Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Solidariedade aos censurados e perseguidos

GUERRA DE INFORMAÇÃO
(*)

Agência Nacional de Comunicação, de Buenos Aires

[tradução: Jô Amado]

Um grupo de 26 intelectuais hispano-americanos divulgou um manifesto no qual anunciam a criação de um "Comitê de Solidariedade" aos colegas censurados ou perseguidos por lutarem contra a guerra. Comprometem-se a dedicar seus esforços no sentido de "dar informação verdadeira sobre o que realmente acontece na sociedade norte-americana, assim como sobre as constantes incursões bélicas de seus exércitos por todo o planeta".

O manifesto é assinado pelos argentinos Juan Gelman, Luisa Valenzuela, Angélica Gorodischer, Héctor Timerman e Mempo Giardinelli; pelos uruguaios Eduardo Galeano, Mario Benedetti, Fernando Butazzoni, Mario Delgado Aparaín, Tomás de Mattos e Mauricio Rosencof; pelos chilenos Luis Sepúlveda, Pía Barros, Sonia González-Valdenegro, Ramón Díaz Eterovic e Diego Muñoz Valenzuela; pelo peruano Antonio Cisneros; pelos espanhóis José Manuel Fajardo e José Vicente Peiró Barco; pelo salvadorenho Jaime Barba; pela mexicana Adriana Malvido; pelos equatorianos Abdón Ubidia e Raúl Vallejo; pelo paraguaio Guido Rodríguez-Alcalá; pelo colombiano Jorge Franco; e pelo brasileiro Tabajara Ruas. A seguir, a íntegra do documento:


"O mundo vive horas de espanto. A partir da Casa Branca, do Pentágono e de outros centros de poder nos Estados Unidos organiza-se uma guerra que resulta num genocídio que se apóia em interesses petrolíferos e da indústria armamentista, assim como na necessidade de ocultar negociatas sujas (Enron e outras). Não apenas se arrogam o direito de massacrar povos inteiros em nome da democracia, mas pretendem converter o sangue iraquiano em petróleo e em novas negociatas com a suposta ?reconstrução?. Com esse objetivo, iniciaram uma guerra que é ilegal, ilegítima e profundamente imoral.

Com o pretexto de derrubar Saddam Hussein (que é, fora de dúvida, um ditador condenado pela comunidade internacional, embora tenha sido sustentado durante anos pela Casa Branca até deixar de ser útil), dezenas de milhares de soldados invadiram o Iraque, ocupando uma parte de seu território a sangue e fogo, enviados e conduzidos por pessoas de honorabilidade e decência duvidosas, como George W. Bush, Richard Cheney e Donald Rumsfeld, e com a cumplicidade de dois chefes de Estado europeus: Anthony Blair e José María Aznar.

Enquanto isto ocorre, dentro dos próprios Estados Unidos vive-se uma histeria patrioteira que despreza a liberdade e a privacidade de seus próprios cidadãos. Centenas de estrangeiros foram detidos e milhares de outros encontram-se sob permanente vigilância. O golpe de Estado mundial que significou o ataque unilateral ao Iraque ? pisoteando o Direito Internacional e, na prática, anulando as Nações Unidas ? também representa, de forma concreta, uma severa deterioração das liberdades dentro do próprio território norte-americano.

As manifestações de cidadãos que exigem a Paz e se opõem a esta guerra obscena foram duramente reprimidas em cidades como Chicago, Nova York, Filadélfia e São Francisco. Muitos pacifistas foram presos e, em decorrência disso, poderão ser fichados como criminosos. Multiplicam-se os discursos chauvinistas e entre boa parte da população cresce o desprezo pelos árabes, pelos franceses, pelos eslavos, pelos latino-americanos e pelos asiáticos. Alguns jornais já começam a exigir ação contra o ?perigo? da Coréia do Norte, num contexto em que os grandes meios de comunicação norte-americanos chegam a censurar a informação doméstica, pressionam os trabalhadores e manipulam a opinião pública.

São muitos, no entanto, os intelectuais, artistas e professores norte-americanos que denunciam no exterior o que mal conseguem denunciar em seu próprio país. Adversários dessa guerra imoral, comprovam diariamente que a dissidência é progressivamente mais arriscada e que, dentro dos próprios Estados Unidos, passou a ser motivo para expulsão e condenação. Já se divulgou a existência de ?listas negras? na indústria cinematográfica e em meios acadêmicos, assim como foram denunciados constantes grampos telefônicos.

Jornalistas famosos foram demitidos por informar corretamente o que acontece na guerra. Muitas pessoas reconhecem, em particular, que sentem medo e se vêem forçadas a se autocensurar para não perderem os empregos ou serem discriminadas e perseguidas. As denúncias de quem tenta proclamar a verdade nos Estados Unidos estão fadadas a repercutir no vazio.

Diante desta gravíssima situação, nós, abaixo-assinados, consideramos que é nosso dever não somente manifestar nossa condenação a esta guerra infame ? cuja principal vítima é o povo do Iraque e, naturalmente, os intelectuais desse país ? e a seus responsáveis, mas também saudar, com nosso apoio e solidariedade, os intelectuais norte-americanos, submetidos a um regime obscurantista de censura e perseguição política e ideológica, sob o pretexto de praticarem ?atividades antiamericanas?.

Por isto, decidimos criar um Comitê de Solidariedade aos colegas censurados e perseguidos por lutar contra a guerra. Este comitê dedicará seus esforços a divulgar informação verdadeira sobre o que realmente vem acontecendo na sociedade norte-americana, assim como sobre as permanentes incursões bélicas de seus exércitos por todo o planeta.

Convidamos todos os homens e mulheres de boa vontade a se unirem a nossa luta pacífica pela Liberdade. Sem outra bandeira que a da dignidade humana, a da paz e a da fraternidade entre todos os povos da Terra. NÃO à guerra, SIM à paz e à liberdade de expressão."


(*) Reproduzido do boletim Interprensa, do Instituto Prensa y Sociedad <http://www.ipyspe.org.pe/interprensa>, de Lima (Peru)