Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Transgênicos, convencionais e orgânicos

 

Rafael de Almeida Evangelista

A recente reportagem publicada na revista Superintessante (setembro/99), tematizando novas abordagens históricas sobre a Guerra do Paraguai, é exemplar com relação ao modo como são tratadas as Ciências Humanas nas revistas científicas. Com raras aparições, as reportagens que tratam de trabalhos científicos do campo das humanidades restringem-se, quase que exclusivamente, a temas da História. E, quando tratam de História, o fazem num modelo que evita problematizá-la e complexificá-la. A abordagem dada se apega ao factual, à história feita por indivíduos, com motivações pessoais e psicológicas, e não por personagens inseridos em grupos sociais com interesses antagônicos aos de outros grupos.

É neste sentido que a reportagem “Guerra no Mercosul”, da Superinteressante, é exemplar. Já na manchete da versão on-line ? a matéria é dividida em duas partes, metade está na edição on-line da revista, metade na edição em papel ? somos informados de que a reportagem trata da “verdade” sobre a Guerra do Paraguai. Esta “verdade” seria conseguida através da análise de “documentos inéditos, como informações comerciais, dados demográficos, cartas e fotografias”.

Não se fala, porém, na abertura ou na descoberta de algum arquivo nos últimos anos. Ou seja, não há nada, entre os documentos e informações consultados, que já não estivesse à disposição dos pesquisadores. Na verdade, a reportagem afirma um novo olhar sobre a guerra, um olhar mais atento a detalhes do cotidiano das batalhas. Trata-se aqui, ao afirmar a descoberta de uma “nova versão”, da “verdade”, de acentuar a impressão de que foi descoberta a versão definitiva para a Guerra do Paraguai.

A nova versão se oporia a duas outras, mais antigas. A primeira afirmava que a guerra teria se originado de um “erro de cálculo” do então presidente paraguaio Solano López, que teria ousado desafiar a Argentina e o Brasil. A segunda, que o Brasil e a Argentina teriam agido por influência da Inglaterra, interessada em destruir a indústria paraguaia nascente.

Velha versão, mais detalhada

A “nova” versão da Superinteressante nada mais é do que a primeira versão, com mais detalhes. Somos informados sobre a roupa usada pelos combatentes oriundos de todas as regiões, sobre o mate partilhado entre soldados argentinos, brasileiros e paraguaios, mas continuamos a saber muito pouco sobre as causas que levaram os países a uma guerra com tantas baixas.

Sobretudo na parte on-line da reportagem, em que encontramos um perfil do “caráter” de Solano López, fica a impressão para o leitor de que a causa de tudo foi o temperamento do presidente paraguaio. Nessa nova versão, a influência da Inglaterra no conflito, segundo afirma a revista, teria sido diminuída. Mais do que isso, a influência inglesa parece mesmo ter desaparecido como motivação da guerra.

As dificuldades das revistas de vulgarização científica em cobrir pesquisas das Ciências Humanas não devem ser vistas como simples má vontade ou incompetência. Elas são fruto de uma visão particular sobre as ciências, que lhes atribui o estatuto de juízas imparciais da realidade. A maior dificuldade com relação às Ciências Humanas está em que estas se mostram muito mais relutantes em emitir verdades únicas sobre seus objetos. Talvez por isso a História acabe sendo a disciplina mais retratada: porque é passível de ser tratada com uma abordagem factual.

Concepção positivista

Cria-se um círculo vicioso. As revistas científicas divulgam a ciência como objetiva, imparcial e “verdadeira” porque julgam que os leitores concebem a ciência desta maneira e o senso comum continua a julgar como científico apenas o que se afirma como objetivo e imparcial, já que dificilmente têm acesso a uma concepção diferente sobre o conhecimento científico.

Inovadoras com relação à diagramação, ao design e ao uso de gráficos e imagens, as duas revistas científicas brasileiras de maior tiragem, Superinteressante e Galileu, continuam vendo a ciência com os mesmos olhos de 50 anos atrás.

Para elas, fazer ciência não significa uma maneira, entre outras, de conhecer socialmente a realidade, mas da busca de uma verdade absoluta, mensurável, incontestável e universal. Trata-se, na verdade, de uma concepção positivista do conhecimento científico.

(*) Antropólogo, cursando a especialização em Jornalismo Científico da Unicamp

 

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