Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Toni Marques

EUA / MÍDIA CONSERVADORA

“As bíblias da direita”, copyright O Globo, 11/05/03

“Num mercado desfavorável ao jornalismo, cuja receita publicitária está longe de seus melhores dias, causou surpresa o lançamento, ano passado, do jornal ?The New York Sun?. De tiragem modesta, o diário tem a ambição de ser a resposta conservadora ao que a direita americana considera excessivo esquerdismo do ?New York Times?. Dada a infância do ?Sun?, ainda é cedo para espetá-lo no mural das publicações neoconservadoras do país, mas ele é mais um sinal de que existe uma crescente demanda dos leitores que defendem uma política externa intervencionista, a restauração dos valores religiosos e o papel decrescente do Estado na vida americana.

O jornal tem entre seus financiadores Bruce Kovner e Roger Hertog. Os dois são do conselho do Instituto Manhattan, órgão de pesquisa intelectual neoconservadora, do qual também faz parte William Kristol, editor da mais importante das publicações ?neocon? (o apelido dos neoconservadores), ?The Weekly Standard?. E os três são ligados ao Instituto da Iniciativa Americana, o principal órgão de pesquisa dos neocons, apelidado de ?recursos humanos do governo Bush? porque vários dos quadros da Casa Branca estão ou estiveram no instituto.

Conservadores estão em toda a parte, diz escritor

A leitura se completa com os jornais ?The Wall Street Journal? (a segunda maior tiragem do país, 1,8 milhão de exemplares) e ? New York Post?; os canais de TV Fox e Fox News; e as revistas ?American Spectator?, ?National Review? e ?Commentary?. O ?Post? tem a oitava maior tiragem, 620 mil exemplares nos dias de semana, mas é o jornal que mais cresce em termos relativos: sua tiragem aumentou 10,2% nos 12 meses encerrados em março. O crescimento é maior do que o de todos os 15 maiores jornais americanos. No mesmo período, a tiragem do ?Times? caiu 5,3%; a do ?Washington Post? caiu 1,9%.

Para o jornalista Eric Alterman, autor do livro ?Que mídia liberal??, o novo conservadorismo não se restringe às cartas marcadas. Seu livro tenta provar que escribas de direita estão em toda parte, da sofisticada ?The New Yorker? à juvenil ?The Rolling Stone?. Antes que o acusem de ser teórico da paranóia, Alterman alega que o contrário não é verdade. ?O leitor deve saber que não tenho objeção à inclusão de conservadores no componente genuinamente liberal da mídia?, escreve ele. ?Na verdade, eu lhes dou boas-vindas. Apenas gostaria de ver alguma reciprocidade no outro lado?.

As revistas cobrem todo o espectro da vida americana, do comportamento sexual à guerra ao terror. Mas os teóricos neocons, estranhamente, não têm um pensamento formulado sobre a economia americana. Talvez porque, em seu nascimento, o neoconservadorismo só tenha se preocupado com a política externa e continue assim por inércia, impulsionado também pela crença de que a única ideologia econômica que conta, nos EUA, é a da menor intervenção possível do governo na economia.

A origem dos neoconservadores está, curiosamente, na esquerda – que nada tem a ver com com o termo liberal, que seria considerado centro-direita na Europa ou na América Latina. O malogro da Guerra do Vietnã fez com que a esquerda, em geral, e o Partido Democrata, em particular, perdessem a fé na condução da Guerra Fria, que viam como justa e necessária. As acusações feitas pela esquerda, de imperialismo e perda de liberdades civis, foram rejeitadas pela direita. Mas a direita não foi capaz de produzir um presidente nos anos 50 e 60, como explica Andrew Bacevich, diretor do Centro de Relações Internacionais da Universidade de Boston. Os chamados liberais da Guerra Fria, que perderam a fé também na esquerda, começaram a formular idéias próprias, no fim dos anos 60. Por causa da derrota no Vietnã, viram a necessidade de uma reformulação do militarismo no país e pediram o renascimento do poder americano.

Publicações de pouca tiragem e longe alcance

Ao lado deles estavam intelectuais judeus de Nova York, oriundos do chamado ?Harvard dos pobres?, o City College, que era um centro de ativismo socialista. Suas idéias foram divulgadas pela revista mensal ?Commentary?. Seu primeiro editor, Norman Podhoretz, tem um filho jornalista, John, que é colunista do ?New York Post?. O genro de Podhoretz é Elliot Abrams, o responsável pela política de Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional.

O papel da política nunca esteve tão ligado à política do papel na história recente do país. Mas os neocons se recusam a ser vistos como um monobloco produtor de textos. Kristol já disse que talvez Bush chegasse ao ponto em que está, em termos de política externa, sem a inspiração deles. Uma recapitulação das relações entre os nomes que formam o bloco mostra como as palavras impressas e faladas começaram a moldar os EUA em salas de universidades e publicações de pouca tiragem e longo alcance.

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“Murdoch: lucro e ideologia”, copyright O Globo, 11/05/03

“Mesmo em se tratando de publicação sensacionalista, o ?New York Post? é um choque para quem não está acostumado a jornalismo engajado. Durante a guerra que derrubou Saddam Hussein, o jornal literalmente promoveu uma campanha contra produtos franceses consumidos em Nova York. E trocou, em fotos, o rosto do presidente francês, Jacques Chirac, pela de uma doninha, animal que simboliza a capacidade que um inimigo mais fraco tem de atacar o mais forte. Seguidas vezes, durante a campanha, o ?Post? usou a imagem da doninha para se referir aos franceses.

O jornal é uma das ruidosas armas do principal nome, nos meios de comunicação, dos neoconservadores: o australiano naturalizado americano Rupert Murdoch, cujos canais Fox e Fox News se tornaram líderes de audiência nas TVs aberta e por assinatura, respectivamente, durante o governo de George W. Bush. Ele se naturalizou americano, nos anos 80, para poder entrar no mercado das telecomunicações do país, devido à regra que proíbe propriedade em mãos de estrangeiros. Seu conglomerado, a News Corp., inclui a principal publicação neoconservadora dos EUA, a revista semanal ?The Weekly Standard?.

– Muitas pessoas na Fox News têm apoiado a política de Bush – disse, no mês passado, o editor da revista, William Kristol. – Elas merecem menção (no mapa do neoconservadorismo). E Murdoch, pessoalmente.

A esquerda e o centro liberal consideram Murdoch um Midas ao contrário: baixa o padrão de tudo em que toca. A cobertura da Fox News durante a guerra tinha mais de torcida que de jornalismo e afetou a terceira colocada, MSNBC (a segunda é a CNN). Por causa do efeito Fox News, a MSNBC contratou dois comentaristas conservadores para combater o principal nome do canal, o truculento Bill O?Reilly. E, no front das TVs abertas, a programação do horário nobre da Fox é bastante apelativa, incentivando, em seus recentes reality shows , a traição (caso dos programas ?Ilha da tentação? e ?Zé milionário?).

Murdoch, que fez campanha contra a BBC dada a maneira supostamente crítica como, no fim dos anos 90, a rede britânica abordava a China – país em cujo mercado estava interessado em entrar – considera-se um agente de mudança. Pode mesmo ser. Na última quinta-feira, ele esteve numa audiência no Congresso para discutir a compra de parte de um provedor de transmissão de TV por satélite. Seu testemunho foi dado num momento em que a agência reguladora das telecomunicações está em vias de encerrar a revisão das regras que impedem o setor de se ver vítima de monopólio. Murdoch disse que a aquisição beneficiará os consumidores. Com a aquisição, a News Corp. ocupará o segundo lugar na distribuição de programação de TV, ultrapassando a Time Warner Cable, mas ainda atrás da Comcast.”

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“Alguns livros que sustentam a ideologia”, copyright O Globo, 11/05/03

“Lançamentos recentes que atacam a mídia considerada esquerdista, a esquerda em si e até a democracia:

?THE DEATH OF RIGHT AND WRONG?: (?A morte do certo e do errado?, ed. Forum/Prima). Tammy Bruce, que se define como feminista, lésbica e a favor da pena de morte, do porte de armas e do aborto, tenta provar que a esquerda está agredindo os valores americanos. O multiculturalismo e o relativismo estariam deixando os EUA num vácuo moral. Ataca negros, homossexuais, professores e a indústria do entretenimento.

?THE FUTURE OF FREEDOM?: (?O futuro da liberdade?, ed. W.W. Norton & Company). O autor Fareed Zakaria, da revista ?Newsweek?, argumenta que a superdemocratização dos EUA levou o país a ser vítima do populismo e da ação de grupos que emperram o processo político. Argumenta que países que se tornaram democráticos prematuramente ficaram pobres, ao passo que os que durante muito tempo foram governados por ditaduras se tornaram democracias prósperas. Para ele, a democracia só funcionaria em países de renda per capita alta.

?THE SAVAGE NATION?: (?A nação selvagem?, ed. WND/ Thomas Nelson). O radialista Michael Savage protesta contra o que chama de ?ataque liberal nas fronteiras, língua e cultura? dos EUA. Na guerra, esteve quase diariamente na TV para ridicularizar a cobertura da imprensa que não se alinha com a Casa Branca. O livro está há 16 semanas na lista dos best-sellers do ?New York Times?.

?SLANDER: LIBERAL LIES ABOUT THE AMERICAN RIGHT?: (?Difamação: mentiras liberais sobre a direita americana?, ed. Crown Publishing). A autora, Ann Coulter, é chamada de ?a diva do conservadorismo?. Ela declarou, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, que os EUA deviam invadir os países dos terroristas, matar seus líderes e converter os povos ao cristianismo.”

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“Os teóricos do neoconservadorismo”, copyright O Globo, 11/05/03

“LEO STRAUSS (1899-1973): Professor da Nova Escola de Pesquisa Social de Nova York (1938-49), da Universidade de Chicago (1949-67), do Claremont Men?s College (1968-69) e do St. John?s College. O alemão Strauss foi o pai filosófico dos neoconservadores americanos. Entre seus ex-alunos estão Clarence Thomas, juiz da Suprema Corte nomeado por George Bush, pai; o atual vice-secretário de Defesa, Paul Wolfowitz; o teórico de literatura Harold Bloom; e o editor-chefe da revista ?The Weekly Standard?, William Kristol. Atacou a modernidade filosófica, acreditando que o iluminismo, e portanto liberalismo e relativismo, leva ao niilismo. Ele viu na América liberal de meados do século XX a mesma fraqueza da Alemanha da República de Weimar. Suas idéias influenciaram o historiador Harry Jaffa, que apresentou o pensamento de Strauss a Harvey Mansfield. Este foi professor de William Kristol e de Andrew Sullivan, editor da ?New Republic?.

ALBERT WOHLSTETTER (1912-1997): Matemático da Universidade de Chicago, tornou-se um teórico de estratégias de defesa nuclear, engajado na vitória dos EUA na Guerra Fria. Foi o mentor da política de defesa de Ronald Reagan contra a então URSS, e o fim do comunismo é, em parte, seu mérito. Também foi professor de Wolfowitz, mas seu mais famoso aluno, por ora, é Ahmad Chalabi, o fundador do Congresso Nacional Iraquiano, grupo de oposição a Saddam Hussein, e que saiu do exílio em Londres para se tornar o principal líder local na reconstrução do Iraque. Por intermédio de Wolhstetter, Chalabi conheceu Richard Perle, Dick Cheney e Donald Rumsfeld.

ALLAN BLOOM (1930-1992): Teórico cujo livro ?The closing of the American mind? (?O fechamento da mente americana?, 1987) popularizou as idéias de Strauss, alertando para o perigo de os EUA e o Ocidente se deixarem levar pela cultura popular, abrindo campo para o niilismo. Foi professor de Francis Fukuyama, teórico que previu o fim da História. Seu perfil foi descrito pelo amigo Saul Bellow, prêmio Nobel de Literatura, em seu último romance, ?Ravelstein?. O livro provocou polêmica porque revelou detalhes íntimos da vida de Bloom – como sua homossexualidade e sua morte por causa da Aids – mas também mostrou detalhes do rigor deste intelectual, que ensinava Tucídides em grego.”