Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sobre padrões e… padrões

IBSEN PINHEIRO

Ana Lúcia Amaral

O artigo do ex-deputado federal e promotor aposentado Ibsen Pinheiro [edição 97 deste Observatório, veja remissão abaixo], a respeito do Ministério Público, em especial sobre a sua conformação constitucional, a par de contar um pouco da história dos trabalhos da Assembléia Constituinte, traz, talvez sem perceber, a manifestação de uma mentalidade e de um padrão de comportamento que espero esteja em extinção, em prol de uma cidadania responsável.

O ex-deputado federal constituinte e ex-membro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, em demonstração de sua convicção no acerto do desenho institucional do Ministério Público, contra tantas vozes (quer no governo quer na imprensa cooptada) que se levantaram contra a "nova instituição", apresenta-se como "vítima" da sanha persecutória de procuradores/promotores. Nessa fúria denunciatória, teria sido ele processado por "pífia" sonegação. Ora, não existe na norma legal definidora do crime de sonegação dimensionamento da conduta entendida violadora de uma regra de conduta. A norma tenta coibir a ação fraudulenta tendente a ocultar fato gerador de imposto. Pagar imposto é uma obrigação do cidadão, para que ele contribua na formação do patrimônio público de onde deverão sair os serviços que ele e outros cidadãos necessitam. Muitas vezes uns têm que pagar mais que outros, ou quando outros não podem pagar ? porque a ordem constitucional, que rege a todos os cidadãos, diz que no tocante a tributos deverá ser observada a capacidade contributiva. É o princípio da igualdade considerando as desigualdades.

Se ocorreu o fato gerador do imposto, e no caso do ex-deputado federal e ex-membro do Ministério Público tratava-se de imposto de renda, cabia ao cidadão contribuinte pagar o imposto. Se usou de subterfúgios, se usou de meios fraudulentos para não pagar, e não pagou, não importa se foi muito ou pouco.O que busca o sistema legal é coibir o uso de fraude, o que por si só já denota falta de lisura do cidadão-contribuinte. Se não concorda com a disciplina legal, valha-se o cidadão-contribuinte dos meios que o próprio sistema legal lhe coloca à disposição. Para alguém que conhece a lei, pois se trata de ex-promotor de Justiça, não poderia invocar desconhecimento dela, ou ter sido induzido em erro pelo contador. De alguém de quem se espera seja fiel cumpridor da lei, quer como membro do Ministério Público ? o fiscal da lei! ?, quer como deputado federal ? quem faz as leis ! ?, é de lamentar comentário tão "bisonho".

Mudança de comportamento

Quero crer, contudo, que seja tal manifestação apenas a expressão de uma mentalidade que tem de estar em extinção, e com urgência. A tão decantada característica comportamental do brasileiro, de "ser esperto" e "dar um jeitinho" para não cumprir a lei, que afinal é para os "otários", está revelando a sua face perversa e não simplesmente folclórica. A atitude de achar que há coisas piores que não são coibidas, razão pela qual poder-se-ia cometer as "pífias", produziu seres repulsivos ? para os padrões em formação ? como os juízes Nicolaus e Luízes Estevão, Collors e anões do Congresso. Dirá o leitor: mas nada aconteceu com eles até agora. Será que não? "A Justiça não os condenou." Mas isto é uma outra história…

E a censura social, feita pelos cidadãos corretos, os realmente lesados por tais "padrões" de comportamento? Será que não conta? Será que Collor, que quase nem aparece nas intenções de voto nas pesquisas pré-eleitorais, num colégio eleitoral que lhe deu a vitória na campanha presidencial de 1989, está totalmente indiferente? Será que seus filhos contam com orgulho: "Meu pai foi presidente da República"? Será que as filhas do juiz foragido Nicolau dos Santos Neto chegam nos lugares dizendo: "Sabe com quem está falando"? Será que o próprio ainda declina sua condição de juiz? Será que o ex-senador Luiz Estevão usufrui da mesma "aceitação" social? Será que ainda é convidado para festas?

Ainda que não tenham essas pessoas padrões comportamentais do denominado homem probo, desconfortos sofrem, de uma forma ou de outra. Para quem "usufruiu" de um certo status, não poder mais retirar as benesses às quais já haviam se acostumado, já é uma uma perda. Sei que não é do mesmo nível e/ou dimensão daquela perda que os cidadãos hipossuficientes sofreram e ainda sofrem por força das ações dessas pessoas que chegaram à Administração Pública para transformá-la em coisa privada.

Sei que é muito pouco, mas se considerarmos que antes nada acontecia, tanto que fez florescer e desenvolver o entendimento ? seguido pelo ex-deputado federal Ibsen Pinheiro ? que há sonegações "pifias" e as nada "pífias", o simples fato de haver perdas de mandatos eletivos, ainda que por puro instinto de sobrevivência dos demais parlamentares, dá sinais claros de mudança no comportamento do brasileiro. Só não podemos esmorecer diante do fato de o Poder Judiciário, ao argumento da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, permitir que esse tipo desprezível de cidadão continue impune. Para a Justiça convencional até podem ser considerados inocentes. Todavia, para nossos padrões de cidadãos honestos, cumpridores de nossas obrigações, ainda que com muito sacrifíco pessoal, eles serão o que são: criminosos, ainda que os mesmos considerem "pífios" os seus crimes.

(*) Procuradora regional da República, associada do Instituto de Estudos Direito e Cidadania (IEDC)

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