Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Tenham dó do Leandro!

 

O QUE A MÍDIA BRASILEIRA fez e está fazendo com o cantor Leandro, a partir do momento em que se revelou o seu problema de saúde, é a comprovação de um processo de desumanização que invadiu a nossa mídia e está convertendo nossos mediadores em seres desalmados.

Nem Leandro nem o irmão-parceiro Leonardo, muito menos os familiares, tiveram um minuto de sossego para sofrer quietos, longe das câmaras de TV, microfones e flashes. A privacidade da dor, um dos últimos direitos do homem contemporâneo, cai por terra quando se trata de uma celebridade. Como se fossem desprovidas de sentimentos, imunes à dor.

Não foi uma multidão de fãs delirantes e idiotizadas que transformou em inferno aqueles difíceis momentos do cantor à espera dos resultados da biópsia em Baltimore. Foi a meia dúzia de jornalistas que se considera legitimada para fazer o que quer porque atende às necessidades do público.

Nesta faina abjeta não se distinguem os quality-papers do lixo mediático. Todos comportam-se da mesma maneira insensível numa exibiç&atiatilde;o incontestável da tabloidização da grande imprensa.

Ainda há profissionais que reagem a esta violência. Um jornalista brasileiro que evidentemente não pode identificar-se e acompanhou a Via Crucis de Leandro nos EUA contou a este Observatório a repulsa que sentiu ao participar daquela incursão macabra. E trouxe o testemunho de uma encarregada de Relações Públicas do hospital: jamais vira tamanha sanha diante de uma pessoa fragilizada pelo espectro da fatalidade.

 

EXEMPLO CLÁSSICO de como a superexposição e a repetição acabam por trivializar e entediar assuntos e audiências. Por mais tocantes e sérias que sejam. A cobertura da morte de Frank Sinatra na mídia brasileira revelou falta de originalidade e falta de proporção.

Semanários com capas e recursos iguais, jornais com o mesmo material, telejornais alongando-se e repetindo-se além da conta. Na segunda-feira, apenas três dias depois da morte do cantor, a mídia brasileira conseguiu o milagre de enterrar o maior fenômeno musical deste século. Antes mesmo do seu funeral.

O telejornal da ABC na noite de sexta-feira apresentado de Nova York por Peter Jennings foi muito mais contido do que o Jornal Nacional emitido do Rio de Janeiro. E não foi menos emocionando ou emocionante. Ao contrário, comoveu na dose certa e criou expectativas para programas posteriores mais elaborados e longos.

A cobertura maciça de um fato estático corre o risco de criar perigosas exigências. O público cansa depressa do pêndulo Sensacionalismo & Saturação.

Demais pode ser de menos.

 

SEMPRE REVOLUCIONÁRIA, a Folha, a partir de 1/5/98, passou a examinar as estréias cinematográficas através de um Painel de Espectadores. Ao invés de contratar críticos abalizados e experientes capazes de orientar o público com matérias de referência para a formação de juízos, fica mais em conta pedir aos espectadores que preencham uma fichinha dando notas de 1 a 5 aos filmes da semana.

Completa-se desta forma o circuito de engodos, a substituição do jornalista pelo leitor. Começa com a badalação das estréias através de matérias promocionais (para atrair anúncios das distribuidoras) e termina dias depois com a aprovação do filme por um público já intoxicado.

Em matéria de reinvenção da crítica cinematográfica o Jornal do Brasil saiu-se melhor: contratou um ator de telenovelas (cujo mérito maior é a coleção de 1.200 vídeos de clássicos de cinema) para avalizar as obras dentro dos padrões culturais aos quais está acostumado.

 

NA MATÉRIA DE TRÊS PÁGINAS sobre os efeitos de El Niño no continente, The Economist (edição de 9/5/98, p. 38), dá um bom peteleco em nossa Veja. Ao comentar a bronca desta em FHC por ter atrasado nas providências contra a seca, aquele que é considerado o melhor semanário do mundo bronqueou com o nosso. Em dezembro passado Veja profetizou que graças a El Niño o Nordeste terá uma temporada excepcional, muito sol, água quente e brisas suaves. Previsão é isto.

 

O JORNALISMO DITO CIENTÍFICO está rendendo para todos. A Pfizer vai faturar 11 bilhões com o Viagra sem gastar um tostão em publicidade. Os contrabandistas e falsificadores, outro tanto. Agora são os jornalistas que começam a tirar dividendos extra-jornalísticos com os seus furos sobre novas descobertas e elixires de longa vida.

Gina Kolata (do New York Times) e Robert Cooke (do Newsday), autores do furo sobre as pesquisas do Dr. Judah Falkman no combate ao câncer, antes haviam contratado agentes para vender os direitos dos livros que escreveriam sobre o assunto.

A notícia vazou: Gina voltou atrás, arrependida. Mas Cooke fechou um contrato de 1 milhão de dólares.

É o que se pode chamar de “democratização do sensacionalismo”. Até agora as empresas faturavam com a liberdade de imprensa e os profissionais faziam o papel de bons samaritanos. Agora locupletam-se todos.

O New York Times cobriu um caso que devassa suas entranhas. O Estadão (9/5/98, p. A-14) reproduziu e comentou (ver abaixo remissão para Entre aspas).

 

NA QUINTA-FEIRA 14/5/98, o governo divulgou os índices do PIB do primeiro trimestre. No dia seguinte, para a Folha (chamada no alto da primeira) houve uma queda de 1,1%. Idem para O Globo (matéria destacada na página interna) e para a Gazeta Mercantil (título forte no alto da primeira). Todos compararam o desempenho com o período imediatamente anterior (último trimestre de 97) . Os dois últimos não praticam o chamado “jornalismo crítico”.

O Estadão entusiasmou-se solitariamente com a melhora na economia. Preferiu comparar o primeiro trimestre de 98 com igual período de 97 e assim saiu-se com um aumento no desempenho econômico de 1,10%.

O jornalismo desafia as ciências exatas.

 

COINCIDINDO COM O INÍCIO do rodízio automóveis de 1998 organizado pelo governo do Estado de São Paulo um grupo de acadêmicos ligados à USP produziu uma “pesquisa” denominada Símbolos & Narrativas sobre esta experiência de participação comunitária.

Ignorando publicações da própria Secretária de Meio Ambiente onde se destaca o papel deste OBSERVATÓRIO denunciando a má-vontade da mídia local, sobretudo a radiofônica, o estudo dedica apenas quatro linhas nas suas 242 páginas à nossa cruzada precursora. E designa este O.I. de “veículo local”. Só na cabeça de nossos professores-doutores é que alguma coisa da Internet pode ser classificada como “mídia local”.

 

A GAROTADA POLITIZADA nas redações agora deu para qualificar como “desempregado” os bandidos e marginais envolvidos em assaltos e assassinatos. Entraram na onda do “crime famélico”.

Coió, o assassino de um analista de sistemas em S. Paulo que morreu ao tentar salvar os filhos pequenos, foi qualificado na matéria do Estadão (1/5/98, p. C-6) como desempregado. Acontece que Coió já foi preso por assalto à mão armada em 1994 e indiciado como assassino em 1996.

A legitima preocupação com os problemas sociais do país não pode levar os jornalistas a manipular as informações.

 

A ESCOLA DE JORNALISMO e Comunicação da Universidade da Flórida está realizando uma pesquisa inédita sobre o perfil dos jornalistas de São Paulo. Os resultados serão comparados com trabalhos semelhantes que estão sendo levados a cabo nos EUA e França. O formulário não identifica o profissional nem o veículo.

A Diretora do Projeto, Heloiza Herscovitz, entregou os questionários (em português) nas principais redações no início de maio. Apesar de demandar no máximo 20 minutos para ser preenchido o retorno tem sido fraco. Deve ser medo de encarar a verdade.

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