Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Televisão, vício e dependência

SCIENTIFIC AMERICAN

Nelson Hoineff (*)

Deu na Scientific American: televisão causa dependência. O Estado de S.Paulo e a Globonews destacaram a matéria de capa da famosa revista de divulgação científica. Nela, os pesquisadores Robert Kuebey, da Universidade de Rutgers, e Mihay Csilkszentmihalyi, da Universidade de Claremont, concluem que a maioria dos critérios de dependência química aplica-se a pessoas que assistem muito à TV. O artigo também afirma, entre outras coisas, que nos países desenvolvidos as pessoas passam em média de três a quatro horas por dia diante da telinha.

Três a quatro horas diárias não parece muito quando se compara com o que muitas pessoas gastam na leitura, por exemplo. É verdade que leitura também vicia, mas este é um vício que não costuma ser tratado com muita preocupação. De acordo com os articulistas do Scientific American, a artimanha da TV "está em sua capacidade de acionar um tipo de resposta-padrão instintiva visual e auditiva a estímulos repentinos ou novos. (…) O cérebro concentra sua atenção em colher mais informações enquanto o resto do corpo se aquieta".

Sempre suspeitei ser isso o que acontece durante a leitura, sobretudo quando feita em uma poltrona confortável. Já li estudos afirmando que a televisão destrói neurônios e compromete irremediavelmente a capacidade motora das crianças. O mais curioso, no entanto, é que a maioria dos estudos de televisão tornados públicos tenha tão pouco a ver com o conteúdo ? e que mesmo o conteúdo só seja lembrado para se falar, de forma quase sempre genérica e invariavelmente preconceituosa, sobre a exposição de sexo e violência (como se um e outro fossem igualmente nocivos ou tivessem qualquer inter-relação).

Ver o Big Brother durante uma hora, por exemplo, equivale ao mesmo que ficar tempo idêntico diante do Late Show With David Letterman? Meia hora do Programa Vera Loyola tem o mesmo efeito que do Jornal da Record, com Boris Casoy? Ou será que, quando exibido na TV, Apocalypse Now Redux, por ser maior, será mais nocivo para o espectador do que Xuxa e os Duendes?

No sábado (2/2), o programa Manhattan Connection mostrou uma hora de Paulo Francis, cujo 5? aniversário de morte se deu na segunda-feira (4/2). No mesmo momento, o canal AXN exibia, em ignóbil dublagem visivelmente concebida para débeis-mentais, uma luta combinada de ultimate fighting.

Dez horas de Francis seriam enriquecedoras a cada segundo. Um minuto do programa da AXN seria suficiente para transformar uma criança normal num idiota completo. Qualquer estudo sério sobre os efeitos da TV tem que levar isso em consideração. A televisão está deixando seu público dependente não dos estímulos eletrônicos, mas da ausência de idéias e acostumado a um meio que está se omitindo até mesmo do dever de informar a sociedade. E é muito mais aí que nos cortes, edições e ruídos repentinos que mora o perigo.

(*) Jornalista e diretor de TV