Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Torre de papel

Eduardo Viveiros (*)

 

I

van Angelo, no JT de 14/01/99, p.6C, chamou Sílvio de Abreu de “enganador” por ter “explodido” o enredo de sua novela Torre de Babel. Diz Ivan Angelo:

Um enredo em que qualquer um pode ser o criminoso não tem a menor consistência nem compromisso com a novelística. Uma sociedade em que todos são criminosos potenciais é uma mentira, uma distorção.

A dúvida sobre quem havia explodido o shopping center da novela, segundo o autor, foi “fabricada e marquetada”, tendo sido uma bobagem irrelevante a mídia especular sobre o assunto.

Fiquemos com a segunda frase do trecho acima transcrito: Uma sociedade em que todos são criminosos potenciais é uma mentira, uma distorção. Rica em possibilidades, se a deslocamos do campo da dramaturgia televisiva para a política.

Agora mesmo, a crise que derrubou o outrora todo-poderoso Gustavo Franco e a política econômica governamental, não chegou a configurar os vilões ou “criminosos”, apesar da mídia apontar Itamar Franco como possível candidato a Judas na novelinha “Realista”. Produto político-dramatúrgico cujos ingredientes da trama, por sinal, são bem mais complexos do que os de Torre de Babel, produto televisivo que carrega no próprio título sua significação e pertinência: nenhuma, pra quê ?, a não ser ocupar as mentes cansadas e sonolentas depois do jantar (quando há…).

Nossa crise não é “política”, mas econômica. Ah, bom… Política não é mesmo um assunto muito digestivo. Economia pode ser, porque o didatismo da mídia está voltado para fazer com que todos entendam que tudo vai bem, apesar de nos termos dado mal. Não há crise política, mas pode haver. E braba. Para evitá-la, Bolívar Lamounier só vê um caminho:

“…uma dramática melhoria no desempenho da classe política, aí compreendido não apenas o presidente e o Congresso, mas também os governadores e prefeitos. Ou passam, todos eles, rapidamente, da incompreensão à compreensão, da ligeireza à responsabilidade, do antagonismo à cooperação, ou a crise estalará com certeza, tornando inútil a maior parte do sacrifício que já fizemos, e levaremos anos, disso ninguém duvide, para reconstruirmos as condições políticas que, bem ou mal, permitiram os avanços dos últimos anos.” (JT, 13/01/99, p. 2A)

Ora, cabe perguntar ao professor Bolívar: que verdade haveria numa sociedade onde os políticos, todos, sem exceção, cooperassem entre si, sem antagonismos e, por que não?, até uma certa dose de “ligeireza”? Não seria uma distorção das vontades e contra-vontades políticas de indivíduos, grupos, partidos?

As condições políticas que permitiram os “avanços dos últimos anos” praticamente não se alteraram com as últimas eleições. A aliança governista, alicerçada nos próceres da República oriundos dos mais diversos rincões brasileiros, e nos partidos de sustentação das políticas governamentais no Congresso, que eu saiba, também não estaria ameaçada.

Então, qual é a ameaça? Seja qual for, deve ser muito grave, muito mais grave do que o “efeito Itamar”. Seu apelo à unidade nacional chega a ser tocante, mas insuficiente. Se o Presidente do Real não conseguiu concluir a “lição de casa” neo-liberal, reformando a casa estatal para que pudessem nela morar os rebentos do crescimento econômico, que, claro, viria com a estabilidade monetária e as reformas, podemos procurar os culpados em toda a vizinhança (próxima e distante, bem distante, quase asiática…). Mas na própria casa ou na “famiglia” política governista, não. Todos querem a felicidade do Brasil.

As crises, inerentes à política econômica do governo, sempre vêm de fora. Aqui, aprovamos reformas, emendas para a reeleição, toneladas de medidas-provisórias e cortes orçamentários em rubricas insignificantes, como Educação, Ciência e Tecnologia etc. Todos fazemos sacrifícios, principalmente os milhões de desempregados. A sociedade não se compõe apenas de “mocinhos” e “mocinhas”, é claro, mas os “bandidos” são minoria e fáceis de serem identificados: no Congresso, as oposições impatrióticas; nas ruas e fábricas, certos sindicalistas; nas Universidades e em parte (bem pequena, aliás) da mídia, intelectuais que não se conformam com os sucessos governamentais e cultivam a “fracassomania”. O governo conta com o apoio quase total dos meios de comunicação. As vozes discordantes existem, mas não têm ressonância.

Se assim estamos, por que, na hora de soar o alarme geral da loucura cambial, da descida pelo ralo das “reservas” construídas com o capital-cassino que nos abandona, da quebra geral de empresas (as ex-estatais estão ameaçadas também?) e da recessão violenta que se instala na economia, por que apelar para os “bandidos”? Só porque Minas desrespeitou a máxima de Otto Lara Resende (segundo Nelson Rodrigues): “O mineiro só é solidário no câncer”?

(*) Pesquisador do NEAMP – Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP.