Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tribunal no fim do túnel

Ao que parece, o provão veio mesmo para ficar – nem tanto por suas qualidades e mais pelos seus defeitos. É um talento brasileiro esse de tornar essencial o que é acessório, privado o que é público, diagnóstico o que é doença. Na verdade, é algo típico por aqui e vem muito da reiterada cortina de fumaça que se lança sobre as grandes questões nacionais: para cada compra de voto, um escândalo na oposição; para cada Aloysio Biondi, um exército de ufanistas; para cada crise, um bode expiatório.

Talvez fosse o caso de aplaudir a originalidade do ministro Paulo Renato, que, no fim do estreito túnel da graduação, montou um tribunal. Os poucos que lá chegarem serão julgados por todo um passado de erros, que normalmente começa nos primeiros bancos escolares: o 1o grau é um verdadeiro escândalo, o ensino médio sofre uma histórica crise de identidade e o vestibular é a guilhotina menos esterilizada que se conhece para cortar talentos e perspectivas.

O ensino superior, de fato, contribui com o vazio em meio ao caos. É notório que muitas faculdades são apenas fábricas de diplomas. Mas é difícil acreditar que os mecanismos de fiscalização que já existem sejam insuficientes para detectar quem é o picareta que faz do ensino uma mercadoria e quem é o missionário que consegue montar bons cursos. Não haverá nada que o provão demonstre que não possa ser melhor diagnosticado em visitas sérias e periódicas de inspetores e delegados do MEC. Mas seria demais exigir que a máquina do Estado começasse a funcionar, em vez de transferir responsabilidades. Dá para desconfiar que, caso seja constatada a falência do ensino superior, o governo vai aplicar um provão nos cursos vestibulares, e assim retroativamente, até chegar na avaliação da ficha de inscrição do candidato à creche.

O provão sozinho é inócuo. Mas esse governo sabe trabalhar com a opinião pública, que sempre considera um consolo saber que alguma coisa, seja o que for, está sendo feita. De fato, é divertido notar como algumas faculdades entraram em pânico com os primeiros resultados e saíram desembestadas montando cursinhos (e demitindo professores sem titulação) às vésperas do exame do MEC.

Pois está justamente aí, na síndrome persecutória que é desencadeada, o principal motivo da aceitação que o Exame Nacional de Cursos tem tido. Ao pegar o rato pelo rabo, o provão deixa o bicho livre para morder e espernear. O ministro Paulo Renato teve o mérito de despertar indignação. Como pessoas indignadas são movidas por convicções (ou interesses), acaba sendo educativo, neste país sub-reptício, ver elites expondo pontos de vista.

Quanto ao provão dos cursos de jornalismo, sem querer, o MEC estimula o debate sobre a obrigatoriedade do diploma e toma partido, involuntariamente, ao dar ao jornalista o mesmo status do médico, engenheiro ou advogado. Os defensores da reserva de mercado agradecem.

O mínimo que se pode fazer, enquanto há tempo, é patrocinar uma ampla discussão sobre que aspectos serão considerados na avaliação. Quem é do ramo sabe como são híbridas as diversas formações possíveis para um jornalista. Até agora, o único sinal de bom senso é o de considerar, além da formação acadêmica, a experiência profissional dos docentes. Nem só de títulos e pesquisas é feito um professor de jornalismo.

Talvez o MEC consiga resolver uma questão ontológica: como se avaliam jornalistas? Além de alfabetizado, espera-se do foca que ele seja ético. Fora esse frágil consenso, entramos na polêmica sobre qual o perfil ideal desse profissional. É um ser de formação humanística? Um profissional que alia cultura genérica e alguma especialização? É possível mensurar o propagado “jornalismo total”? Jornalismo não é apenas um ofício, como dizem os empresários de comunicação?

Fico imaginando que tipo de questões serão formuladas. Vão pedir para escrever um lead tipo Veja, uma crítica sobre o Gerald Thomas, um editorial elencando os benefícios do neoliberalismo? Vão perguntar que notável empresa foi eleita a melhor do ano pela Exame?

O provão não é para saber se os formandos estão aptos a entrar no mercado? Então, é fundamental perguntar como se transforma um suspeito em culpado, como se fazem campanhas subliminares para eleger presidentes e, principalmente, como se constrói toda uma mitologia em cima da objetividade só para dissimular ideologias e interesses econômicos.

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