio eletrônico. Mesmo a versão mais recente é compatível apenas com os programas mais conhecidos, como Eudora, Outlook e Outlook Express. Há uma compatibilidade "forçada" para usuários do The Bat, ainda longe do ideal.

Outra falha é que se você costuma checar e enviar e-mails pela web, usando o navegador (browser), então não é possível usar PGP. Você pode até assinar digitalmente, copiando sua chave pública (CTRL+C) e colando em cada e-mail enviado. Mas, se o receptor do e-mail pegar a mensagem também pelo webmail, aí complica ainda mais para verificar a autenticidade.

O PGP sempre foi gratuito. Não é mais. Hoje, quem usa versões do Windows anterior ao XP pode baixar a versão 7.0.3 e usar gratuitamente. O problema é que a versão 7.0.3 não funciona no XP.

Quem usa Windows XP ou posterior só pode usar a versão 8.0, que é paga. Existe uma versão gratuita (freeware), mas é bem básica e não tem integração com nenhum programa de correio eletrônico. Além de e-mail, o PGP ainda oferece opções de criptografia para arquivos, pastas e discos rígidos inteiros. Tudo à distância de poucos cliques de mouse. É um recurso sem igual para sua privacidade.

Boi na linha

Abaixo, três reportagens antigas sobre os perigos e as inseguranças do correio eletrônico, sobretudo para usuários de provedores pagos. Isso sem contar que, no caso de alguns grandes provedores brasileiros, ter e-mail de provedor é dor de cabeça na certa, diante da quantidade de problemas técnicos que ocorrem e deixam os assinantes sem acesso ao correio em certas eventualidades, às vezes por vários dias seguidos.

(*) Subeditor do Webinsider <www.webinsider.com.br>; e-mail < rebelo@webinsider.com.br>; URL <www.rebelo.org>


Leia também

A insegurança do e-mail ? P.R.

A insegurança do e-mail ? II: o redirecionador ? P.R.

Privacidade no e-mail é sempre relativa ? P.R.