Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sombras e esperança

M.M.

 

Primeiro foi o Estadão – demitiu meia centena de jornalistas“.

Assim começava o alerta de Alberto Dines na edição número 54 do OBSERVATÓRIO, em 5 de outubro. Desde então, a lista só fez aumentar, dolorosamente: RBS, JB, Manchete, Globo, Extra, Lance, A Notícia (R.I.P.).

As baixas mais recentes ocorreram em O Dia: 40 pessoas, das quais 20 jornalistas, três deles da sede e os demais de sucursais.

A discussão anterior está em artigos agrupados sob a rubrica “Crise nas empresas ou crise do jornalismo?” (1 e 2; ver remissão abaixo).

É preciso meditar sobre a velocidade com que empresas jornalísticas brasileiras reagiram negativamente ao ambiente de crise econômica.

Será que, como disse alguém, “os donos de jornais e revistas acreditaram realmente nas lorotas que publicaram sobre o estado da economia”?

Será que a entrada num período recessivo, sem inflação, expõe fragilidades que não se resolvem mais com velhos expedientes?

Será que as dificuldades têm a ver com a propriedade familiar (praticamente obrigatória por dispositivo constitucional, o artigo 222) – que usualmente drena para patrimônio privado parcela leonina dos lucros da empresa?

A cada uma dessas perguntas poderão ser contrapostas objeções respeitáveis. Por exemplo: se a crise afeta as empresas mais frágeis, por que as mais sólidas também demitem?

No que diz respeito ao exercício da função social dos meios de comunicação, algo preocupa: as demissões ceifam veteranos (que têm salários mais elevados), sem que haja compensações em matéria de discernimento e qualificação profissional. Ou seja: ao se taparem os buracos, o padrão de jornalismo praticado tenderá a piorar.

Empresas estrangeiras de jornalismo estão preparando os músculos para ocupar mais espaço. Já estamos vendo o trailer.

Ao mesmo tempo, o desespero é mau conselheiro. Muitos vão apelar ainda mais para a ignorância, em busca do “mercado”.

Onde mora a esperança?

Existe um público novo no país (urbanizados e alfabetizados recentes, sucessivas levas de detentores de diplomas universitários, mulheres que entraram no mercado de trabalho nas últimas décadas, desempregados recentes com alto nível de escolaridade – condições que em parte se superpõem).

Essas pessoas têm problemas novos, precisam de novas informações, de uma nova maneira de fazer jornalismo, que, para resumir politicamente o problema, represente uma ruptura com a herança das trevas ditatoriais. Reducionismo absurdo, politização inconseqüente?

Vejam Carne Trêmula, de Almodóvar, por favor, e voltem a pensar no assunto.

Se existem públicos novos, há lugar para uma imprensa nova.

Não será feita nem preferencialmente por idosos, nem exclusivamente por jovens.

Exige é uma nova mentalidade. Uma visão política que tire as conseqüências de tudo o que se viveu no país desde a volta das eleições diretas para presidente da República, há quase dez anos.

xxx

Abaixo, três cartas sobre a crise nos jornais.

Prezado Alberto Dines, a você que prega tanto as regras do bom jornalismo, e que defendeu a vida inteira que o bom jornalista deve sempre checar os dados que lhe chegam às mãos, desconfiando de informações transmitidas por fontes parcialmente envolvidas na notícia, e, acima de tudo, e invariavelmente, procurando sempre ouvir o outro lado da história – a você, que é um defensor radical desta causa tão vital e nobre para todas as gerações de jornalistas e para o cidadão de uma maneira geral, sugiro que releia o seu texto A crise da imprensa (II), no número 55 do seu OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, de 20 de outubro.

Vai descobrir, ali, exatamente o que jamais se deve fazer em jornalismo, segundo a sua pregação. Você tem todo o direito de ter as suas opiniões. Mas não pode cometer a leviandade de baseá-las em informações fantasiosas. As informações sobre salários e a linha de atuação da equipe que, chefiada por mim, dirigia a redação do Jornal do Brasil (e não foi ouvida por seu OBSERVATÓRIO) são total e absolutamente mentirosas.

Está faltando bom repórter exatamente na casa que tem a pretensão de discutir o papel da imprensa. Um abraço,

Marcelo Pontes

Alberto Dines responde: O jornalista Marcelo Pontes poderia ter aproveitado a oportunidade para oferecer uma informação concreta no tocante aos salários da equipe que dirigia o jornal. Por que não o fez? O resto é opinião: há dois anos venho dizendo neste OBSERVATÓRIO com todas as letras (e jamais contestado) que o JB abriu mão das suas marcas e andava como barata tonta seguindo modismos e piruetas, deixando de lado sua tradição de qualidade. Que independe de recursos financeiros. Repito o que disse na edição anterior: um quality paper pode fechar, mas fechará mais depressa se abrir mão dos seus compromissos como quality paper.

Lamento que estas coisas duras e inequívocas tivessem que ser ditas assim. O momento é sério demais para rapapés. Ou reticências. Está em jogo o futuro de uma instituição e, no caso do JB, de um jornal insubstituível no cenário carioca e, por isso, no cenário brasileiro.

Os donos das empresas jornalísticas erraram muito. São os grandes responsáveis pelos naufrágios que estamos testemunhando. Não estão pobres mas arruinaram os respectivos veículos. Mas os jornalistas ditos executivos deram decisiva contribuição. Poderiam ter resistido, ou como diz aquela piada, não precisavam gozar com tanto prazer na grande bacanal mercadológica da qual participaram. Com todo o respeito e, até que sejam oferecidas informações que invalidem as minhas, mantenho tudo o que disse na matéria anterior.

Surpreendi-me com uma frase no artigo de Alberto Dines (Crise nas empresas ou crise no jornalismo?) segundo a qual “… grandes empresas que ‘salvaram’ situações críticas com generosos anúncios (a Vale do Rio Doce é o exemplo clássico) são agora movidas…” etc.

Nada mais tenho a ver com a Vale, da qual fui desligado há quase um ano. Mas, nos 10 anos que precederam sua privatizaçãatilde;o, estive à frente da gerência geral que controlava a verba publicitária – portanto, de anúncios para todos os veículos. É a primeira vez que leio ou ouço referência a operações de salvamento via “generosos anúncios”. O orçamento anual da CVRD destinava as verbas e o signatário era quem as administrava. Pelo menos nas gestões dos presidentes Agripino Abranches Viana, Wilson Brumer, (Bernardo Szpigel, Wander Jevaux e Anastácio Ubaldino Fernandes vice-presidentes interinos) e Francisco Schettino, ninguém meteu a mão no orçamento sob minha responsabilidade para “salvar com generosos anúncios”, a ponto de caracterizar “exemplo clássico”.

Resisti, sim, a inúmeras investidas, sempre respaldado pelos presidentes aos quais me reportava. Tanto que a verba sob minha responsabilidade sempre teve saldo positivo ao fim de cada exercício. Nunca a Vale patrocinou mesas-redondas, seminários e debates organizados por jornalistas ou edições especiais promovidas por empresas em dificuldade.

Gostaria de saber que exemplo clássico é esse.

José Silveira

Alberto Dines responde: O jornalista José Silveira é um profissional sério, severo e merece todo o respeito. A sua cobrança é mais do que justa. Mas a observação que fiz referia-se às concessionárias de serviços público privatizadas. Em nenhum momento passou-me pela cabeça incluir a Vale ou o seu último diretor de comunicação.

Enviei o seguinte e-mail ao JB:

“Tenho uma mensagem que considero importantíssima para uma reflexão e posteriormente uma análise e conseqüentemente uma revisão na política editorial e no planejamento estratégico deste querido jornal. Portanto, começo contando sobre “O paradoxo do sapo”, para uma melhor compreensão: quando se coloca um sapo numa panela com água fervente, ele tem uma reação instantânea, que é pular imediatamente para fora, num impulso instintivo de sobrevivência. No entanto, quando se coloca o sapo numa panela com água na temperatura ambiente esquentando gradativamente, o sapo não percebe e acaba morrendo cozido.

Vou fazer uma analogia do sapo com o JB. Outro dia, Hélio Fernandes, na Tribuna da Imprensa de 20/10/98, disse que o JB parece ter desprezo por seu passado, por sua história, pois é um jornal com tantas tradições e lutas em prol do crescimento da democracia em nosso país e do fortalecimento de nossas instituições, mas inusitadamente nunca teve uma coluna como existem em jornais de vida mais recente, como “O que aconteceu há 50 anos”. O JB poderia até fazer uma retrospectiva de 100 anos.

Este é apenas um detalhe, pois quem é leitor do Jornal do Brasil como eu, há mais de 30 anos, está a cada dia que passa notando a decadência do jornal. É só verificar a queda de sua circulação e do seu prestígio a cada ano e também, o que eu acho gravíssimo, a péssima distribuição do jornal. Sou de Resende-RJ e resido em São Paulo há bastante tempo, e já reclamei diversas vezes por e-mail da frágil e inconstante distribuição do JB em SP.

Mas ainda tenho esperança de que o JB dê a volta por cima, voltando a ser aquele jornal que tanta satisfação dava a seus leitores, com jornalistas de altíssimo gabarito, uma reforma gráfica que foi inédita na imprensa brasileira, na década de 60.

Enfim, era o jornal predileto de meu pai, que desta forma transmitiu a mim esse costume.

Espero que o JB supere este declínio que considero transitório e passe a ocupar de novo o lugar que sempre mereceu, entrando de pé direito no terceiro milênio e deixando para trás esta péssima fase atual que reputo de “A era Xexéo”. Saudações à família JB’.”

J. E. O. Bruno

 

LEIA TAMBEM

Crise das empresas ou crise do jornalismo? (1)

Crise das empresas ou crise do jornalismo? (2)