Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobriedade, exageros e males da primeira dentição

BBC, CNN, GLOBO NEWS

Marinilda Carvalho

Sem acesso à área chamada ground zero, a não ser nas visitas diárias em forma de pool guiadas por funcionários de segurança, a CNN até que vinha se comportando bem na cobertura dos ataques. De repente, lá pela quarta-feira, desandou a cobrar do governo uma retaliação imediata. A principal porta-voz desta visão foi a apresentadora Judy Woodroof, da sucursal de Washington. Falava nas "perturbadas" almas dos mortos ? "que encontrem a paz entre os braços de Deus", uma manifestação no mínimo esdrúxula para um profissional de imprensa ? e engatava de imediato no ódio aos terroristas, exigindo resposta militar urgente do governo. Deus e sua fúria vingadora. A cada entrevistado Judy perguntava se Washington não estaria demorando demais a reagir. Foi contida por vários deles, mais sensatos pelo menos diante das câmeras. Em dois dias, outros apresentadores da emissora já repetiam as mesmas cobranças e, diante da escassez de imagens cada vez mais constrangedora, passaram a apelar flagrantemente à pieguice.

Conclusão: a CNN de democrata não tem nada. Nem de laica. Nem de neutra. Esta parada a BBC ganhou. Noticiou com isenção, mostrou mais imagens, deu mais informes. Fez menos política. E não só porque é britânica, portanto mais distante: nas grandes coberturas, como na invasão da Iugoslávia pelas tropas da Otan, a BBC é sempre melhor.

Outros pontos dignos de registro:

** Repórteres da mídia local, especialmente dos tablóides nova-iorquinos, foram presos por se infiltrarem no ground zero para obter imagens exclusivas.

** "Sejam mais cuidadosos com a informação", pediu o prefeito (republicano) Rudy Giuliani. "Verifiquem a informação antes de divulgar." Ele se referiu especificamente a dois episódios: a mídia havia informado que um grupo de sobreviventes fora contatado sob os escombros, uma inverdade. E também que os cinco bombeiros resgatados na quinta-feira estavam entre os soterrados do desmoronamento original ? uma mentira: o grupo ficara preso nos destroços que caíram nos dias subseqüentes. "Não é ético provocar otimismo injustificado", ensinou o prefeito.

** Ao que se saiba, a CNN não comentou a denúncia, espraiada pelo menos no Brasil numa avalanche de emails, de que manipulou as imagens de palestinos festejando os ataques. Denúncias, diga-se de passagem, suspeitas: ora diz-se que era uma celebração palestina de outubro de 2000, ora que era uma festa paquistanesa de anos atrás.

** O Jornal da Globo manteve o padrão Jornal Nacional: tragédia-entretenimento, sensacionalismo, pieguice. E a correspondente em Nova York ficou abaixo da crítica: ignorando que a CNN é vista no Brasil, repetia as notícias da TV a cabo americana como se fossem novidades novíssimas.

** Ficará para sempre na memória do observador de mídia a expressão da apresentadora Ana Paula Padrão ao declarar oficialmente George W. Bush "um estadista". Se ainda fosse o Giuliani…

Globo News

O importante papel desempenhado pela Globo News, nosso canal pago de notícias 24 horas, é inegável. Toda a programação foi derrubada em função da cobertura da catástrofe nova-iorquina, grandes esforços foram despendidos na busca de testemunhos de brasileiros, comuns e famosos. É frustrante, entretanto, ver que a equipe de jornalistas da emissora ainda mostre, em coberturas complexas, mais deficiência que eficiência. Talvez pela juventude, não contextualiza os fatos e não agrega informação complementar.

** Todas as TVs mostraram palestinos festejando o desastre. Mas só a Globo News não explicou que a celebração se dava numa cidade famosa por ser berço de homens-bomba. Os demais canais a cabo ressaltaram várias vezes essa informação e repetiam que os festejos não eram generalizados.

** As notícias de outras emissoras eram repassadas sem os cuidados tomados pelas próprias fontes: enquanto CNN e BBC davam essas notícias como não-confirmadas, a Globo News as repetia sem a devida ressalva.

** Nenhum repórter sabia o que era o bunker em Nebraska para onde um desarvorado presidente Bush parecia se dirigir logo após deixar a Flórida (aliás, nem o analista internacional Emir Sader, chamado a comentar os fatos, sabia que se trata de um complexo de defesa instalado no fundo da terra onde pode ficar alojada, até por anos seguidos, a cúpula do governo americano em caso de ataque nuclear.

** Ninguém comentou que a solidariedade do presidente russo Vladimir Putin foi tão rápida porque ele viu uma oportunidade de mostrar ao Ocidente o quanto vale o apoio mundial contra o terrorismo: na guerra contra a Chechênia, que os russos alegam estar nas mãos de guerrilheiros terroristas, ele buscou esse apoio em vão.

** O dólar caía em todo o mundo, mas subia no Brasil, e nenhum repórter perguntou aos analistas econômicos o porquê. Pode ser óbvio para quem especula no mercado, mas o espectador mortal não entende este processo, e até imagina o pior a respeito.

    
    
                     
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