Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sátira contra editores mandões

THE WASHINGTON POST

Gene Weingarten, colunista da Washington Post Magazine, foi "convidado" a suprimir trechos "vulgares" de sua coluna, que tratava dos valores do americano médio. Revoltado com a "sugestão", escreveu o texto abaixo, ironizando a virtual censura. E fez uma proposta original: que a revista passe a ser escrita em português. Isso mesmo: português.

Mas não se anime com a homenagem a esta nossa flor (a última do Lácio!). Ele sugere que a revista do jornalão da capital americana seja escrita em português, e em caracteres hebraicos! Acatando a sugestão, este Observatório traz, abaixo, a matéria de Weingarten em… português. Os caracteres hebraicos não estão disponíveis em nossos teclados.

"Golpe baixo", copyright Washington Post Magazine, 12/5/02

Esta não é a coluna que você deveria ler hoje. A coluna que escrevi originalmente era um olhar cáustico e brincalhão sobre os valores do americano médio. Era bem ao estilo de Mark Twain ? você teria adorado. Mas meus editores decidiram que ela continha uma parte tão "vulgar" que se você a lesse seus olhos derreteriam como bolinhas de queijo no microondas.

Os editores sugeriram que eu simplesmente retirasse esta parte, que, eles diziam, não prejudicaria a coluna; eu argumentei que afetaria a coluna tanto como da mesma forma que remover a mandíbula inferior de alguém afetaria sua habilidade de recitar Plutarco em grego. Meus editores então me acusaram de agir como um bebê. Em resposta, eu os chamei de feios, chatos e bobões.

Criou-se um impasse. Se minha companhia funciona da mesma maneira que a sua, você pode adivinhar o que aconteceu em seguida. Minha companhia é uma grande instituição liberal que se desenvolve graças ao consenso amigável entre pessoas que ? associadas profissionalmente em busca de objetivos comuns ? são completamente iguais até que um desentendimento ocorra. Neste ponto, as regras do jogo mudam um pouco. Passamos da Terra da Fantasia ao pedra-papel-e-tesoura. Editores são pedra. Escritores são aqueles clipes plásticos coloridos de papel.

Em resumo, foi-me dada uma opção: eu poderia ver a sabedoria brilhante do ponto de vista dos meus editores e alterar a coluna como aconselhado, ou poderia escolher escrever uma coluna diferente, ou (em uma organização tão grande e diversa, sempre há muitas opções) poderia ser escoltado até a porta da frente pelos seguranças.

Agora você poderia pensar: "Bem, veja quem riu por último ? você está escrevendo sobre ser censurado!"

Errado.

Primeiro, na verdade, eu deveria deixar claro que o que aconteceu comigo não é, tecnicamente, censura. Censura é edição imposta à mídia por um tirano malvado e de olhinhos brilhantes como Saddam Hussein. Não é considerado censura quando um jornal escolhe editar a si mesmo. Isto é um problema interno, como quando Saddam resolveu jogar gás nos curdos.

Mas a principal razão de você estar errado quando pensa que eu ri por último é que não posso dizer o que quero dizer. O motivo pelo qual chamam estas pessoas de editores é que eles editam matérias. Eles põem as mãos sobre elas por último. Se eu fosse explicar diretamente meu horror a como estes [tarja preta] se atrevem a [tarja preta], então [tarja preta] por estes [tarja preta].

Editores podem ser irritantes, mas como ex-editor tenho que reconhecer que seu trabalho é essencial. E digo isto com todo o orgulho e reverência de um mosquito discutindo sua antiga carreira com um verme.

Já que editores têm a última palavra, a única estratégia que me restou foi a sátira, técnica empregada por pessoas famosas como Jonathan Swift para alfinetar seus alvos. Sátira exige caminhos indiretos: por exemplo, quando Jonathan Swift quis condenar o tratamento desumano dos britânicos em relação aos irlandeses (um povo, por sinal, famoso pela produção de grandes escritores, tragicamente não reconhecidos), Swift não o fez de forma clara. Em vez disso ele propôs, como política econômica nacional, que os britânicos comessem bebês irlandeses. Opressores comendo os oprimidos!

Da mesma forma, eu poderia propor que os editores me comessem. Mas acho que isso seria maldoso: eles podem achar minha carne um tanto amarga. Em vez disso, tenho uma modesta proposta.

Minha visão é baseada na certeza de que meus editores, como todos os editores em todo o mundo devido a seu direito divino, estão corretos em seu julgamento. Especificamente, eles estão certos em pensar que você, público leitor, é como uma criança ? amável, adorável, frágil emocionalmente, inocente, não-corrompido, incontrolável ? e portanto deve ser protegido de rufiões intelectuais como eu.

Mas eu afirmo que mera vigilância editorial não é o suficiente. Devemos eliminar qualquer possibilidade de ofender alguém de leve, mesmo inadvertidamente. Para isto, proponho que a Washington Post Magazine seja publicada inteiramente em português.

Sei o que você está pensando. Está pensando que há uma falha neste plano, e está certo: e os brasileiros e luso-americanos? Seus sentimentos não são importantes, também?

É um problema espinhoso, mas tenho uma solução. É um pouco complicado, então seja paciente comigo: embora escrevamos as matérias em português, vamos usar caracteres do alfabeto hebraico!

Claro, há complicações. A revista teria que despedir seus editores e arranjar outros com habilidades lingüísticas diferentes. É uma pena, mas sacrifícios são às vezes necessários em nome do bom gosto.