Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ética, a perda que todos choramos

Vera Silva (*)

E

stava no trânsito me aborrecendo com alguém que estacionara fora do lugar e ocupara uma das pistas de rolamento, quando percebi o que tem me chamado a atenção nas cartas e nos artigos que leio no O. I. e em outros jornais – algo que por eles perpassa: a ética.

Há um lamento, uma queixa, uma perda chorada por todos: não há mais ética? A ética morreu? Onde está a ética? Talvez por vício profissional, comecei a ouvir os lamentos, tanto em mim quanto nos outros – e eram lamentos mesmo: quedamo-nos a chorar e a espernear como a criança de quem se tirou o pirulito. Acabou-se tudo; aquilo em que críamos não existe mais; choramos e nos descabelamos.

Perguntei-me, por que, se não é possível matar o que não tem existência concreta? A ética é um conjunto de princípios baseado em dois pilares: a disciplina para organizar os dados nos quais se baseia a ação; e a possibilidade de transcender o aqui e o agora.

Assim, a chamada ética dos resultados nada mais é do que uma ação realizada sem que se transcenda o aqui e o agora. Ela revela uma incapacidade para projetar-se no espaço- tempo, buscando os princípios de nossa ação no passado; relacionando-os com o presente e projetando-os no futuro, para avaliar suas conseqüências. Ao fazer isto, seremos capazes de trabalhar eticamente, isto é, considerando os direitos do indivíduo em relação aos da coletividade, em busca de um ponto de equilíbrio.

Para tanto é necessário ser capaz de pensar de forma organizada, o que permite considerar a necessidade ou não da transcendência. É preciso ensinar o nosso cérebro a adquirir o hábito de organizar as informações em arquivos mentais, com chaves de busca; em outras palavras, devemos aprender a pensar.

Podemos parar de chorar feito bezerros desmamados: ter ética e ser ético são passíveis de aprendizagem. A ética não foi assassinada, nós é que paramos de exercitá-la e não mais a ensinamos aos nossos filhos. Os motivos? Quais são os motivos?

Vamos nos arriscar a citar alguns: a LDB implantada pela ditadura militar, com a nossa permissão, que substituiu a História, a Geografia e a Filosofia por uma coisa chamada estudo dos problemas brasileiros, e, mais tarde, Estudos Sociais.

Esta substituição, por diluição mal feita, eliminou o ensino tanto da transcendência quanto da organização de dados; a proliferação dos cursos de licenciatura de curta duração, para acelerar a substituição dos professores cassados pela revolução. Ao se submeter um estudante a uma overdose de informações, a possibilidade de trabalhar dados é bloqueada, por falta de tempo para organizar as informações; a perseguição, prisão e até morte dos nossos líderes e o aparecimento de muitos falsos líderes na esteira da luta pela democracia. Perdemos a capacidade de discernir entre o autêntico líder e o falso; o uso da TV como circo, e da miséria como controle político da massa etc. etc.. (Falamos sobre isto no artigo o Circo dos Horrores [ver remissão abaixo].)

Não adianta, portanto, chorar o leite derramado; é preciso lavar a leiteira, o fogão, botar leite novo e ficar olhando, enquanto ele ferve. Temos de começar tudo de novo. O mundo da ética é o mundo do pensamento, da dignidade do ser e do respeito ao coletivo. É o mundo da leitura, da escrita, da poesia, da música, das descobertas e, sobretudo, da diversidade. Não se pode pedir ética ao ser massificado, que não conhece os limites da sua individualidade. A ética não sobrevive à falta de raciocínio, à libertinagem, à ausência do encontro, ao espírito de Caim. A ética não pode ser encontrada no mundo do ter mais, do poder ilimitado, do ser mais igual do que o outro.

Ainda há tempo para salvarmos a nossa geração, para elegermos nossos líderes, para escrevermos nossas idéias, para ensinarmos nossos filhos, para aprendermos as nossas lições, para reaprendermos a pensar.

Vamos à luta!?

(*) Psicóloga de Brasília

Alfredo Leão (*)

O jornal Tribuna de Alagoas soltou o passaralho na redação, 11 e 12 de novembro; um e cinco funcionários demitidos, respectivamente. Seis numa redação de 38 profissionais. a Gazeta de Alagoas, maior jornal impresso local, de propriedade da família Collor de Mello, demitiu ontem (25/11) 25 profissionais da redação. São 31 famílias de classe média que irão à luta neste mercado exaurido. Bertolt Brecht tem razão, não canso de repetir: “Primeiro a sobrevivência” (fressen, fome animal, bela metáfora), “depois a moral”.

Bater à porta do governo. Existe outra saída? Não. É o cachorro mordendo o próprio rabo. Os governos dilapidaram o patrimônio público de tal monta que acabaram com as chances de se implantarem coisas sérias a curto prazo, falta até mão-de-obra qualificada. Ninguém quer vir para Alagoas. A incompetência é mordaz. Os governantes foram absolutamente competentes em estabelecer a incompetência. As pessoas não funcionam, é patológico, é cultural. É normal a anormalidade. É legal a ilegalidade (uma famosa juíza afirmou, sem enrubescer: “Aqui, as leis não são respeitadas.”). É moral a imoralidade. É educado ser grosso. Vizinhos jogam papel higiênico usado no quintal, banhistas jogam papel de picolé na areia, quadrúpedes lavam seus cavalos na praia, à frente de todos os imbecis impassíveis.

É uma inversão quase total de valores. O veículo de comunicação, por si só, pela cultura local, é tão poderoso, tão imponente, tão majestático, tão augusto no relacionamento feudal com a sociedade que não se presta a dar nenhuma explicação de por que diminuiu x ou y páginas, um caderno inteiro suprimido após a reeleição do irmão maior, PC já se foi. Sumárias poderiam ser as demissões. Não, são precedidas dos boatos corriqueiros criando o clima de terror, preparando os cidadãos à base de adrenalina à nova condição de desempregados ou de pedintes de favores a políticos, familiares, amigos, conhecidos, a quem interessar possa.

“A quem interessar possa”! Tem mais uma moçada na rua desta Maceió quente como forno. Conversei com pessoas sobre os critérios para admissão e demissão nos veículos de comunicação impressos locais. Subjetividade é o vocábulo mais próximo para ilustrar o cerne das respostas. Algo, porém, picou atrás da orelha. O profissional que ganhou o prêmio de fotojornalismo deste ano, “Melhor Repórter Fotográfico” das Alagoas, foi dispensado. Ou o júri é incompetente ou o jornal não tem critério de avaliação. Estou errado? Não podemos, você e eu, esquecer que os meus parâmetros podem estar equivocados. Aqui deve ser o velho “quem entrou por último”.

“Mas deve-se reconhecer que três jornais é demais para um público…” Não é esta a questão. O aspecto é ético. É utilizar um veículo de comunicação claramente como palanque eleitoral e depois “cortar as gorduras”, como declamam os marqueteiros de plantão. Contrata-se alguém para fazer a faxina ou senão a degola vai à Revolução Francesa mesmo. Imagine discussão ideológica num mercado tão tranqüilo quanto os mares da Austrália. A coerção acontece por si só. Os mesmos ocupam as mesmas cadeiras e tremem a qualquer aproximação, seguram-se com unhas e dentes, afinal é o próprio sustento, é também o dos filhos deles. Nada contra. Minhas críticas não têm direcionamentos pessoais. Minha postura é contra o sistema que mata, corrompe e corrói, inclusive a nós mesmos que, por diversas vezes, esquecemos o exercício da auto-avaliação pessoal e profissional, deixamos de questionar por que sempre lutamos contra o autoritarismo e estamos, hoje, quase 20 anos depois, participando de um sistema excludente que mata, não pela tortura nas prisões dos militares, mas pela fome, pelo flagelo, pela degradação humana.

Cenas de Genet, cruéis e reais. Vidas secas, Velho Graça, remoendo-se ao saber deste tórrido rincão, pior do que já era. Imagem em slow motion, devido à turbulência da inquietação do mormaço sobre o asfalto pegajoso. Arizona Nunca Mais, talvez seja por aí. Porém, com uma orla lindíssima, e ilhas de prazeres inimagináveis em casas bem construídas contendo gente bonita que vive no “Sul” e nos mais diversos países primeiromundistas.

Os jornais não conseguem fazer leitores, não conseguem prestar um bom serviço ao cidadão, porque não respeitam os que lhe consomem, falta-lhes credibilidade. Mudam de opinião como se muda de roupa. Quando trocam profissionais mantêm a mesma filosofia mesquinha de fornecer informação pela metade, tendenciosa, à vontade dos acordos políticos.

É contra a demissão angustiante em plena fase pré-festas, pós-eleições que me insurjo. Um comportamento copiado da presidência da República, que segurou o pacote para assegurar a reeleição. É contra as lágrimas retidas das mães nordestinas, sobressaltadas pela fome, pelas balas, pelas drogas, pelas injustiças sociais. Tudo igual, você está dizendo. É não. Aqui é o filho do secretário ou do presidente ou do diretor que puxa a arma e o gatilho contra você.

A ameaça é próxima. Se se descuidar, um garoto de 18 anos, bonito, forte, bem vestido, joga-lhe o carro em cima porque você está atravessando a rua devagar, na faixa de pedestre. O ônibus arranca e seja o que Deus quiser, quem se segurou, bem; quem não, um belo passeio pelos colos afora. Alô! Não, senhora, aqui não tem nenhum Antonio. Não ligue a cobrar novamente. Dois minutos depois. De novo, senhora? Enquanto isto, ocupantes de importantes cargos nas redações dos maiores veículos de comunicação deste Alagoas rico também participam das folhas de pagamento do estado, do município ou de empresas privadas ex-estatais. Dá pra ler?

(*) Jornalista

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