Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Sursum corda

DOSSIÊ PÓS-GRADUAÇÃO

Wilson Gomes (*)


Uma ciência não progride sem uma idéia precisa de sua natureza e de seus meios de desenvolvimento, o que só pode ser conseguido por árduo esforço teórico. [Muniz Sodré, A comunicação do grotesco]


Nestas últimas semanas houve intensa circulação de mensagens e documentos na área de comunicação, geralmente dotados de críticas à avaliação trienal em curso ou expressando inquietações e desconfortos de equipes e programas com a primeira parte da avaliação ainda em curso. Nenhum desses materiais foi enviado diretamente a esta representação de área ou à comissão científica responsável pela realização da avaliação. Todos circularam ou em correspondências enviadas a grupos específicos ou através da lista Compós ou, como foi o caso do documento "À Comunidade dos Programas de Pós-graduação", foram enviados diretamente ao presidente da Capes, prof. Abílio Baeta Neves.

Esta representação hesitou por muito tempo sobre a possibilidade de entrar nesta qualificada arena para responder às críticas, que praticamente partiam todas de uma mesma posição no campo, ao mesmo tempo em que fazia gestões junto aos avaliadores, todos membros respeitadíssimos da comunidade de pós-graduação em Comunicação, para que não fizessem nenhuma intervenção nesse sentido. A razão principal dessa posição foi certamente o respeito pela dignidade da função de representante de área e da função de membro da comissão científica de avaliação. A avaliação trienal da Capes só se conclui quando são julgados os recursos apresentados à agência pelos programas da área. A avaliação desse triênio ainda está em curso, pois os recursos apresentados pelos programas ainda não foram julgados. Por isso mesmo, essa representação vinha considerando inapropriado intervir num debate sobre a avaliação sem que houvesse uma avaliação final.

O julgamento de recursos não é uma etapa meramente formal do processo de avaliação. Faz parte da normalidade do processo avaliativo que recursos sejam aceitos e notas sejam modificadas, nesta área como em qualquer outra das 43 áreas de avaliação da Capes. Faz parte da correção do processo avaliativo que qualquer programa possa discordar materialmente da avaliação que foi feita dos seus relatórios, possa apresentar a sua própria avaliação dos dados e possa solicitar que esta seja considerada pelos avaliadores de forma a modificar o julgamento anteriormente feito. Isso é leal, assegura a lisura do processo e é garantido por todas as determinações da agência. Visando garantir a autenticidade do processo, a Capes chega mesmo a determinar que pelo menos metade da comissão científica que avalia os recursos seja inteiramente nova em face da comissão anterior, de forma a garantir diversidade de perspectivas e isenção de ânimo dos avaliadores.

Esta representação se viu compelida a prestar neste momento os presentes esclarecimentos à comunidade de pós-graduação da área e à Capes, quando se viu informada pela própria Capes ? portanto, não pelos redatores das críticas ? que o documento ?À Comunidade dos Programas de Pós-graduação?, assinado por seis coordenações de programas, havia sido enviada ao prof. Abílio Baeta Neves, pelo prof. Sérgio Porto, ex-representante de área na Capes e ex-presidente da Compós. Será por acaso, mas isso acontece em pleno processo de indicação, pelo Conselho Superior da Capes, da nova representação da área. De todo modo, a Diretoria de Avaliação da Capes fez chegar ao conhecimento dessa representação o documento mencionado, instando que fosse respondido no caso em que o representante de área o julgasse conveniente, enviando à Capes cópia da resposta.

Em respeito à confiança que a agência tem incessantemente depositado nesta representação, em consideração aos colegas que, com grande sacrifício pessoal e em nome de um projeto coletivo, participaram do processo de avaliação e, sobretudo, em atenção à área que tenho a honra de representar venho a público prestar os seguintes esclarecimentos:

1. A área teve a melhor avaliação que poderia ter tido, porque leal, isenta e objetiva. Esta premissa se demonstra pelos argumentos seguintes:

1.1 ? A correção de uma avaliação se dá pela presença de bons critérios acordados previamente com todos os interessados, disponibilizados a tempo de permitir os ajustes e correções de mundo que se fizerem necessários, voltados para a qualificação da área de conhecimento, revisáveis.

a) Os critérios foram discutidos com os coordenadores de programa, com a Compós ? Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas ? e postos em discussão aberta para toda a comunidade da pós-graduação através da lista Comunicapes <Comunicapes@yahoogroups.com>;

b) Os critérios foram aprovados pelos coordenadores de programa em assembléias convocadas para tanto durante reuniões ordinárias de seus fóruns específicos (9o. e 10o. Encontros Anuais da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, em Porto Alegre e Brasília, e nas três últimas reuniões semestrais dos Coordenadores de Pós-Graduação, da Compós, em Brasília);

c) Os critérios foram propostos pela representaç&aatilde;o de área e acolhidos ? depois de examinados, discutidos e, eventualmente, alterados ? pelos coordenadores de programa como configurando os padrões de qualidade (Padrão 3, Padrão 5 e Padrão 6 e 7) à luz dos quais os cursos deveriam ser avaliados;

d) Os critérios foram consignados em documentos públicos, com o objetivo de permitir aos programas tanto a realização de ajustes internos, quando fosse o caso, quanto a produção de políticas em conformidade com os critérios e princípios que a área considerou que deveriam configurar o padrão de excelência adotado. Sobretudo, de forma a permitir a revisão dos consensos, quando a área considerasse oportuno. Os critérios foram consolidados nos Documentos "Perfil da Excelência", "Perfil do Curso 3", "Perfil dos Cursos 6 e 7" e o "Documento de Área 2000" distribuídos diretamente a todos os coordenadores de programa e, através das listas Compós e Comunicapes, a toda a comunidade da pós-graduação;

1.2 ? A correção de uma avaliação se dá quando o trabalho de julgamento é isento, honesto, praticado em conformidade com os critérios prévios, de forma séria, consistente e leal.

a) a comissão de avaliação, com grande sacrifício pessoal dos seus integrantes, dotou-se de todas as garantias possíveis para um trabalho da melhor qualidade, superando em muito o que a Capes considera o padrão normal de trabalho de uma comissão. A Capes previa que cada comissão realizasse a avaliação em uma semana. A comissão de ciências sociais aplicadas trabalhou em períodos de até 10 horas diárias durante 2 semanas de trabalhos conjuntos. Além das duas semanas de trabalhos conjuntos, os membros da comissão trabalharam individualmente sobre os relatórios durante seis semanas. Cabe lembrar que essa foi uma das comissões com o menor número de cursos em comparação com o tamanho médio das comissões de avaliação da Capes.

b) os relatórios de cada curso foram analisados em detalhe por pelo menos dois diferentes integrantes da comissão e submetidos à discussão com o conjunto dos avaliadores. Absolutamente nenhum julgamento de quesito, de item ou de sub-item do relatório de cada curso deixou de ser discutido exaustivamente pela comissão, às vezes por horas, nunca sendo considerado concluído antes de se obter um consenso de todos os membros da comissão. Desse processo, lento e penoso, resultou o fato de que nessa comissão não houve qualquer juízo sobre qualquer aspecto dos cursos sobre os quais não se tenha firmado um consenso fundado entre todos os avaliadores.

c) nenhum critério ou princípio aplicado na avaliação foi criado ad hoc. A área foi avaliada a partir de critérios e princípios oriundos integralmente dos documentos aprovados anteriormente.

d) não houve qualquer critério ou princípio aplicado pela primeira vez na Avaliação Trienal. Todos já haviam sido aplicados nas avaliações continuadas, mormente na Avaliação Continuada de 2000, já sob a coordenação desta representação de área. Se compararmos as Fichas de Avaliação da Avaliação Continuada com aquela da Avaliação Trienal poderemos verificar não apenas uma identidade de critérios e princípios, mas, sobretudo uma identidade de julgamento, inclusive quanto às quantificações de notas e conceitos de itens e quesitos. A respeito disso, é bom frisar, registre-se que não houve qualquer recurso apresentado à Capes a respeito do julgamento realizado na Avaliação Continuada (exceto um único caso de esclarecimentos apresentados pela UMESP), isso representando um inequívoco sinal de que os programas não apenas concordaram com os critérios empregados como também com a avaliação que decorreu da sua utilização.

e) a comissão se dotou de extremo cuidado com o preenchimento da Ficha de Avaliação. As Fichas de Avaliação procuraram não apenas oferecer um juízo sobre cada quesito e item da avaliação, mas apresentar, ao mesmo tempo, o parâmetro empregado para se chegar ao julgamento além de indicar, com clareza, quantidades e materiais envolvidos na avaliação do tópico. Assim todos os percentuais foram calculados, indicando-se ao mesmo tempo qual o parâmetro quantitativo teria sido usado e, quando foi o caso, qual o material considerado na análise. A idéia que sustenta tal procedimento foi a de permitir aos programas a produção de pedidos de reavaliação (Recursos) fundamentados, quando eles julgassem ter sido o parâmetro usado aplicado inadequadamente, ou quando julgassem não ter sido corretamente considerado pelo avaliador algum dos aspectos do item, devidamente consignados no relatório. Trata-se de um procedimento adotado pela comissão que se revelou penoso para o avaliador, mas de absoluta lealdade com o avaliado enquanto lhe oferece uma base material para a sua refutação da avaliação a que foi submetido.

1.3 ? A correção de uma avaliação se dá quando o trabalho de julgamento é realizado por uma equipe da mais alta qualificação acadêmica, científica e humana, em condições de liberdade material, intelectual e moral de decisão e julgamento, com amplas possibilidades de afirmar, negar, refutar, recusar, re-examinar, questionar, negociar acordos, ouvir, ser ouvido, falar e formar coletivamente a sua opinião.

a) A subcomissão da área foi formada pelos professores José Luiz Braga, da Unisinos, José Salvador Faro, da Umesp, Christa Berger, da UFRGS, Afonso de Albuquerque, da UFF e Marcius Freire, da Unicamp. O prof. Norval Baitello Jr., da PUC/SP, foi convidado, participou da primeira reunião conjunta da equipe, tendo sido obrigado posteriormente, por razões de saúde, a desligar-se da comissão. Todos têm produção científica que alcança ou supera o patamar de excelência da área, são pessoas de reputação ilibada e da mais alta competência acadêmica e científica conforme a consideração dos pares. Todos foram coordenadores de pós-graduação ou participaram de comissões de coordenação, tendo, portanto amplo conhecimento sobre o funcionamento interno de um programa de pós-graduação. Quase todos exerceram ou exercem funções de representação nas duas mais importantes sociedades científicas e acadêmicas da área (Compós e Intercom) das quais três desses professores já foram presidentes. Dois desses professores já ocuparam representações de área na Capes e no CNPq, realizando um trabalho de excelente qualidade, amplamente reconhecido no campo da comunicação. Com uma única exceção, a comissão foi integrada por docentes fundadores da área de comunicação no Brasil, estando já em plena atuação na área nos anos da formação da sua pós-graduação. Todos são pesquisadores do CNPq ou têm projetos apoiados por instituições estaduais de apoio à pesquisa.

b) a constituição da comissão foi bem equilibrada, (i) combinando grande experiência de avaliação com novidade de perspectiva ? José Luiz Braga e Marcius Freire, com grande experiência, Afonso de Albuquerque com experiência da avaliação continuada, Christa Berger e José Salvador Faro sem experiência de avaliação; (ii) combinando, na medida do possível, as diferentes regiões geográficas ? Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul; (iii) combinando docentes de universidades públicas e privadas ou comunitárias, conforme a distribuição dos programas na área ? 2 docentes de universidades comunitárias e 3 docentes de universidades federais.

c) os membros da comissão foram convidados a partir de três critérios fundamentais: (i) todos são pessoas com "lugar de fala" reconhecido no campo da comunicação, lideranças intelectuais e com absoluta autonomia de pensamento, de modo a poder representar uma posição consistente e independente nas tensas discussões dos quesitos e itens da avaliação; (ii) todos são pessoas capazes de um trabalho árduo, detalhado e disciplinado, realizado com absoluto desinteresse (não se trata de trabalho remunerado) e tendo em vista apenas um projeto coletivo de qualificação da área; (iii) todos são indivíduos ligados ao campo da comunicação, responsáveis, cada um à sua maneira e a partir do seu lugar específico, pela construção, manutenção e qualificação desse campo, de forma que o seu julgamento sempre levou em consideração aspectos da história do campo, perspectivas para a área e, sobretudo, reflexões sobre valores e princípios que deveriam norteá-lo. Todas essas qualidades se encontraram sobejamente representadas nos membros da comissão de avaliação ? e em tantas outras pessoas que foram convidadas para esta avaliação e que não puderam ou não quiseram dela participar.

1.4 ? A correção de uma avaliação se dá quando os avaliados têm o direito e a possibilidade de recorrer de eventuais erros de interpretação cometidos pelos avaliadores.

a) todos os programas avaliados têm a possibilidade de realizar pedidos de revisão da avaliação ? Recursos. Trata-se de um mérito específico do processo mesmo de avaliação realizado pela Capes e não de uma propriedade particular do processo da avaliação da área. Quer dizer que cada programa que julgar ter sido mal-avaliado (por incompreensão, negligência ou erro da comissão de avaliação), discordar da interpretação dada pela comissão a um determinado dado constante no relatório ou tiver opinião sobre o modo como um parâmetro de avaliação foi empregada tem o pleno direito a encaminhar um pedido de revisão da avaliação e ter a sua avaliação reconsiderada. A avaliação do triênio não se conclui antes de os pedidos de reconsideração serem julgados por uma nova comissão de avaliação, renovada em pelo menos 50% dos seus membros.

b) mérito próprio do processo de avaliação realizada por esta comissão é o fato de produzir Fichas de Avaliação de tal maneira clara em seu julgamento conclusivo, com a apresentação inequívoca dos parâmetros aplicados, dos valores percentuais encontrados e, sobretudo, dos materiais considerados. Tudo isso para permitir aos programas a possibilidade de "defender-se" da avaliação, quando julgar necessário fazê-lo.

1.5 ? Numa avaliação correta não há programas "favorecidos" nem programas "prejudicados"; uma avaliação correta não concede favores nem busca o prejuízo dos avaliados, mas restringe-se a reconhecer o desempenho real dos programas conforme o consignado em relatórios realizados pelas suas coordenações.

a) o quadro de classificações que emergiu parcialmente da avaliação (não concluída até hoje, 28 de setembro de 2001) não é resultado do gosto e preferência dos avaliadores, mas reflete exatamente aquilo que, segundo o juízo comum do conjunto dos avaliadores, constituiu o padrão de desempenho do programa nos últimos três anos. A avaliação não converte, por princípio ou capricho, cursos fracos em cursos excelentes nem programas excelentes em programas regulares. Trabalha-se com uma base de dados materiais, elaborada pelos coordenadores de programa e segundo um formato unitário para todas as áreas de conhecimento, que deve refletir a realidade do programa. Tudo o que a comissão de área faz é reconhecer, a partir de critérios públicos e previamente conhecidos e pactuados, o padrão de desempenho praticado no programa num determinado período do passado recente.

b) uma avaliação correta parte de um ?grau zero? de privilégios. Características como reputação, antiguidade, história da área ou do campo, lugar geográfico e outros assemelhados não desempenham nem podem representar qualquer papel no processo de avaliação, sob pena de se comprometer a isonomia inicial que é garantia moral da qualidade do julgamento. As diferenças que se introduzem depois dessa paridade fundamental tem que resultar exclusivamente do que se depreende dos dados materiais lido à luz dos critérios e princípios que funcionam como parâmetro para o julgamento particular de cada um dos seis indivíduos da comissão e para a decisão consensual, depois de ampla discussão e confrontação livres dos pontos de vista, realizada pelo conjunto da comissão. Qualquer alternativa a esse procedimento deveria ser veemente refutada por viciosa do ponto de vista moral e por perniciosa do ponto de vista dos bons costumes acadêmicos e científicos.

c) o fato de a área ser composto por programas dessemelhantes em sua situação (por ser diferente o corpo docente, a localização geográfica, as universidades ou, mesmo, o tempo de existência) é mais uma razão para que a paridade de chances seja condição preliminar de julgamento. É imperativo ético que as diferenças não se convertam, na avaliação, em privilégios. O tempo de existência de um programa ou, até mesmo, o fato de este ser um dos programas primeiros do sistema de pós-graduação da área, deveria se configurar em um conjunto de obrigações com relação à área (como a obrigação de liderá-la cientificamente, de construir bons costumes acad&ececirc;micos e científicos, de oferecer-se como modelo a ser seguido e padrão a ser alcançado pelos seus pares que vieram depois), nunca em um conjunto de privilégios.

d) pode existir um juízo sobre o padrão de desempenho de um determinado programa da área proveniente de reputação ou lugar histórico deste. Tal juízo pode ser compartilhado por um vasto número de membros da comunidade de pós-graduação. Trata-se, todavia, de juízo espontâneo, montado a partir dos mesmo mecanismos a partir dos quais se monta a opinião vulgar, desprovido de qualquer instrumento e procedimento de verificação. Um tal juízo não pode interferir no julgamento de uma comissão que proceda corretamente, a não ser que se confirme pela leitura e interpretação, em situação argumentativa aberta e leal, realizada pela comissão de avaliação, da base positiva de dados à disposição dos avaliadores. A avaliação não pode simplesmente homologar a opinião comum sobre um programa. Isso quer dizer que, para fins da avaliação Capes, um programa não pode ser considerado excelente ou deficiente apenas em nome de um "ouvir dizer" ou da opinião corrente. A análise serena e cuidadosa do relatório e do seu desempenho, a partir de vários olhares e perspectivas com possibilidade plena de discussão, é que dirá se o seu desempenho no triênio foi excelente ou deficiente. Pretender que o juízo presente na opinião e na reputação, não verificados materialmente a partir de um processo universalmente aceito, reflua sobre o processo material de avaliação e imponha-se sobre o julgamento metodicamente conduzido pelos avaliadores é novamente imoral e pernicioso. Entre o juízo, mesmo aquele proferido com a maior sinceridade e convicção, oferecido sem apoio de base material, sem a análise cuidadosa, séria e isenta dos relatórios de desempenho, sem possibilidade de verificação, sem base para a comparação com os índices de desempenhos de todos os programas da área, entre tal juízo e o julgamento elaborado por uma comissão da melhor qualidade moral e intelectual, resultado de consenso fruto de debates abertos, extensos e leais, num processo que inclui a possibilidade de recurso por parte do avaliado, impõe o bom senso que se fique com o segundo.

2. Quando assumi a representação da área de comunicação o fiz porque a área assim o quis. Não desejava a função nem pedi qualquer voto na indicação que os programas fizeram ao Conselho Superior da Capes. Ao contrário, recusei até o final cada voto que me era oferecido. Aceitei a função depois de verificar que, ainda assim, esse era o desejo da área. Realizei essa função de maneira correta e franca, estabelecendo canais diretos de interlocução com a comunidade da pós-graduação, com a direção da Compós e com os coordenadores de programa. Sempre procurei participar na construção de políticas de qualificação para a área, em direta colaboração com as três instâncias indicadas, porque compreendia que só com políticas consistentes se poderia ter critérios de avaliação que de fato fossem instrumentos para a consolidação de programas de qualidade. Procurei conferir à avaliação um papel importante no interior de um processo de qualificação da área, retirando do centro da cena o lugar desta como meio de punição/recompensa por desempenho. Constatando a baixa competitividade da pós-graduação da comunicação com relação a outras áreas de conhecimento e a sua relativa desconexão das obrigações de sedimentação do campo científico e de qualificação do ensino de graduação, os anos dessa representação foram despendidos no convencimento da comunidade de pós-graduação da importância da necessidade de aceleração do movimento de qualificação da área, da necessidade de dar consistência aos programas de forma a recuperar a distância das áreas mais consolidadas. Insistia que isso era tanto mais urgente na situação atual do sistema nacional de ciência e tecnologia que compreende ter sido superado o momento da expansão horizontal do sistema (onde ainda se encontra a maior parte da área) em direção a um momento mais verticalizado, voltado ao apoio às equipes, programas e áreas de excelência.

Esse trabalho de representação foi realizado com algum sucesso por causa da cumplicidade oferecida por tantos companheiros da área ? membros de comissões de avaliação, coordenadores de programas, membros da comunidade de pós-graduação, Compós ? que, antes de mim e melhor que eu, estavam interessados e engajados em projetos de qualificação. Nesse sentido, o trabalho desta representação vinha sendo considerado pela área, até o dia seguinte à avaliação, como respeitável, sério e consistente. Tanto é verdade que, por duas vezes, em reunião de praticamente todos coordenadores de programas e líderes da comunidade de pós-graduação, fui convidado a permanecer na função de representante (cargo que explicitamente demonstrei não desejar) "em nome de um projeto coletivo para a área". Na última dessas reuniões, em 29 de maio de 2001, durante o 10o. Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação, diante de tão absoluta unanimidade expressa discursivamente e da idéia de um projeto coletivo de qualificação da área, pude inclusive apresentar condições para aceitar o convite que me era feito: a) expansão racional do sistema de pós-graduação por áreas geográficas desfavorecidas; b) formação de pelo menos uma equipe de excelência em cada programa; c) adoção de uma política de pesquisa de alto padrão em cada um dos programas. Enfim, ponderei, nas duas vezes, que talvez o julgamento sobre o desempenho dessa representação e o convite devesse ser repensado à luz do resultado da avaliação vindoura. Ponderação recusada com veemência por coordenadores lá presentes, em sinal de absoluta confiança na qualidade do trabalho da comissão de avaliação e como juízo positivo sobre a qualidade do trabalho desenvolvido por essa representação.

Não deixa, portanto, de ser surpreendente que, sem que qualquer novidade de critério ou de aplicação tenha sido empregada, sem que qualquer argumento consistente seja apresentado para indicar fatos que justifiquem tanto, parte da área ativa no momento do convite, tenha repentinamente mudado de opinião e juízo sobre a qualidade do trabalho da comissão e do representante de área. Não há de ser coincidência o fato de que signatários e organizadores de tal movimento participem de programas que (a) ou obtiveram notas inferiores às que tinham anteriormente neste processo de avaliação (b) ou que viram obter notas superiores às próprias os programas regionalmente considerados "concorrentes" dos seus. Em face dos interesses insatisfeitos se re-configuram os princípios e os julgamentos.

3. Crítica das Críticas à Avaliação

As críticas à avaliação trienal que até agora apareceram na esfera pública são, em sua parte mais importante, apoiadas em falácias ou em falsidades. Falácias, como todos o sabem, são defeitos do raciocínio, patologias lógicas, resultado de um silogismo errado. As falsidades são erros referenciais, decorrentes da inadequação entre o dito e aquilo de que se diz.

3.1 ? A falácia mais recorrente afirma que ?a avaliação prejudicou os programas que constituíram a área, "justamente os mais consolidados"?.

a) O primeiro erro do argumento consiste em confundir o tempo de existência do programa com a sua consolidação no triênio em análise. Ora, se trata de duas categorias diferentes e não assimiláveis. Os programas mais antigos tiveram de fato, tempo e experiência suficiente para a sua consolidação. Seria de esperar que estivesse consolidado e demonstrasse na área a sua liderança científica. Entretanto, basta uma olhada rápida no resultado da avaliação Capes em qualquer das áreas de conhecimento para se verificar que nem sempre os programas mais antigos são aqueles com maiores índices de desempenho. Nem mesmo é surpresa ver programas dos anos 60 e 70 com notas 3 e 4. São muitos e muito variados os elementos que constituem um programa de pós-graduação consolidado, reduzi-los a uma só variável ? o tempo ? não é sensato.

b) O segundo erro de raciocínio consiste em dar à avaliação a capacidade de prejudicar ou beneficiar. Como exposto acima, a avaliação apenas reconheceu, com base nos dados dos relatórios elaborados pelos próprios programas e nos relatos de visitas da consultoria científica da área, o padrão de desempenho do programa no três últimos anos. Se o programa pode ser localizado pela comissão num padrão ou noutro é porque o seu relatório o revela. Se o mero reconhecimento é capaz de prejudicar ou beneficiar o programa, este é um ato segundo, fora do alcance da comissão. O defeito fundamental do argumento é, pois, confundir diagnóstico e causa. O médico que detecta a moléstia no paciente não pode ser confundido com o morbus que a causou nem se pode dizer que prejudicou o paciente porque diagnosticou o seu estado. Do mesmo modo, se o doente sente-se beneficiado pelo diagnóstico do seu estado de saúde, este é um fato segundo, fora do âmbito específico de atuação do avaliador.

c) A falsidade do argumento que afirma que os programas mais antigos são, ipso facto, os mais consolidados é facilmente demonstrável. Se cada um dos programas "que constituíram a área" tivesse estado consolidado nos últimos três anos isso deveria ser verificável nos relatórios consignados para a avaliação e no impacto sobre a consolidação da própria área. Ora, nem a área de comunicação pode ser considerada cientificamente consolidada nem pareceu aos seis indivíduos que examinaram e discutiram os seus relatórios, consensualmente, que a produção intelectual das equipes que compõem tais programas (em número e qualidade), a atividade de orientação, as dissertações e teses orientadas e defendidas pelos seus alunos, as disciplinas oferecidas pelos seus docentes tivessem qualquer diferencial superior aos dos outros programas da área. A avaliação ainda não acabou e pode ser que no momento de avaliação dos recursos tal evidência se imponha pela força argumentativa dos textos dos pedidos de reconsideração. O fato que resultou da avaliação até o momento, porém, é que os seis avaliadores foram unânimes em dizer que o desempenho médio dos programas fundadores da área, nos últimos três anos, considerado à luz dos relatórios anuais, tende a ser inferior àquele dos programas mais novos. O que os críticos da avaliação fizeram, portanto, foi emitir meramente uma opinião, uma impressão, um pressentimento, um preconceito que não pôde e nem pode ser verificado pelos dados materiais. Opiniões, como se sabe, não fazem boa ciência.

3.2 ? A falsidade mais recorrente se encontra na afirmação de que ?os programas com "enfoques mais interdisciplinares" foram prejudicados?.

a) A questão da interdisciplinaridade comparece mais uma vez como argumentum princeps de uma retórica que se quer apoiar em boa epistemologia. Falta ao argumento, em primeiro lugar, a explicação do que propriamente quer dizer com interdisciplinaridade do enfoque. De fato, se por interdisciplinaridade se quiser caracterizar o olhar disciplinar (de um historiador, filósofo ou engenheiro eletricista) sobre objetos comuns a um programa, não há programa da área de comunicação que não possa dizer de si que é interdisciplinar. Todas as abordagens analíticas e os procedimentos metodológicos científicos empregados na área de comunicação são provenientes de outras áreas de conhecimento, mesmo aqueles empregados por pesquisadores cuja formação se realizou inteiramente na área. Tal interdisciplinaridade é da natureza mesma da área e se pode ser dita de todos não pode ter sido elemento discriminador a prejuízo de nenhum.

b) Se por interdisciplinaridade se entende a capacidade de um pesquisador ou de um método de acionar esferas de conhecimento e modos de abordagem próprios de mais de uma disciplina na consideração de um objeto da área de comunicação, tampouco se vê porque isso caracterizaria certos programas da área e não todos eles. A interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade supõem disciplinas fortes, bem sedimentadas cientificamente, com tradições consolidadas. A interdisciplinaridade não é contra a existência da disciplina científica, mas a supõe decididamente. A área de comunicação como um todo, sem qualquer diferença pronunciada entre os programas velhos e novos, tende a ser fraca interdisciplinarmente porque tende a ser fraca metodologicamente. Nesse sentido se um filósofo, semioticista, psicanalista se debruça sobre um objeto da área da comunicação com um olhar orientado pela sua própria disciplina não está praticando interdisciplinaridade. Essa é normalmente a experiência da área. Por outro lado, não há programas na área em que se verifique algum diferencial no enfoque em termos de interdisciplinaridade, se esta for compreendido neste sentido preciso, n&atiatilde;o podendo ter sido esse, por conseguinte, um princípio discriminatório.

c) Se a interdisciplinaridade for entendida em qualquer dos dois sentidos acima, ela não diferencia os cursos entre si e, portanto, não pode ter sido usada como princípio de discriminação. Resta que os que fazem tal declaração devem estar a se referir a um outro sentido do termo. De fato, há programas na área em que ocorre, mais do que em outros, o fenômeno que poderia se chamado de "deslocamento disciplinar". Consiste no fato de um filósofo, por exemplo, realizar pesquisa filosófica com os objetos tradicionais da Filosofia (p. ex. o conceito x no filósofo y na Escola z) só que num programa de comunicação ao invés de num programa desta disciplina. Isso acontece freqüentemente em nossa área com semioticistas, filósofos, lingüistas, pesquisadores de letras, de história das ciências, de ciências cognitivas, das artes. Qual o sentido de se continuar fazendo pesquisa filosófica, com objetos da sua disciplina, num programa de comunicação? O que ganha a área com isso? O que ganha a ciência? Nada há de interdisciplinar nisso. Ao contrário, as pesquisas tendem a ser fortemente (uni)disciplinares. Quando os declarantes afirmam que da avaliação resultou um juízo negativo sobre os programas com enfoques interdisciplinares estão procurando um refúgio epistemológico para um fato mais simples e academicamente bem justificado: da avaliação resultou um julgamento severo sobre os deslocamentos disciplinares.

3.3 ? Outra falsidade em circulação reza que ?os avaliadores impuseram na avaliação um conceito de comunicação que não é consensual nem justificado?.

A afirmação se desdobra sustentando que os avaliadores teriam construído um conceito novo e que não corresponde a qualquer consenso sobre a identidade da área de conhecimento, depois usado arbitrariamente como parâmetro da avaliação.

a) Examinando o argumento sobre a "novidade" do conceito de comunicação empregado pelos avaliadores.

Os avaliadores não construíram um conceito novo da área, nem decidiram, a partir dos seus caprichos, definir, no ato da avaliação, qual era a identidade da área. A área de comunicação existe desde antes do sistema nacional de pós-graduação e muito além deste. Há várias décadas forma, no Brasil, milhares e milhares de jovens que, apesar de vestibulares disputadíssimos, escolhem se formar em alguma das profissões da comunicação social. Há milhares de docentes espalhados por cerca de cinco centenas de habilitações espalhadas pelo país inteiro. Qualquer sujeito culto é capaz de indicar um conjunto bastante recorrente de fenômenos sociais importantíssimo que comporiam os objetos específicos da área de conhecimento, aqueles em que habilitamos os nossos graduados e sobre os quais a sociedade espera que produzamos conhecimento científico. Como poderia a identidade da área ser matéria difusa à disposição dos sábios de 14 programas de pós-graduação que podem moldá-la como queiram? Como poderia não haver um conceito disponível de comunicação próprio da área de comunicação e ao mesmo tempo termos uma disciplina para a qual solicitamos respeito dos pares e consideração por parte das ag&eecirc;ncias? Tudo o que a comissão fez foi lançar mão desse conceito dado e ao alcance do bom senso, bastante flexível e extenso, que de fato vem servindo para constituir a identidade já existente da área de comunicação no Brasil. Que novidade há em considerarmos que os fenômenos da comunicação mediática e da cultura de massa constituem o objeto próprio da área de conhecimento? Que formamos senão profissionais dos processos técnicos da comunicação (que se estendem numa faixa já consideravelmente extensa que vai desde a comunicação organizacional e em meios alternativos até a comunicação e a cultura de alcance massivo)? Ou a pós-graduação de comunicação pode, demiurgicamente, inventar a área ab ovo em absoluta desconsideração a tudo o que nela existe?

Na verdade, tal compreensão da área pode mesmo ser insatisfatória, mas é a que existe e qualquer reexame, refutação e crítica há que levá-la seriamente em consideração. Não pode simplesmente ignorá-la em nome das suas veleidades, idiossincrasias e/ou crises. Por essas coisas é que a área padece dessa cisão estúpida e injustificável, que deve ser eliminada o mais rapidamente possível, entre o seu sistema da graduação e o seu sistema de pós-graduação. Uma graduação pouco inseminada e pouco sedimentada pela pós-graduação, cuja cabeça está nas nuvens das ciências humanas e/ou da linguagem e parece considerar ignóbil ocupar-se com os fenômenos e objetos próprios da área de conhecimento que a acolhe. Se a pós-graduação em comunicação não for capaz de produzir conhecimento científico em sua área, quem o fará?

b) Examinando o argumento sobre a "ausência de consenso" acerca da compreensão do campo empregada pelos avaliadores.

A tese da ausência de consenso deveria ser demonstrada. Que venham os seminários, colóquios e congressos sobre a área que pode ajudar a esclarecer as suas novas fronteiras, o seu lugar diante das outras disciplinas científicas, as suas possibilidades metodológicas, o espaço da sua inovação. Esta representação de área orgulha-se de ter estimulado a área nesse tipo de discussão. Mas a identidade de uma área de conhecimento não decorre de debates epistemológicos realizados pelo pessoal da pós-graduação em seus concílios ou conclaves. É porque, antes, a área é alguma coisa que ela pode ser discutida, examinada. Toda identidade de área de conhecimento está colocada numa certa provisoriedade, porque as fronteiras se estendem a autocompreensão se refina. Acreditar, todavia, que a identidade da área está de tal maneira em construção de forma que, provisoriamente, tudo nela cabe, não é boa política científica. Ora é justamente isso que por muito tempo vem acontecendo na área de comunicação ? um pouco, cada vez menos, em todos os programas, mas de forma pronunciada em dois dos seus programas mais antigos. O problema desses programas não é a interdisciplinaridade das suas pesquisas (que é avis rarissima) nem o fato de se estar trabalhando nas fronteiras da disciplina. O problema desses programas é que grande parte, às vezes a maior parte, da pesquisa, da publicação e das teses realizadas no programa situa-se completamente fora da área de conhecimento da comunicação. Reconhecemos que há uma zona difusa na fronteira das áreas, onde o pesquisador de comunicação pode proficuamente trabalhar. O caso de tais programas é que parte da sua atuação situa-se muito além de qualquer fronteira que se possa reconhecer como ainda fazendo parte desse campo de conhecimento.

E, ao contrário dos argumentos que estão circulando, esse ato de situar-se além da fronteira não se realiza por algum esforço de interdisciplinaridade. Tais programas são em geral muito fortemente disciplinares, simplesmente justapondo competências disciplinares distintas e autônomas. Trata-se de semioticistas ocupando-se com problemas de artes ou letras, filósofos tratando de problemas textuais de outros filósofos, antropólogos tratando de povos indígenas, ornitologistas tratando de aves, sociólogos tratando de temas sociológicos clássicos sem qualquer referência, nem mesmo incidental, aos fenômenos e problemas da comunicação. Trata-se de deslocamento disciplinar. E numa proporção de tão grande que chega a superar a dedicação à área de conhecimento. O fato de grande parte das equipes desses programas dedicar-se a produzir em outra área de conhecimento explica muita coisa com relação às deficiências de consolidação da nossa área. Explica, por exemplo, porque a pós-graduação da área não conseguiu ainda, em 30 anos de existência, uma sedimentação científica importante; explica porque nem somente uma parte mínima da bibliografia usada pelos nossos alunos de graduação é publicada pelos professores dos nossos programas de pós-graduação; explica a baixa competitividade nacional da área com relação mesmo aos programas da área de ciência sociais aplicadas; explica a pouca importância da área de comunicação no fomento à pesquisa quando se trata de condições muito competitivas no interior do sistema nacional de ciência e tecnologia.

c) Examinando o argumento sobre a arbitrariedade da aplicação do conceito de comunicação pelos avaliadores.

Antes de tudo é fato que o princípio de pertinência ao campo havia sido aplicado, com o mesmo cuidado, o mesmo rigor e a mesma serenidade, na Avaliação Continuada de 2000. Nenhum programa apresentou qualquer recurso, protesto ou incômodo a respeito disso. Depois disso, a representação fez circular, para a apreciação e discussão dos coordenadores de programa e da comunidade da pós-graduação, o Documento de Área 2000 em que se afirma claramente que o critério aplicado na avaliação continuada e que seria empregado novamente na avaliação trienal. Nem uma objeção sequer for recolhida pela representação. Como, então, um critério conhecido e já aplicado se transforma agora, por força da retórica, num "ato terrorista", numa atitude "arbitrária" e "de cima para baixo", numa perversidade inexplicável voltada para a destruição da área e das suas hierarquias constituídas?

Não houve surpresa, não houve novidade. O que mudou, então, na área?

A resposta, como sempre, é simples. Há programas da área que durante anos foram se estruturando de acordo com uma mentalidade segundo a qual na área de comunicação tudo poderia ser acomodar e que cada curso teria liberdade, inclusive, para decidir o que a área é. Uma espetacular autonomia epistemológica essa, em que um programa poderia se instalar numa área de conhecimento não acomodando a ela os seus interesses e a sua equipe, mas, ao contrário, determinando que a área deveria se modificar nessa ou naquela direção de forma a que o programa pudesse ficar confortável. Numa comunidade de quatro programas, em uma área ainda em formação na pós-graduação, em que, inclusive, esse programa é um dos primeiros, um caso desses é ecumenicamente admitido. O que acontece é que a área cresceu e o problema da sua especificidade torna-se decisivo para que a pós-graduação de comunicação ocupe um papel à sua altura no sistema nacional de ciência e tecnologia e assuma a sua responsabilidade científica com relação à graduação na área. Nesse sentido, o deslocamento disciplinar ? dentre outras deficiências específicas da nossa pós-graduação já explicitadas por esta representação em outros documentos ? torna-se um problema, um déficit, um luxo a que a área não se pode mais permitir.

Acontece que certos velhos programas da área organizados segundo essa mentalidade parecem menos flexíveis que os novos para se adaptar ao novo momento da ciência e tecnologia brasileiras e às demandas de concentração disciplinar na pesquisa e na formação que o conjunto da área considera importante e decisivo para a sua consolidação. O que estamos experimentando, com a circulação febril de documentos, cartas, e-mails, muitos deles ofensivos, é a expressão do desconforto de certos membros e equipes da comunidade de pós-graduação em comunicação com princípios de concentração disciplinar. São equipes que se dão conta de que o seu hardware não está preparado, sem grandes custos e reformulações, para "rodar" um programa de comunicação. Não desconhecem que a avaliação a que foram submetidos faz parte de um processo de qualificação da área, mas, ao invés, portanto, de bancarem o custo do reajuste da própria estrutura tentam atacar o critério que exibe a sua inadequação e investir contra a equipe de avaliadores que a julgou e reconheceu. Não querem discutir políticas de qualificação nem metas para a pós-graduação da área. Enquanto a discussão da representação se encaminhava nessa direção houve constrangedora unanimidade. Querem é que tais políticas e tais critérios não os faça mudar, não altere o seu lugar histórico na área, não mude o sistema de reconhecimento existente nem o capital circulante no campo. Querem a prerrogativa de não precisar mudar nem adaptar e uma unção em que se reconheçam os privilégios adquiridos.

A estratégia agora é política. Trata-se de disputar o campo. A retórica epistemológica empregada visa apenas a tentar transformar em problema da área e para área um problema específico localizado em um, no máximo dois programas. O problema é simplesmente que tais programas se revelam céticos quanto à possibilidade de transformar as suas equipes em grupos de pesquisadores do campo da comunicação, capazes de orientar teses e dissertações e oferecer disciplinas do campo da comunicação. Mas haveria algum abuso, algum despropósito, alguma coisa fora do lugar em se cobrar que um programa da área de comunicação pesquise na área de comunicação, publique na área de comunicação e oriente na área de comunicação? Ou isso só se pode demandar dos programas novos e daquelas propostas que ainda chegam à Capes solicitando serem admitidas no sistema? Pode uma área científica suportar por muito tempo programas que se dêem ao luxo de ignorá-la apenas porque foram os "fundadores" da área? Qual o ganho da área nisso? Qual o bem que aqui se está promovendo? Pode decorrer daí alguma política científica e de pós-graduação de valor?

Cabe à área de comunicação ter coragem de fazer face ao momento e aos seus desafios. É a hora de a área decidir o que quer ser. Ou damos um salto de qualidade em direção à excelência ou voltamos aos velhos sistemas de reconhecimento, organizados segundo hierarquias imutáveis e costumes consolidados. É a hora de a área decidir o que pode querer ser.

3. 4 ? O argumento complementar ao que prescreve a superioridade dos cursos mais antigos da área, afirma, com idêntica certeza, ?que os cursos mais novos, com menos professores, menos alunos e com menor número de defesas são os mais bem avaliados, porque conseguem produzir indicadores quantitativos de modo mais fácil? e que nesta avaliação foi priorizada ?a aplicação de critérios puramente quantitativos, cujos parâmetros premiam manifestamente a juventude e uma certa improdutividade. Quanto mais novos os cursos, quanto menos alunos recebam por ano, quanto menos dissertações/teses apresentem, mais bem cotados?.

Aqui estão empoladas, num único veio argumentativo, falácias argumentativas e asserções completamente falsas.

Antes de tudo, a boa Lógica ensina a considerar o argumento completo. E o silogismo é justamente esse: i) a avaliação beneficia "indicadores quantitativos"; ii) os programas com menor número de docentes e menor número de alunos e defesas de trabalhos finais têm mais facilidade de produzir "indicadores quantitativos"; iii) logo, os programas menores são beneficiados pela avaliação; iv) logo, a avaliação premia a "improdutividade". Com tais premissas pode-se também depreender outro percurso de raciocínio: ii?) os programas com maior número de docentes, alunos e teses e dissertações têm mais dificuldade para produzir "indicadores qualitativos"; iii?) logo, os programas maiores são prejudicados pela avaliação; iv?) logo, a avaliação pune a produtividade.

a) Examinando a premissa maior.

A primeira trapaça argumentativa do texto consiste em não explicitar o que são os "indicadores quantitativos", dando a entender que se trata de complicados e trabalhosos processos de produção de dados numéricos a serem decodificados por preguiçosas operações algébricas pelos "contadores" no ato da avaliação. Na verdade, o que a Capes pede é um relatório detalhado de toda a composição e atuação do programa durante o ano: corpo docente, produção intelectual, teses e dissertações defendidas, número de matrículas… E como poderia ser diferente? O que seriam os "indicadores qualitativos", segundo a retórica do argumento? O anexo das teses dos alunos e dos artigos dos professores a serem julgados depois de acurada leitura pelos avaliadores? O argumento é falso. O que efetivamente se dá é que alguns programas têm dificuldades com o simples ato de fazer um relatório das suas atividades anuais, ou porque a organização administrativa de que se dotaram impede a distribuição horizontal de responsabilidade entre os membros das suas equipes docentes, ou porque a suas equipes docentes são inconsistentes ou pouco colaborativas, ou porque, enfim, as próprias coordenações se recusam a dotar de alguma dignidade intelectual a feitura dos relatórios anuais pelos quais os seus cursos serão avaliados. A expressão "indicadores quantitativos", numa área como a nossa, indica claramente o tanto que se considera de menor, tedioso, vazio de sentido o relatório anual dos cursos assim designado. A avaliação não beneficia indicadores qualitativos, mas supõe necessariamente uma base de relato material completa e detalhada para poder realizar o julgamento sobre o desempenho anual do curso. A premissa, portanto, é falsa.

b) Examinado a premissa menor, que é uma falácia.

Há uma evidente falácia que consiste em confundir facilidade na elaboração dos relatórios e vantagens na avaliação. Não é difícil admitir que quanto menor for o volume material de dados a ser relatado mais facilmente esse relatório pode ser feito. Mas a evidência acaba nesse ponto. Na verdade, se a equipe responsável pelo programa não for atuante, cuidadosa, não dividir tarefas e responsabilidades, não compartilhar a compreensão do que é um programa de pós-graduação e do que é avaliado, não importa qual seja o tamanho dessa equipe, esse relatório será defeituoso. Prova essa premissa o fato banal de que há certamente programas pequenos e jovens na nossa área com sérios problemas de relatório. Por outro lado, equipes mais numerosas deveriam significar mais pessoal para dividir tarefas e responsabilidades, mais "massa crítica", mais apoio institucional na elaboração do relatório. Se uma equipe cresce e não aumenta, na mesma proporção, o volume de pessoal envolvido nas atividades de apoio, de coordenação e de elaboração dos relatórios é um péssimo sinal da sua qualidade. Na verdade, a diferença que conta para a elaboração de bons relatórios não é exatamente entre programas grandes e programas pequenos, mas entre equipes densas, consistentes, que distribuem de forma otimal as responsabilidades administrativas e equipes inconsistentes ou com pouca distribuição horizontal de responsabilidades administrativas. A diferença não é entre grandes e pequenos, mas entre eficientes e ineficientes administrativamente.

c) Examinando um defeito contrafatual suplementar no argumento.

Uma evidente falsidade no argumento consiste em realizar a equação entre "programas antigos" e "programas grandes", de um lado, e "programas jovens" e "programas pequenos" de outro. Isso é completamente falso. Há programas antigos que são muito pequenos. O Programa da UnB, por exemplo, signatário do documento em análise, um dos "programas fundadores" da área, tem um NRD6 constituído por 8 professores, em média, no triênio, e o seu corpo docente total não superou 12 docentes, no seu período de máxima expansão no período. Na área de comunicação há, a rigor, apenas um programa muito grande, aquele da USP, com mais de uma centena de professores. A PUC/SP e a UFRJ são programas médios (a primeira com 20 docentes do NRD6 no ano 2000 e a segunda com 26 professores no mesmo ano). Praticamente todo o resto da área possui programas com NRD situado entre 10 e 15 docentes. A equação é, portanto, sem base na realidade.

d) Examinando a conclusão.

Com premissas falsas, o silogismo nos leva a uma conclusão plantada no ar. Para efeito lógico bastaria demonstrar a leviandade das premissas, mas podemos continuar indicando a inconsistência do que se afirma pela impossibilidade de se verificar a aplicação da lei enunciada. Se os programas pequenos fossem, ipso facto, beneficiados pela avaliação isso teria que necessariamente beneficiar onze dos quatorze programas avaliados, inclusive alguns programas pequenos signatários do silogismo acima: os programas da Unicamp, da PUC/RS e da UnB. Então, ou estes programas foram beneficiados e estão agora denunciando os benefícios injustos de que foram objetos, ou não foram beneficiados como os outros programas de seu porte e estão denunciando uma prática que não os incluiu, ou simplesmente estão sustentando uma crítica leviana e inconseqüente ao processo de avaliação.

A verdadeira questão para certos programas não é que a avaliação seja "quantitativa". Instada a se explicar sobre a referência de tal expressão a retórica empregada perderia sentido e validade. A avaliação trienal é um processo sério, consistente, sempre em estado de aperfeiçoamento, certamente revisável, mas de grande valor para todas as áreas de conhecimento. Foi ela que levou o sistema nacional de pós-graduação ao patamar em que se encontra, reconhecidamente de excelente qualidade. A verdadeira questão de certos programas é a dificuldade de realização desta atividade disciplinada, cuidadosa, fatigante da elaboração dos relatórios anuais, no interior de equipes com pouca dedicação administrativa e com pouca disponibilidade para compartilhar responsabilidades. Ao invés de mudar as suas equipes ou programas, preferem, no entanto, atacar a avaliação e os avaliadores.

e) Examinando a conclusão suplementar.

Os críticos da avaliação identificam uma perversidade no sistema de avaliação: recompensar-se-ia a incompetência, punir-se-ia a produtividade. Aqui se repousa sobre falácias gravíssimas. A mais séria consiste em fazer uma mera equação entre quantidade de produtos (publicações, teses e dissertações, disciplinas, cursos interinstitucionais) e recursos humanos (docentes, discentes e pesquisadores), de um lado, e qualidade do programa, do outro. No interior desse raciocínio, quanto maiores forem os índices quantitativos de produtos e recursos humanos melhor seria o programa. A parte a graça que há num argumento que começa considerando o dado quantitativo uma perversão, para depois reintroduzí-lo como parâmetro abençoado, há o fato de que o argumento esquece que as quantidades de produtos devem ser divididas pela extensão das equipes para que se possa chegar a valores justos. O princípio do "quanto maior melhor" não funciona em pós-graduação, porque os valores qualitativos emergem de uma proporção adequada, bem equilibrada, entre o volume de produtos e a dimensão da equipe.

Uma equipe menor vai sempre produzir num número menor que uma equipe gigantesca, mas o seu trabalho pode ser mais consistente, os seus docentes podem atingir individualmente os parâmetros de excelência de atuação numa proporção muito maior que a média da área, os seus estudantes podem ser orientados através de processos mais cuidadosos e contar com maior dedicação docente, pode haver proporcionalmente um número muito maior de pós-doutorados e bolsistas do CNPq dentre os docentes, a equipe como um todo pode ter melhor performance em situações de competitividade científica, todos os professores podem ser pesquisadores, pode haver um bom equilíbrio na distribuição das atividades… Isso tudo é indicador qualitativo. E é só isso, afinal de contas, que é levado em consideração quando a comissão analisa os relatórios e atribui uma nota a um programa, grande ou pequeno, fundador ou recém-implantado. Uma comissão de avaliação não reconhece a diferença entre programas grande e pequenos, jovens e velhos, mas entre a consistência e a ausência dela, entre a eficiência e o seu oposto.

Pretendo ter demonstrado, ao final desse texto de esclarecimento, de forma inequívoca, que esta avaliação está sendo conduzida da forma mais leal, honesta e correta, a partir de princípios e parâmetros construídos paciente e consensualmente na área durante anos, por meio de equipes de avaliadores da mais alta envergadura moral e competência intelectual e tendo sempre em perspectiva o propósito de qualificação do conjunto da pós-graduação em comunicação no Brasil. Espero que a área de comunicação tenha serenidade para acolher uma avaliação dessa natureza, que eventualmente altera lugares e correlações de força, percebendo os valores que estão em jogo e as perspectivas que se abrem para toda a área.

(*) Representante da Área de Ciências Sociais Aplicadas I na Capes

    
    
              

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