Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tão Gomes Pinto

PERFIL / MARCOS DVOSKIN

"Marcos Dvoskin ", copyright Revista Imprensa, edição de fevereiro, 21/02/01

"Ele deu uma turbinada no mercado editorial brasileiro no ano 2000. Transformou a revista Época numa concorrente direta da Veja, lançou a Quem, revista de celebridades, na linha da Caras, acaba de lançar uma revista feminina realmente diferenciada, a Única. Uma revista feminina que tem como consultora Marilene Felinto, uma das mais ranhetas (no bom sentido) articulistas das Folha, teria que ser diferente.

Isso para não falar no mercado de fato, editorial; o de livros. Trouxe para o comando do projeto um sofisticado profissional da área de revistas para dar uma sacudida numa velha marca que estava quase esquecida: a Editora Globo de livros. A ex-velha e sonolenta Editora Globo já produziu seu primeiro sério candidato a bestseller sob o comando de Wagner Carelli: o livro do jornalista Percival de Souza contando a vida do delegado Sérgio Fleury, famoso na época da ditadura.

No campo específico das revistas masculinas, já tem planos para concorrer com a Abril, dona incontestada dessa faixa de mercado graças às Playboy. O modelo é a revista Maxim, editada na Inglaterra, mas que faz su-cesso nos Estados Unidos. Ou seja; é marca mundial.

Ele mantém a ultima edição da Maxim sobre sua mesa. Como um desafio, talvez.

Na verdade, quando for lançada ‘Maxim da Globo’, quem estará sendo desafiado será mais uma vez a Abril. Nada contra a editora do Ro-berto Civita. Apenas ele está na cadeira de Diretor Geral da Editora Globo para fazer isso mesmo: ameaçar, sempre que possível, a liderança da Abril. Alem de, é óbvio, fazer a Globo ganhar dinheiro também na área editorial.

Ele sabe, e lembra sempre nas suas conversas, que dentro das chamadas Organizações Globo, na área de comunicação, a editora é a única que não é líder. Todas as outras são lideres absolutas. Rádio, TV, jornal, e o próprio cabo.

Quando Marcos Dvoskin chegou à editora, deve ter tido a sensação de que aquilo estava sendo tocado como uma repartição publica.

Claro que ele não diz isso para ninguém, muito menos para a revista IMPRENSA. Mas gente que trabalhava na Globo na era pré-Dvoskin admite. O ritmo estava muito lento. As pessoas achavam sagrado seu horário de almoço.

Sua primeira providência foi violentar esse tipo de atitude. Quebrar a lassidão, a passividade, que são uma ameaça em qualquer tipo de atividade. Ainda mais num setor em ebulição, como se tornou o das comunicações nos últimos tempos.

Ele tinha um problema na mão e esse problema se chamava revista Época. Um lançamento espeta-culoso, seguindo à risca o modelo da revista Focus, que dera certo na Alemanha combatendo de igual para igual a tradicional Der Spiegel, mas que no Brasil começou meio travado. Não decolou.

Nas suas próprias palavras, ele começou fazendo uma ‘profunda mudança na Época’. Mexeu desde a direção de redação à concepção do projeto Focus. ‘Fizemos uma remontagem da revista, primeiro da estrutura, depois do ritmo da leitura, redistribuindo as edi-torias.’ Contou para esse trabalho com a competência do diretor de redação Augusto Nunes, com quem trabalhara na Rede Brasil Sul, a conhecida e RBS, no jornal Zero Hora.

Mas não ficou só com o talento de Nunes e do diretor adjunto Aluízio Maranhão. Foi importante nessa redefinição da Época a presença de um outro grande nome do jornalismo brasileiro, amigo de Dvoskin há anos: o consagrado Elio Gaspari, colunista simultâneo da Folha, do O Globo e da ZeroHora.

Essa ‘consultoria’ de Gaspari serviu para quebrar a velha rotina das redações das semanais de informação. Elas ‘fecham’ a revista sexta-feira e só voltam pensar no assunto por volta das onze horas da segunda-feira.

Com a presença do ‘consultor’ Elio Gaspari, Dvoskin fazia reuniões inicio da noite de domingo, ou na sua casa, ou em restaurantes. Gaspari, Dvoskin, Augusto Nunes e Aluizio Maranhão discutiam às vezes durante horas o numero da Época que estava indo naquele momento para os assinantes, analisavam os acertos e os erros da edição, e o que é importantíssimo, comparavam o seu desempenho com o das concorrentes Veja e IstoÉ. As reuniões de pauta de segunda-feira começavam já num outro ritmo. Turbinadas, como eu dizia acima.

O segredo da degustação

Para o público externo, especialmente o pessoal do mercado (não ne-cessariamente jornalista), a virada de Época, que chegou a atingir números fantásticos, (num momento se aproximavam de 1 milhão de exemplares vendidos), foi muito mais um fenômeno de marketing bem direcionado do que o resultado de um modelo editorial atrativo e competente.

Dvoskin é o primeiro a desmontar essa tese. Ele diz que o sucesso de vendas, assinaturas e os ótimos resultados publicitários só vieram graças à qualidade e a excelente aceitação do produto pelos leitores.

Nas áreas comerciais da concorrência ou seja, em Veja e IstoÉ, corre um murmúrio de insatisfação. Pessoas dizendo que Época está sendo empurrada goela abaixo do mercado por técnicas de marketing extremamente ousadas introduzidas pelo próprio Dvoskin.

Ele também é que derruba essa história. ‘Eu sempre disse que nós não estávamos inventando nada. Nós estávamos copiando modelagens que já tinham acontecido em jornais e revistas.’

Ou seja, ele não inventou os ‘adi-tivos’ ou ‘anabolizantes’ para dar mais musculatura às revistas da Editora Globo. Lembra, por exemplo, experiências muito bem, sucedidas na Espanha, com o diário El País, que passou a ‘aditivar’ suas edições com enciclopédias deste ou daquele assunto, como aqui no Brasil foi feito por vários jornais, começando pela Folha de S.Paulo.

Ninguém em juízo perfeito diria que a Folha é um fenômeno de marketing. Ela é ‘também’ um fenômeno de marketing.

O que fez Marcos Dvoskin? Repetiu jogadas que já tentara com êxito no tempo em que ele e Augusto eram responsáveis pela Zero Hora, como assinaturas de curto prazo (na Época por três meses, na Zero Hora, mensais); fez dobradinha com o cartão de credito Brasdesco (o cidadão queria um cartão e ganhava uma assinatura de Época, ou vice-versa); fez dobradinhas com vários jornais do país (quem assinasse um desses jornais ou a revista Época ganhava como brinde a assinatura do outro produto), chegou a fazer campanhas ‘dobrando’ a revista com telefones celulares. Fez o diabo, enfim, com um objetivo estratégico: queria que as pessoas conhecessem a revista, ou na linguagem consagrada no meio, ‘degustassem’ a revista.

Dvoskin considera injustas as críticas que recebeu por usar tais métodos.

Sem entrar no mérito da questão, a concorrência foi no mínimo lenta. Ele mesmo lembra que o Roberto Civita fez uma observação numa entrevista à Gazeta Mercantil dizendo não se preocupar, que aquilo era fogo de palha.

‘Em seguida, começou o processo de anabolizar as revistas dele, botando um bônus de R$2 para quem comprasse também a Veja. É uma forma de anabolizar que continua até hoje, seja nas revistas tradicionais, seja nas populares’, acrescenta Dvoskin. E adverte que nessa observação não está embutida nenhuma crítica. ‘Para ele, o objetivo é o leitor dele, para mim é o meu leitor’.

Resumo da ópera: a revista Época partiu de um patamar de 170/180 mil exemplares semanais, subiu à alturas inimagináveis, em algumas edições roçou a faixa de 1 milhão e 200 mil, e hoje está estabilizada entre 520, 540 mil exemplares de circulação paga. Ou seja, como lembra Dvoskin, ‘fez um percurso semelhante ao da Folha, que também chegou às alturas com seus dicionários e enciclopédias e hoje esta na faixa dos 500 mil.’

Dito o que, acrescenta: ‘o importante é que eles saíram de 200 mil e hoje estão com 500’.

E atenção mercado editorial! Dvoskin está acendendo o pisca pisca amarelo outra vez, lançando um alerta : ‘Esse processo anabololizante foi interrompido em 15 de dezembro de 1999. Portanto já faz mais de um ano que nós não anabolizamos a Época. Na ocasião saímos de 700 mil exemplares em média para 500 mil e paramos aí. Está na hora de dar outro empurrãzinho’.

Que, por sinal, já esta sendo dado. Os anúncios estão nos jornais: quem assinar Época e Quem num pacote só ganha uma passagem aérea para qualquer ponto do país com descontos especialíssimos para o acompanhante e nos hotéis.

Esse é o tipo da dupla-anaboliza-ção, que vai permitir que as duas revistas mudem de patamar depois do processo de ‘degustação’.

Sinal também da importância da revista Quem na estratégia da Editora Globo. Mais uma vez a ameaçada é a Abril, do Civita, dona de 50% da marca Caras, a revista que surpreendeu o publico (especialmente os jornalistas mais experimentados e fazedores de regras) com seu rápido sucesso.

Caras foi importada da Argentina. Ou melhor, foi copiada da Caras argentina.

Jorge Fontevecchia e Edgardo Mar-tolio simplesmente transportaram pa-ra o Brasil o modelito de revista que deliciava as celebridades em Buenos Aires (e ocasionalmente em Punta del Este, no Uruguai, lugar onde argentino rico e/ou famoso passa as férias de verão). Da paginação à tipologia, era tudo igualzinho ao modelito argentino.

Os entendidos em jornalismo no Brasil fizeram tsk, tsk, tsk. Aqui não dá certo. Rico no Brasil, não abre a porta das suas mansões com medo, primeiro, do IR, depois com medo de sequestro.

Os entendidos em jornalismo brasileiro estavam errados. Os brasileiros e as brasileiras escancararam-se diante dos repórteres e fotógrafos de Observação de Marcos Dvoskin a propósito da turbinada que pretende dar à Quem, a revista da Globo que corre na faixa das celebridades: ‘No ano passado a Caras foi a revista brasileira que publicou o maior número de páginas de publicidade. Não estou falando em dinheiro, estou falando em numero de paginas’.

Caras. Abriram tudo, a casa e o resto.

É lógico que a Editora Globo teria interesse pelo menos em capturar algumas dessas páginas. Aí houve a coincidência da saída do redator-chefe da IstoÉ, Domingos Fraga, que trouxe para Dvoskin um esboço de projeto para uma revista de celebridades. Dvoskin estava engatado numa outra idéia: uma saiu o primeiro esboço de Quem, nome inteiro Quem Acontece.

Fraga lembra que no primeiro numero de Quem a redação, olhando o nenezinho recém-nascido, adorou. A lambeção da cria foi por terra na primeira reunião do chamado comitê executivo da Editora Globo: Dvoskin espinafrou o produto, apontando vários erros de edição. Domingos Fraga recolheu os flaps mas hoje já está pilotando uma revista que vende entre 110 e 130 mil exemplares semanais, resultado obtido apenas quatro meses após o lançamento do produto e sendo a quarta publicação a entrar nesse ramo, depois de Caras, Chiques e Famosos e de IstoÉ-Gente.

A mudança do gaúcho Dvoskin das margens do Guaíba para as do Tietê (o prédio da Editora Globo fica há 300 metros do rio da ponte do Jaguaré), trouxe alguns prejuízos sentimentais para Dvoskin. No Sul, trabalhando no grupo RBS mas se dedicando com ênfase especial a Zero Hora ele tinha carreira garantida na empresa: era cunhado do Nelson Si-rostky, herdeiro da Rede Brasil Sul, a grande parceira da Rede Globo de Santa Catarina para baixo.

Foram 28 anos de RBS, fazendo um pouco de tudo: de executivo simples de alguma área do jornal até fazer parte do Comitê Executivo e membro do Conselho de Administração.

As línguas pretas (elas sempre existem) falam numa queda de braço entre ele e o cunhado Nelson para ver quem era o ‘bigboss’. Ele prefere dizer que seu ciclo da RBS havia simplesmente se encerrado. Assim como seu casamento com a irmã de Nelson Sirotsky.

O convite da Globo, na época, foi um dos que mais o interessou, dos vários que havia recebido. A proximidade com a Rede Globo fez com que ele soubesse que, em outubro de 1998, as Organizações Globo passariam por uma reestruraçao geral. Passaram a contar, basicamente, com três executivos liderando. Um na área de TV/entretenimento, a famosa dona Marluce, outro na área de cabo e todos os seus desenvolvimentos, que e outro, o Luis Eduardo Velho da Silva Vasconcellos, responsável pelos jornais, pela rádios, pela gráfica e pela editora. Ou seja, o ano de 98 foi um marco referencial nas organizações do doutor Roberto Marinho

O segundo movimento, ainda em 98, foi a decisão, por parte da editora e aprovada pelos acionistas, de se lançar uma revista semanal de informações. Isso apesar da existência de uma Veja no mercado. É óbvio que essa decisão daria um perfil novo a Editora Globo. Dvoskin constatou que havia uma vontade política do acionistas em dinamizarem, em dar um novo perfil à editora. Foi dentro desse contexto, já com a Época circulando mas sem obter os resultados esperados, que Luiz Eduardo Vasconcellos procurou Dvoskin. E ele aceitou o desafio.

Outra decisão importante, segundo Dvoskin, nasceu de uma proposta de uma das duas consultorias internacionais contratadas na época para examinar o potencial do grupo. Os consultores recomendaram vivamente a reativação da Editora Globo na área de livros. O referencial da editora, nessa área era ainda o Érico Veríssimo.

Outra área que chamou a atenção dos consultores foi a de revistas infantis. Com a visível recuo da Abril nesse setor (fechamento de Veja-Kids e outras providências) a Globo passou a liderar nessa faixa de mercado graças aos desenhos do Maurício de Souza (Mônica, Cebolinha, etc…). Mas a recomendação era de ficar atento, pois cada vez mais o leitor infantil está se transformando num leitor de Internet.

Finalmente, as recomendação óbvia de todo consultor. Estava na hora da Editora Globo deixar de perder dinheiro. Nesse contexto, reposicio-nar a revista Época era uma tarefa mais que urgente, era uma questão emergencial.

Do ponto de vista estrutural, Dvoskin diminuíu os níveis hierárqui-cos, independente de analisar pessoas. Ele queria entender melhor como funcionava a editora.

Cada diretor de redação passou a ser responsável único pelo conteúdo da sua revista. Essa autonomia, Dvoskin considera fundamental. ‘Eu não acredito em inversão de ciclo. Para mim é produto, circulação e aí entra a publicidade’, diz Dvoskin. Ele acredita piamente na qualidade com arma para vender o produto. Dvoskin define Época, a revista Quem e mesmo um sucesso editorial já antigo como a Marie Claire ou a recém-nascida Única como ‘bebezinhos’ que ainda precisam de muitos cuidados. Afinal, a Abril está há mais de 30 anos no pedaço. Um dos cuidados, importantíssimo segundo Dvoskin, é o proble-ma da distribuição. ‘Nosso crescimento foi tão rápido que a qualidade de nossa distribuição foi muito ruim em alguns momentos, e ainda não chegou ao ponto ideal’, diz.

A impressão é terceirizada: ‘imprimo em N gráficas, uma revista como a Época com 600 ou 700 mil, eu não imprimo numa gráfica só senão não entrego. Eu imprimo em gráficas no Brasil e fora do Brasil.’

Uma área que está chamando a atenção é a de livros. Afinal livro está provando ser um bom meio de se ganhar dinheiro. As editoras tipo Companhia das Letras, Objetiva, Record e outras aparecem cada vez com mais freqüência na própria mídia como histórias de sucesso.

‘A vinda do Wagner Carelli para cá não é gratuita’, diz Dvoskin. A Globo esta decidida a se posicionar novamente na área de literatura . ‘A editora tem tradição no ponto de vista de nome e renome, tem potrilho de mais de 500 títulos que deixaram de ser atualizados. O Carelli é uma vinda importante’, conclui Dvoskin.

Sem esquecer que Wagner Carelli tem um bom perfil para trabalhar a ‘Maxim da Globo’. Em suma, te cuida Playboy!

Do ponto de vista editorial é muita simples a orientação recebida por Dvoskin e Augusto: tratar com equilíbrio todas as situações. ‘Eu jamais, nesse um ano e meio que estou aqui, recebi um telefonema para publicar ou não alguma coisa. Quando eu tenho alguma dúvida me antecipo. De-pois o Augusto Nunes participa e nos representa no Comitê Editorial que se reúne no Rio todas as terças-feiras. Lá é que são discutidas questões fundamentais para nível nacional. Mas censura, ou observações de cima para baixo nós nunca recebemos’.

Como se vê, Marcos Dvoskin acredita nele, no trabalho, na competição, na empresa.

O fotógrafo Vargas fez uma observação que nos pareceu curiosa, e merecedora de reflexão. Durante toda a nossa conversa Vargas tentou em vão capturar Dvoskin numa risada aberta, descontraída. Não conseguiu. Será Marcos Dvoskin um homem exageradamente duro, um tipo insensível?

Difícil de acreditar nessa hipótese. Um homem que passa o dia com três passarinhos (um periquito, um canário e um bichinho parecido com uma maritaca) ao lado da sua mesa de trabalho não deve ser um durão no estilo clássico."

DIPO À VENDA?

"Cansou", copyright no. (www.no.com.br), 19/02/01

"O ex-governador Orestes Quércia dá sinais de que pretende passar adiante o Diário Popular de São Paulo."

Volta ao índice

Imprensa em Questão – texto anterior

Mande-nos seu comentário